sábado, 31 de agosto de 2013

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

norte ou sul, depende

tudo parece tão besta em Paramaribo
tudo que está fora daqui
incontido
o interior dizem que é lindo
e pelas bordas sinto o brasil logo ali
dizem que há 50.000 garimpeiros dos nossos
e que duzentas preguiças escaparam de um desmatamento
há um rio e uma mesquita
uma sinagoga com areia como piso
há um mar em algum lugar, mas eu não vejo
tudo parece intrínseco


(Lúcia Leão)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Bricanagem 17

17

alguém dirá
que brincanagem nega o sublime
até que eu refute:
o sublime castra toda e qualquer brincanagem

pra não dizerem que saí pela tangente
faço o registro
de ainda há pouco ter avistado
uma casquinha de quarto-crescente
ornando o pão-de-açúcar


ou seria o contrário?

(Ricardo Tollendal)

Escritos 14

14
um quadro pintado
é
um quadro pintado e eu me belisco
pensando se vejo
você está de pé. e eu estou aqui.
mudando as coisas
somente coisas
mudando aqui. mudando lá
somente coisas
                     de lugar
um quadro pintado. não sei se vejo
é um quadro pintado.
                       não sei que coisas
um quadro pintado. você está de pé.
                           e eu estou pensando.
é um quadro pintado.
           ou você está mesmo
somente aqui
                     e somente lá.


1987

(Letícia Tandeta) 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Poema 29 do VENTA NÃO

para teu governo
sessega a facho

a ruína dos tiranos
é sempre sangue alheio

melhor comanda
quem deixa estar

(Alexandre Faria)


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

namorada anarquista 11




a cidade está em festa
disse-me a minha amada libertária
perdeste um bom passeio
muitos jovens de muitos países
andam pelas ruas
da nossa cidade
andam com mochilas e bandeiras de seus países

conversei com jovens do Algarve
disseram-me que mais adiante
havia gente do Porto
iam a caminho da Lapa.
outros iam a caminho de São Cristovão
da Quinta
anda vamos pra rua
por que não queres ir pra rua
vamos pra rua

deixa-me
deixa-me estar em casa
ainda tenho medo da TFP.
e sabes muito bem que não gosto
da Nossa  Senhora ter andado por Fátima
e de ainda ter deixado aquele rapaz
filho dela
pregado na cruz
fica em casa
hoje estou mais certo
do que costumo.

elesbão ribeiro

24/07/13.

Escritos 13

13

hoje ou amanhã quem sabe podemos ir ao cinema mastigando juntos um chiclete menta mentol. no seu conversível possante veremos os que atravessam as ruas escuras. e no cinema talvez você possa segurar minha mão um pouco fria. e se você me perguntar sim ou não eu talvez possa ir até sua casa. mas se nada disso acontecer é porque sua mão também estava um pouco fria e tudo isso é muito difícil de resolver. mas ali no cinema escuro quem sabe um de nós não tivesse a resposta.

1983/84


(Letícia Tandeta)

os enterros simbólicos

as sibérias
as bastilhas
os doi-codi

guantánamo
as sibérias
as bastilhas

os doi-codi
guantánamo
as sibérias

as bastilhas
os doi-codi
guantánamo

as sibérias
as bastilhas
os doi-codi


guantánamo

domingo, 18 de agosto de 2013

Moldura da Pele - novo livro da editora TextoTerritório











3.
Jim Dine

para Oswaldo Martins

miss decapitada
saia de festa
exibe o cotoco do braço

em Nova Iorque

ícone sem cérebro
sem sutiã demilus
escalavrada a martelo

ao lado do santo bizantino

escorço na parede
ela e Mickey

xilografada seminua
crucificada com neón

trágica barriga e umbigo
sob chuveiro de sangue

Vênus quer decolar
líquida aérea

sair do enquadre-se da tela
do pedestal

ser mulher inteira
superar a forma escultural
a linha em riste do artista


(Rute Gusmão)

sábado, 17 de agosto de 2013

leitura de poema - o capote de nomes canudos



capote de nomes canudos
para rute gusmão

a cabeça o lenço ao largo
o vento do assombro réu
o facão a testa as moscas
o sopro do homem pelos

a cabeça a cabeça o corpo
o alarme os olhos o morto
a cabeça a cabeça o horto
do sertão a mosca revolta

o vento o vento o coágulo
o suco branco o rastro pé
o susto dos olhos e a cruz
o chão o sulco e estigmas

o facão o facão a diáspora
os restantes do nada rezes
a sânie o agreste em série
a cova o oco a boca aterro

o sopro o sopro o morto
a orelha a costela o satã
o torto o abjeto a fácies
do crime o resto nomes


(oswaldo martins)

Leitura de Poema - Haroldo de campos - Grécia Tropical


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

cabeças cortadas

cabeças em multidão cortam
no vai e vem das ruas lições
de tecedeiras

zoam traçam pedras finas
no oco do mundo ruídos
de abelhas

vozes trançam do largo
ao gargalo dos becos
das ítacas

zureta a seta do varonil
mercado de risadas
firma que a luta

é festa de baco


**

cabeças em multitudinária
questão de sereias
e cantos

seduzem os já aceitos
e não há acera
de epopeias

que tanja as velhas ruas
ao sabor dos ulisses
destroçados

o corpo lanha de farra
as práticas da dor
ri das faces

dos tortas caras

**

ruas em império do nada
cantam canções
e bárbaras

pedras pássaras fincam
sobre o crânio
dos estetas

a política da folia
o corpo do agora
o aqui da ágora

a garrafa de cerveja
o torso de uma mulata
e a beleza do fuuu fora

para o triste requebro
dos mestres da arte


(oswaldo martins)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Escritos 12

12

zebras que pastam
molemente
brancas e pretas destacadas na paisagem
o vento quente traz desejos
africanos
desertos solidão e selvas
rugidos e desterros d’alma


1983/84

(Letícia Tandeta)

Escritos 11

11

as luzes da cidade
iluminam o céu
prateado
pingando gotas de chuva
finas agulhas
no horizonte recortado


1983/84

(Letícia Tandeta)

Venta não - Lançamento



Alexandre Faria e Oswaldo Martins

certa foto

um corpo de mulher
há de ser vestido
de tecido leve
de modo que o vento
ao incidir sobre o vestido
mostre seu  corpo.

elesbão ribeiro

08e12/08/13

encontro

depois de procurar
com mãos

depois de vasculhar com  dedos

depois de perscrutar
com língua
o corpo de sua mulher
sussurrou-lhe

já sei onde tens
a alma.

elesbão ribeiro

09/07/13

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

quarto de afazeres

1

o andar por zanzibar
rende olhos oblíquos

flores de metal
néctar e carne crua

rende o abismo
das mimosas

deixa a quem ronda
aberta valise

que de bucetas
em páginas abertas

fazem o fazer
das esquinas

2

as menininhas
das prostitutas baratas

cobram caro

e se obrigam
nos quartos dos afazeres

piruetas
de espantar os olhos

3

uma
tem uma cachorrinha
que lhe obedece o comando

espertas a cachorrinha
e a madama
pouco se olham

mas atentas ao ritmo
do cliente apenas esperam
que o estalar de dedos

chame a cachorrinha
e sua língua solta
nos provenhas do freguês

que entre satisfeito e atônito
reza um creio em deus, padre,
e se encomenda ao dianho

4

os fundos da casa
ficam abertos

estas senhoras

são mais profícuas
que uma paróquia

são mais espertas
que os bancos centrais

5

as juras não revivem as de amor
como sonhou o senhor poeta
casimiro

as juras não aliviam o coxo
as juras não reativam o casto

as juras
como se potentes canibais fossem

depenam o bobo
que as paga em dobro

(oswaldo martins)

Escritos 10

10

alma gêmea eu preciso te dizer que você é minha 
escondida no meio de tantos tormentos é assim que 
funciona o dia a dia de uma alma gêmea vinte e quatro horas 
nesse mundo entediante.


1995

(Letícia Tandeta)

Bricanagem 15 e 16

15

como ainda são
dez e meia desta noite
resta uma esperança
de me desasnar das tribulações diurnas
antes que os badalos da mente
façam soar
hora definitiva para desarmar o esqueleto


16

meus perrengues
nossas dores
vêm da cuca para molestar
o dedão do pé

se a cuca
vulgarmente dita
massa cefálica
- que acreditamos mente -
não passa recibo
de agravos e injúria
então nos safamos
do que molestava
o dedão do pé

a cuca intocável
quando caga e anda
manda os perrengues

pro fundo do inferno

(Ricardo Tollendal)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Namorada anarquista 10

havia flores no café da manhã
trouxe flores
não as trouxe pra ti
trouxe-as para que me dês
bem sei o quanto custa a um homem
carregar flores pela rua
só no dia das mães
os homens se concedem
ver um homem a carregar flores
pela rua

anda
dá-me as flores
e dá-me um beijo.

elesbão ribeiro
21/07/13


namorada anarquista 9

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.


mas o que é isto?

é o chico buarque a dizer estes versos do drummond
está no face e no you tube
anda acorda levanta
estou a acabar com as nêsperas e cerejas
que compraste ontem na feira
pensas que só gosto de mangas

sabias que aristocracia
vasculhava na plebe pessoas de bom gosto
assim se educou

se fez o bom gosto

sei que não comes mangas
mas são tão boas quanto as tuas cerejas
questão de preço

com a boca cheia de  manga
deitou-se sobre a minha boca
a minha amada libertária
deixa-me
não me aborreças

deixo-te
mas antes me diz
isto deves saber
tão douto que és
o drummond escreveu antes ou depois
daquele incêndio que removeu
ou com que foi removida no Leblon
a favela da praia do Pinto

foi antes

além de poeta era profeta
não me fujas.

elesbão ribeiro

21/07/13

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Cartola - Verde que te Quero Rosa [1977] | Completo full album

Venta não


namorada anarquista 8

com um charuto entre dedos
taça de vinho noutra mão
com blusa a dizer-se sem sutiã
a trajar uma de minhas cuecas
com perna levantada sobre braço da poltrona
empina o nariz ao me ver entrar
na sala de leitura

estive a folhear estes livros
com belas fotos de prédios antigos
então é isto o tal patrimônio histórico?

lembra-te
tu mesmo disseste
quando estivemos em Espanha
que jamais teríamos entrado
naquele palácio enquanto casa do rei
poderias quando muito ter sido
ajudante de cantaria
e eu enfermeira de tuas chagas

estás a ficar dramática
sentimental
e isto não é do teu feitio
não percebes a equivalência que há
entre ti e o peão que reconstruiu
o Maracanã?
assim como o peão que remodelou esse patrimônio
não pode voltar lá
pra ver o seu fla flu
tu também não poderias ter voltado a casa do rei
terias sido naquele tempo
um pedreiro a fazer a casa do rei
hoje és um intelectual a guardar a casa dele
este não é o teu o meu o nosso patrimônio
não percebes que o patrimônio
que tanto queres preservar
é em memória de um rei que nos arrancava impostos?

a minha amada libertária
estava um tanto panfletária
mas tinha lá alguma bastante razão.



elesbão ribeiro