terça-feira, 30 de junho de 2015

Um poema de Flávia Rocha

CHAN QIN NIU

Uniforme azul-marinho de pregas,
ténis e meias soquete brancas,
uma borboleta tatuada no tornozelo,

as pernas esticadas à frente da cadeira
enquanto espera o trem na estação,
folheando uma revista, as unhas roídas,

a mochila no chão, no trem, em cima
do sofá, ténis desamarrado e televisão -
hoje a irmã não vem dormir em casa.


(Flávia Rocha)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

nu

1

o traço nu
entre as coxas

a teoria dos triângulos
cerradinhos

o vermelho dos pentelhos
o quadro

no rasgo de uma bunda
iluminada

2

do quadro o que resta
senão o corpo pincelado

3

nas artes da iluminação
o nu solar desmentido
pelos sentidos

4

co’a broxa na mão
o artista mira e remira
o nu

lhe empresta
uma última tinta

5

o quadro-objeto
em silêncio nu

descansa


(oswaldo martins)

regime

achava-se gorda
o marido não se queixava
o marido a procurava
achava-se gorda
e nisto insistia

tanto atazanou o marido
ele foi embora de casa

talvez assim a sofrer
a dor do abandono
emagreça
acreditava

elesbão ribeiro

28/06/15

sábado, 20 de junho de 2015

Poesia italiana

Il Compito 

Do livro La vita felice, 200


Bevo nell’osso della sedia senza tavolo

una tisana perfetta.

Tra poco anche questa sedia

verrà battuta.

Forse bisognava restare così

senza avere più nulla su cui poggiare i gomiti

per reimparare una postura


Ho sempre avuto paura di uno strappo.

Mi trovo a meno di trent’anni

due figli e un matrimonio rotto.

Ed è la quarta casa che cambio in quattro anni.


Ma è silenzioso tenere tutti i pezzi in un intero.

Non emettere dolore.


Piove.


Senza più un suono su cui poggiare

una parola.

(Tiziana Cera Rosco)



A Tarefa


Bebo no osso da cadeira sem mesa
uma infusão perfeita.
Daqui há pouco até esta cadeira
será derrotada.
Talvez seja preciso estar assim
sem lugar  algum para apoiar os cotovelos
para reaprender uma postura

Sempre tive medo de uma distensão.
Me vejo com menos de trinta
dois filhos e um casamento quebrado.
É a quarta casa que habito em quatro anos.

Mas é silencioso manter todos os pedaços num inteiro.
Não emitir a dor.

Chove.

Sem mais som sobre o qual apoiar
um palavra.

(Tradução Francesca Cricelli) 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

pilulinha 44

Caçando carneiros, de Murakami, é um livro que te pega rapidamente. Não são necessárias nem duas páginas. O esquema é o mesmo do 1Q84. Um mundo insolito, com algo de suspense policial. É curioso como um livro atrapalha o outro. Verdade absoluta para os dois, que li, do autor japonês. Nada da grandeza de um Yusunari Kawabata , de Junichiro Tanizaki, ou mesmo de Yukio Micshima, para não falar de outros grandes autores japoneses. 

Sei que sou chato nas minhas apreciações, mas verdade seja dita, o “Kafka japonês” tem muito pouco do grande autor, no máximo chegando a uma espécie de pastiche industrializado e midiatizado, que encanta os falsos brilhantes das apreciações e não ultrapassam aquilo que são autores de uma literatura para descarte.

Com Caçando carneiros descobre-se o truque narrativo, e o cansaço e desalento que vem desta descoberta aponta para uma falácia, que tanto pode ser do autor quanto da crítica, sempre comprometida (quase toda ela) com os interesses midáticos que nos forjam autores geniais quando apenas os temos medianos ou fracos.


(oswaldo martins)

domingo, 14 de junho de 2015

beleza negra sobre fotografia de adrianna williams

o retrato visgo e pele o sucedâneo
da vista alarga mais a imagem
odores e displicência contêm
vermelhos sobre o disfarce
do azul-cinza

o ardor que se esconde e mostra
diferença e toque que acaricio
sem nunca tê-lo ao toque
das mãos pintoras fremem
pernas próximas ao gozo
do olhar

(oswaldo martins)

Beleza negra sobre foto de Adrianna Williams



sexta-feira, 12 de junho de 2015

para júlia em movimento

 

um corpo que da rua vibrasse
as marcas sutis do enovelar-se
e despir-se sem –  nos entantos
do entornar para fora nudez
e símbolo – o nu plasmado
se indecide força para os olhos
o ardor o agreste da beleza
que torce a sedução do vazio
e explode o palco, o homem
imagem-caco do movimento

(oswaldo martins)