domingo, 20 de janeiro de 2008

Diário de Manuel

V

Vem-me uma vontade doida de cantar, dizer asneiras. Versos e mulheres sempre foram meu fraco, e, desde que adoeci, o cigarro. Gosto dos excessos, dos transbordamentos.

Há dias possuí uma mulher que me deixou impressas as marcas do cinismo. Tinha um bom corpo e, como eu, estava marcada pela morte - um morto percebe o outro de longe. Os desejos se tocam com crueldade, pois sabem que o tempo é curto e que todo carinho, toda ternura não devem ser desperdiçados. É preciso contenção, dedicação e trabalho para que o prazer não escape pelas mãos. É preciso saber o que se vive e para que se vive, quando se tem a certeza da morte. A vida deve ser contida para alcançar o excesso nos poucos anos que sobram.

Esmeralda sabia disso.

(oswaldo martins)

2 comentários:

  1. Oswaldo,

    Está ficando ótimo o diário do Manuel! Boa saída, as anotações curtas. Vão compondo em mosaico o enredo. Quando vai aparecer o Misael?

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  2. Belo texto.
    "Um morto percebe o outro de longe."
    A intensidade do hedonísmo quando desponta a consciência do fim também é de muita perspicácia.
    Gostei muito. Voltarei sempre.

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