quarta-feira, 30 de março de 2011

Cinco frases exatas sobre nós

1
Com sorriso e farra é que o negro escarra nas feições do feitor. (Moacyr Luz / Aldir Blanc)



2
Quando bate palma o suor da alma transparece na cor com malícia e rapa é que nego escapa das lições do feitor
(Moacyr / Aldir)

3
Essa é a grandeza que o samba nos legou:
Em cada tristeza
erguer nosso copo ao humor

(Moacyr Luz / Aldir Blanc)

4

Amor
Humor

(Oswaldo de Andrade)

5

Pantei ramos de laranjeiras
foi meu juramento
no Flamengo Catete na Lapa e no Centro

(Moacyr Luz / Aldir Blanc / Paulo Cesar Pinheiro)



Bernardo Guimarães e o cânone

A repetição pois do recurso que já notáramos no "Dilúvio de papel" nos elucida sobre a expectativa do receptor que o poeta trazia. Imagine-se então que os contemporâneos pensariam do O elixir do pajé, castamente proscritos da cuidadosa edição de suas poesias completas. Dentro da seriedade de nosso cânone poético, o ultrapasse da idealização da mulher só era admissível mediante uma justificação "científica" - a exemplo do que fará o romance naturalista de Aluizio de Azevedo. Mostrá-la ao invés parceira, conquanto sem voz, nos jogos eróticos de caralhos e bandalhos, onde borés e pajés rimamna irrisão do chocalho gonçalvino, era, convenhamos, intolerável. Por isso mesmo, não divulgável. Não era permitido ao erótico despojar-se do esconde-esconde das saias-balão ou ao corpo mostrar-se senão através do artifício de anquinhas, com que o contemplador previamente sabia teatralizar as formas naturais.

O leitor de agora poderia afinal alegrar-se: estamos afinal noutro tempo, onde se torna normal o antes severamente punido. Assim a republicação do Elixir, contendo "A Origem do Mênstruo", já não causa nenhuma celeuma. De nossa parte, cantudo, lamentamos discordar: por certo que já não há sentido em censurar-se o erótico, sobretudo um erótico brincalhão como o do Elixir. Mas convém não engolir gato por lebre. Nosso cânone poético continua gerenciado pelos modelos que Bernardo marginalmente ironizava.

(Luiz Costa Lima - Pensando nos trópicos - página 249)

sábado, 26 de março de 2011

voz

o cigarro aceso
a voz

nas manchas da fumaça
um desenho seco

espiralado no quarto
volume da tonicidade

aqui se diz ella
quando ela se diz

traço de leitura
olhar descaído

sobre a folha
dos outonos quentes

a voz adensa
em carvão

sobe

à undécima aurora
que a madrugada tarda

(oswaldo martins)

terça-feira, 22 de março de 2011

Tolstói

Colhi um grande ramalhete de flores diversas, e ia para casa, quando notei, numa ravina, magnífica bardana carmesim em flor, daquela variedade que recebeu em nossa região o nome de tártaro, e que os ceifeiros sempreprocuram cortar antes do centeio, mas, quando a misturam sem querer ao ceifado, atiram-na fora para não se espetarem nos espinhos. Veio-me a ideia de cortar essa bardana e pô-la no centro do ramalhete. Desci para o fundo da ravina e, depois de expulsar um zangão cabeludo, que se cravara no meio da flor e nela adormecera flácida e docemente, comecei a cortar a haste. Foi muito difícil: não só havia espinhos por todos os lados, que me picavam mesmo através do lenço em que enrolara a mão, mas também a haste era tão forte que lutei com ela uns cinco minutos, rompendo as fibras uma a uma. Quando, finalmente, arranquei a flor, a haste estava em frangalhos, e a própria flor não parecia tão fresca e bonita. E o seu alambicado grosseiro não combinava com as flores delicadas do ramalhete. Lamentei o fato de ter destruído em vão a flor que era tão atraente em seu próprio lugar, e a joguei fora. "Mas que energia e que força vital" - pensei, lembrando-me dos esforços que me foram precisos para arrancar a flor. "Com que tenacidade ela se defendeu e como vendeu caro a vida!"

(Liev Tolstói - Khadji-Murát)
Trad. Boris Schnaiderman.

sexta-feira, 11 de março de 2011

home

in the bird’s nest
a left-behind sigh
flies
without the eggshell
house is everywhere.


lar

no ninho do pássaro
um suspiro abandonado
voa
sem a casca do ovo
a casa
é todo lugar.


(Lúcia Leão)

Pilulinha 16

Ó, o livro de Nuno Ramos é feito a partir de nossos espantos cotidianos com a morte. Da composição especialíssima ao retorno ao tema, todo o livro é causador de grande expectação. Uma reflexão profunda – por vezes filosófica – sobre a condição do humano vai bordando ao longo das narrativas a estranheza de estarmos construídos e constituídos na forma de cultura que alcançamos, cuja centralidade é a linguagem.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Polegada

entre a ladainha e os números
da monumental lógica

co’a ponta de meus dedos
esse tecido de universos

as cores quê berram
entre o mantô dos manitôs

um resto de cidade
um sovaco em sugestão

co’a ponta de meus dedos
hachurar mundos

com o azul de outros sóis
e a aniagem terrena

dos afetos mudos

(oswaldo martins)

sexta-feira, 4 de março de 2011

Manchas na pele, linguagem

Segue abaixo um pequeno trecho do conto de Nuno Ramos
Como uma via intermediária, procuro entrar e permanecer no reino da pergunta – ou de uma explicação que não explica nunca. Assim, suspenso, murmuro um nome confuso a cada ser que chama minha atenção e toco com meu dedo a sua frágil solidez, fingindo que são homogêneos e contínuos. Posso, até mesmo, anotar em meu caderno características do que toco, como: “pinta-se de verde antes de reproduzir”, “mostra extrema ansiedade antes do acaso”, ou “destila o breu dos carvalhos ao redor”, mas não devo, em hipótese alguma, regredir à cadeia causal interminável, como um cachorro mordendo a própria cauda. Acabo por me conformar com uma vaga e humilde dispersão dos seres, fechados em seu desinteresse e incomunicabilidade de fundo, e como um modelo mal-ajustado ao modelo permaneço em meu torpor indagativo, deitado na relva, tentando unir pedaços de frases a pedaços de coisas vivas.
(Nuno Ramos – Ó)

lira paulistana

no meio-fio entre sarjetas
baila rasteiro um pássaro
ou um mico

contra a parede
do mercado municipal
benguelas aflitos bateiam

pela aleias
entre o cocô do bandido
e um pano roto nos cabelos

tristes margaridas
bailam
de pá e ancinho

entre a elegância
de suas meninas
e o destino

das putas comezinhas

(oswaldo martins)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Poema do dia

Tantos múltiplos sentidos

Não se fala de amor com rima rica
Com versos doutos e conselhos sábios
No fundo amor é simples não complica
E sempre evita as palavras estéreis

De poetas que inventam em verso versátil
Rimam humor, elevador... Ninguém
Entende mais nada porque esta frágil
Flor se casa melhor e diz amém

No altar da dor e do sonho do verso
Que contém tantos múltiplos sentidos
Quantos só o corpo o toque inconfesso

Podem fazer sentir e dar ouvido
Por isso que poeta de sucesso
Faz como Roberto não como Chico
(Alexandre Faria)