sexta-feira, 28 de agosto de 2015

aforismos sobre o amor

1 como uma seta amor caminha em direção ao infinito de leopardi.

2 amor compõe hinos para as bachantes.

3 dioniso e não cristo: a imagem do amor.

4 à derrota de sodoma corresponde a derrota do amor.

5 a puta é a expressão última do amor.

6 o romantismo é a derrocada do amor; a edificação do amor burguês, que, de resto, não é amor.

7 no rabo das donzelas amor se esconde.

8 a solidão é o desejo q do amor, que lacan não compreendeu.

9 a escola é um breve contra o amor, pois ensina o conformismo, discorde da lacuna do conhecimento.


10 o movimento contrário a todo movimento supõe amor e o infinito de leoperdi.

(oswaldo martins) 

O amor é uma mulher morta

Pensar em Dante perseguindo
até o fim da vida
uma lírica
que justificasse ter passado tanto tempo
(entre inferno, purgatório
& paraíso) 
delirando inconsolável sobre a 
impossibilidade do amor   
  
Pensar em
Santo Agostinho
se arrependendo dos pecados
(logo ele que
era tão underground
& hedonista)
e covardemente separando
o amor de seu duplo
virulento

Pensar em Beatriz
guiando seu amado
e com ele todos os poetas
posteriores
mas incapaz (tamanha
a crueldade da pureza)
de conduzi-lo
ainda que piedosamente
a seu ventre fúnebre
& apaixonado

(Jopa Moraes)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Hölderlin

O poema conciso


Porque és tão curto ? Já não amas, como noutros

Tempos, o cântico ? Nesse tempo , ainda jovem,

Quando em dias de esperança cantavas,

Nunca encontravas o fim.



Como a minha sorte, assim é minha canção. Queres-te

banhar, feliz, no pôr do Sol? Já passou! E a

Terra é fria e o pássaro da noite sibila,

Incómodo, perante os teus olhos.

(trad Luis Costa)


Die Kürze

Warum bist du so kurz? Liebst du, wie vormals, denn

Nun nicht mehr den Gesang? Fandst du, als Jüngling, doch,

in den Tagen der Hoffnung,

Wenn du sangest, das Ende nie!



Wie mein Glück, ist mein Lied. Willst du im Abendrot

Froh dich baden? Hinweg ist’s! Und die Erde ist kalt,

Und der Vogel der Nacht schwirrt

Unbequem vor das Auge dir.

(Hölderlin)

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CENA LÍRICA, ANTECENA DE APAGÃO

CENA LÍRICA, ANTECENA DE APAGÃO
notas sobre um alumbramento e Joaquim Cardozo

               Cláudio Correia Leitão

POEMA PARA A NUDEZ DE ÍTALA NANDI

O ato sexual, na teoria dos meca-
nismos, é um conjugado de prismas.

Ítala Nandi despiu-se,
Tirou suas roupas desnecessárias
E não conseguiu ficar nua:
Sua bunda, seus seios minúsculos, sua babaca pequenina,
              São as mesmas da primeira nudez em que nasceu.

Apenas ficou mais lisa
Apenas entrou na periferia
De um corpo nu pintado: de Carnach ou de Baldung.
- Nudez de Eva, a primeira mulher.

              Ítala Nandi, por que escondeste
Por tanto tempo a todos nós
Tua santa e secreta nudez?
Tua nudez sagrada...
Nudez para ser beijada

              Com esse nu, tão assim de superfície
Todo o teu esforço no sentido da arte erótica
Onde a plateia e os atores são os mesmos,
Dás apenas o efeito tátil de pouca penetração.

Com essa primeira e indígena nudez,
              Ítala Nandi, é quando te vestes
Que ficas nua.

Cena motivadora

O Poema. “Poema Para a Nudez de Ítala Nandi” está circunstanciado nas montagens carioca (Teatro João Caetano) e paulistana (Teatro Oficina), do drama épico brechtiano intitulado Na selva das cidades (Im Dickicht der Stadt, 1923), em 1969, quando pela primeira vez uma atriz despiu-se inteira em cena, frontalmente e com toda iluminação, fato que virou notícia e entrou para a história do palco no Brasil. A gaúcha Ítala Nandi interpretou a prostituta Maria, que se desnuda, sob a direção de José Celso Martinez Correia. O poema atenta para um espetáculo, como para outros da mesma troupe. Exposições de pintura e gravura, o salto triplo de um campeão são prefigurações de um olho que vê ao mesmo tempo o espetáculo da existência e uma sociedade do espetáculo em formação. Há um gesto simultâneo de enquadramento e de escuta. Atriz e plateia interagem na fala de um eu coletivo que se dá “a todos nós” (v.11). 


Lírica e dramaturgia

Joaquim Cardozo (Recife, 1897-1978) escreveu poesia, dramas e operou cálculos de engenharia para projetos do arquiteto Oscar Niemeyer. Seu primeiro livro de versos é de 1947: Poemas. Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco, onde uma grande biblioteca leva seu nome. A produção de peças teatrais é rica. O coronel de Macambira e De uma noite de festa são duas delas. Poeta pouco lido e pouco estudado, elaborou versos provocadores de crítica e alimentadores para aqueles que porventura busquem rumos para a criação poética hoje através da leitura de bons poetas brasileiros do século passado. Possuía Cardozo – deduz-se do que publicou – ouvido afeito aos ritmos de falas, de versos, de danças e folguedos de tradições populares do Nordeste e do Brasil. Tinha também olho arguto para perscrutar e recriar a paisagem e figurações no espaço. A atração visual talvez seja um parentesco poético    com versos de João Cabral de Melo Neto, signatário de dedicatória a Cardozo.  Acresçam-se à dupla atenção sensorial cardoziana os sons e as imagens, a constituição de um eu poético esbatido por melancolia e nostalgia, como que relevos presentes em fluxos de frases e como recursos temáticos. Sirva de exemplo a “Canção Elegíaca” difundida por ensaio de José Guilherme Merquior. A canção exalta a mulher viva, projetando porém sua vida acabada, “Quando teus olhos fecharem”, no entanto eternizada aqui e agora, em retórico futuro, por imagens insólitas como – “As águas regressarão / Ao seio das cordilheiras; (Cardozo, 1971, p.81-82)” – versos que tocam no que há de espacial no curso do tempo, além de mexerem com a gravidade do planeta.  

Ler e ter soneto

O primado da visão no espacial sobre os outros sentidos e o dado temporal não excluem porém a sensibilidade afinada com a sonoridade das palavras sonantes na acústica da vida. Praticou Cardozo a forma fixa com decassílabo, como em “Soneto Somente”, metapoema que redesenha a cor local no surpreendente mas ambientado espaço, como em “Antes que ao porto do seu céu arribe / A lua. Assim só tenho essa planície (Cardozo, 1971, p.196).” À sua maneira peculiar, Cardozo segue a não-receita do poema “Para fazer um soneto” de Carlos Pena Filho. A cor local típica é transcriada  pela poética do soneto sobre a terra natal e o rio que corre pela própria aldeia.  

Pintura e lírica

Há no verso 8 duas referências a pintores: Cranach e Baldung. Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), teria sido dos primeiros a pintar mulheres nuas e voluptuosas. Hans Baldung Grien (1484/5-1545) produziu obra fascinada pelo erotismo. Noutro poema, um verso de Cardozo diz que “O sol nascente insinua (nua-se) glissando nos vales, nas árvores, nos rios”, para falar de nudez natural e nudez natureza viva, morta pela tradição da pintura e viva pela mesma tradição e pelo trem em movimento de noite e de dia no poema. O verso saiu de um poema de mais de vinte páginas intitulado “Visão do Último Trem Subindo ao Céu”. 

Jogos e opostos

Primeira mulher e última entre tantas. Despir-se e vestir-se. Sagrado é o palco, profano é fora de cena. O nu do poema de Cardozo, em interlocução com sua voz, esmera-se, constrói-se, prumo e plano, para o cânone de Dionísio e Baco; não para o despir-vestir da censura que se acirraria no governo seguinte. Vestir a nudez indígena foi o “erro do português” oswaldiano que ressoa no Poema para essa criação de Nandi e Cardozo, que prenuncia a era visual moralista. O Poema faz a liturgia em diálogos propostos com Oswald, com Bandeira iluminado pelo simplesmente profano no poético da nudez  do olhar do menino à beira do rio que vê um banho exibido em versos. Alumbramento no Poema para a Nudez seria o corpo nu a mover-se ainda no investimento dos versos de Cardozo entre futuras não notícias da imprensa calada e o teatro sem palco, logo apagado pela força.  A nudez que se reveste de força no Poema eclode no tempo de   uniformes velhos em tela agora.   





Umas referências
BANDEIRA, Manuel. Alumbramento.  Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / INL, 1971.
MERQUIOR, José Guilherme. Uma canção de Cardozo. Razão do poema. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1965.
PENA FILHO, Carlos. Para fazer um soneto. Livro geral. Rio de Janeiro: São José, 1958. 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Paul Celan

CONFIANÇA

Será ainda um olho,
um olho desconhecido, junto ao
nosso: mudo
sob uma pálpebra de pedra.

Venham, furem as vossas galerias!

Será um cílio,
virado para dentro na rocha,
acerado pelo que não foi chorado,
o mais fino dos fusos.

Perante vós, ele faz a sua obra
como se houvesse, porque é pedra, ainda irmãos.

(trad. Luis Costa)


ZUVERSICHT

Es wird noch ein Aug sein,
ein fremdes, neben
dem unsern: stumm
unter steinernem Lid.

Kommt, bohrt euren Stollen!

Es wird eine Wimper sein,
einwärts gekehrt im Gestein,
von Ungeweintem verstählt,
die feinste der Spindeln.

Vor euch tut sie das Werk,
als gäb es, weil Stein ist, noch Brüder.

(Paul Celan)

domingo, 16 de agosto de 2015

a espiral dos amantes toca vento

o que semeia esse ser frágil cujas
asas prodigalizam transparências

quem em aluvião impôs sede
à finitude do voo

neste ir-se constante
sob os tetos das casas

como se de chagall
chagall compusesse

um abismo mergulhado
sobre os rios

(oswaldo martins)


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

ensaio sobre o língua nua






a língua dança nua o corpo da juventude em retalhos define-a lúdica lucidez da língua da língua se inventa o corpo inventa a língua círculos dos retábulos do corpo partido nova a reconstrução da imagem quando dançam as sátiras impositivas dos abismos que não mais dão conta do que se não deixam representar como uma imagem marítima que absorvesse a expressão da calma e toda fúria se põe a recortar os corpos numa matemática mais clara pois se faz impossível como um cálculo exato que sequer pode deitar à cabeceira das águas de onde surge a nova vênus anadiômena numa concha de espetos cuja língua e corpo desperta nas forças esquecidas do ela língua do ela corpo em si mesmas como se mundo corpo como se mundo língua corporificados enlinguarados na totalidade única do silenciado.




Modelo Júlia Fernandez
Fotógrafa: Larissa Amorim
Texto oswaldo martins

Rilke

DER PANTHER
Rainer Maria Rilke

Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden,dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein grosser Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille -
und hört im Herzen auf zu sein.




A PANTERA
Rainer Maria Rilke
(Trad. Augusto de Campos)


(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.

exercício para uma prosa melancólica

Tome-se uma mesa, ou o seu tampo, retangular de 80 cm de comprimento por 30 cm de largura e espessura de 10 cm. Sobre ela repouse a mão, como se acariciasse um corpo. Apalpe-a, pressionando levemente a mão. Abstraia-se da mesa, esqueça a mão. Com esse movimento da mão, a abstração da mesa e o esquecimento voluntário da mão, nada, entretanto, acontecerá.

Retalhe, então, a mesa, ou o seu tampo, em dimensões que correspondam à metade exata da mesa original. Sobre ela repouse novamente a mão, como se acariciasse um corpo. Apalpe-a, pressionando levemente a mão. Abstraia-se da mesa, esqueça a mão.  Com esse movimento, a abstração e o esquecimento voluntário, nada, entretanto, acontecerá.

Retalhe, então, a mesa, ou o seu tampo, em dimensões que correspondam à metade exata da mesa já retalhada. Sobre ela etc etc etc.

Repita o movimento algumas vezes mais até que a mesa, ou o seu tampo, tenha exatamente um décimo da medida da mesa original, Não se apresse, vá fazendo os recortes paulatinamente até que fado da mesa se cumpra e ela adquira a medida exata de 0,078125 cm de comprimento, 0,029296875 cm de largura e 0,009765625 de espessura, de modo que quem repousará agora o corpo sobre a mão será a mesa diminuta, ou o seu tampo. Deixe que o mesa, ou o seu tampo, repouse sobre a mão, como se acariciasse um corpo. Deixe que a mão seja apalpada, sendo pressionada levemente. Com esse movimento da mesa, ou de seu tampo, a abstração da mão e o esquecimento voluntário da mesa, ou de seu tampo, nada entretanto, acontecerá.

Retalhe, então, a mão em dimensões que correspondam à metade exata da mão original. Sobre ela repouse novamente a mesa, ou o seu tampo, como se ela acariciasse um corpo. Apalpe-a, pressionando levemente a mesa, ou o seu tampo. Com esse movimento, a abstração e o esquecimento voluntário, nada, entretanto, acontecerá.

Retalhe, então a mão em dimensões que correspondam à metade exata da mão já retalhada. Sobre ela, etc etc etc.

Repita o movimento algumas vezes mais até que a mão tenha exatamente um décimo da medida da mão original. Caso se observe atentamente a mesa, ou o seu tampo, assim como a mão, voltarão a seu estado original, apenas que um décimo, mão e mesa, ou o seu tampo, do que haviam sido quando a história da mesa e da mão, ou de seu tampo, começou. Refaça agora o movimento novamente, primeiro a mesa, ou o seu tampo, depois a mão.

Repita esse movimento paralelo e correlato, durante o curso todo de uma vida. Nada, entretanto, acontecerá.

(oswaldo martins)


domingo, 2 de agosto de 2015

poemas portugueses

1

as rendas aportam olhos
rinocerontes-prendas
espreitam o rosto
da morte

2

ali ao pé do tejo
no silêncio eterno
dormem a seu turno
fernando, luis e
o bobo do herculano

3

entre os jerônimos
e a torre de belém
os heróis de salazar
servem apenas
para que neles
escarremos

(oswaldo martins)