quarta-feira, 30 de outubro de 2019

cabeça


1

faca aérea desce
sobre o esgar do morto

angicos canudos
peças de museu

a republicana
arte da tortura

2

fácies-espécie
olho roto cru

gibão o cajado
flor-de-livro odor

a escaras rubor
sega de artifícios

3

gema dos apupos
jaula dos malditos

pelas ruas o nudes
do horror o sangue

segue-pescoços
o abjeto troar

4

a frio a arma
faca colt metralha

o desova-país
no rito comum

dos assassinatos
que fazem o mundo

um cu

(oswaldo martins)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Giuseppe Ungaretti poesia italiana


ETERNO

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada


ETERNO

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla

(Ungaretti)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Dora Sampaio Poesia brasileira

Tempoorale 2

quero te ver
dopo il temporale
quando o nosso silêncio
for uma palavra madura
e um lugar de descanso
longe das idéias de águas paradas...

(Dora Sampaio)

domingo, 27 de outubro de 2019

Georg Trakl - poesia alemã

Delirium

Der schwarze Schnee, der von den Dächern rinnt;
Ein roter Finger taucht in deine Stirne
Ins kahle Zimmer sinken blaue Firne,
Die Liebender erstorbene Spiegel sind.
In schwere Stücke bricht das Haupt und sinnt
Den Schatten nach im Spiegel blauer Firne,
Dem kalten Lächeln einer toten Dirne.
In Nelkendüften weint der Abendwind.
(Georg Trakl)
Delírio

A neve negra que escorre pelos telhados;
Um dedo vermelho mergulha na tua testa,
No quarto despido afundam-se nevadas azuis -
Os espelhos mortos dos amantes.
Em pesados pedaços se desfaz a cabeça e contempla
As sombras espelhadas na nevada azul,
O sorriso frio de uma prostituta morta.
No perfume do cravo chora o vento da noite.

(Tradução de J. Carlos Teixiera – Georg Trakl in Gedichte, 1912-1914, aus dem Nachlass)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Paul Celan poesia alemã

[MIT DEN SACKGASSEN SPRECHEN]

Mit den Sackgassen sprechen
vom Gegenüber,
von seiner
expatriierten
Bedeutung – :
dieses
Brot kauen, mit
Schreibzähnen


[FALAR COM OS BECOS SEM SAÍDA]

Falar com os becos sem saída
sobre o de defronte
sobre sua
expatriada
significação – :
com dentes de escrever,
mastigar
esse pão.

Tradução  FONSECA, Celso Fraga

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Imitação das atitudes alheias para fazer poesia 1


1 – A medida exata do silêncio de Edu Lobo.
2 – A paixão pelo instante de Vinícius de Moraes.
3 – A recusa produtiva de Graciliano Ramos.
4 – A voz de puta de Edith Piaf.
5 – A escolha de vida de Antônio Fraga.
6 – A ironia de Oswald.
7 – A medida exata da poesia de João Cabral.
8 – A loucura produtiva de Antônio Bispo do Rosário.
9 – A visão caleidoscópica de Machado de Assis.
10 – O destemor lúcido de Coetzee.

(oswaldo martins)


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Poesia de Portugal


ESPANTA-ESPÍRITOS

Neve sândalo ranúnculo
porcela madrepérola
bambu
eis as palavras de que se precisa

Depois
é só deixar correr a brisa

(Jorge Sousa Braga)

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Poesia de São Tomé e Príncipe


Se fosses branco

Se fosses branco
terias a pele queimada
das caldeiras dos navios
que te levam à aventura!

Se fosses branco
terias os pulmões cheios
de carvão descarregado
no cais de Liverpool!

Se fosses branco
quando jogas a vida
por um copo de whisky
terias o teu retrato no jornal!

Negro!
Na cidade da Baía
os negros
estão sacudindo os músculos

Ui!
Na cidade da Baía
os negros
estão fazendo macumba.

Oraxilá! Oraxilá!

Cidade branca da Baía.
Trezentas e tantas igrejas!

Baía…
Negra. Bem negra!
Cidade de Pai de Santo.

Oraxilá! Oraxilá!

Francisco José TENREIRO
(São Tomé e Príncipe)

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Poesia marroquina Tahar Ben Jelloun


Sou um menino que zomba da inocência

Fui nutrido com o leite da esfinge
e cedo carreguei uma aranha no fígado em voz baixa

Gerei a cidade das trevas humilhadas
e voltado para mim mesmo
serpente sem cabeça, fiel ao sol

Provoquei o astro obsceno do mestre e do Imã
e o maculei de sangue no pátio dos milagres
o astro das areias que se apagou pela manhã
e me deparei com o Livro ao contrário

Tomei o trem para fomentar as turvações na água estagnada
do sono ancestral
sacudi os carvalhos
e vi a morte rir escondido diante do espetáculo das cabeças que caíam

Minha voz rompida parava no esboço desesperado da ausência
palavra anulada
quando nossas mães nos carregavam nas costas
nos campos e até o cemitério
nossas mães resignadas procuravam em nós a infância

Nus em nossa solidão
fazíamos buracos no asfalto
até o dia em que o tempo parou na ponta do nosso despertar.

(JELLOUN, Tahar Ben.  As cicatrizes do Atlas.  Seleção, tradução e introdução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira.  Brasília, DF: Editora UnB, Fundação Universidade de Brasília, 2003. 70 p.)


Je suis un enfant qui se moque de l'innocence

J'ai été nourri au lait du sphinx
et tôt porté l'araignée dans le foie à voix basse

J'ai engendré la ville des ténèbres humiliées
et tourné sur moi-même
serpent sans tête fidèle au soleil

J'ai provoqué l'astre obscène du maître et de l'Imam
et l'ai entaché de sang dans la cour des miracles
l'astre des sables qui s'est éteint au matin
et me suis retrouvé avec le Livre à l'envers
  
J'ai pris le train pour fomenter des troubles dans l'eau stagnante
du sommeil ancestral
j'ai secoué des chênes
et j'ai vu rire la mort voilée devant le spectacle des têtes
qui tombaient

Ma voix rompue s'arrêtait en tracé désespéré de l'absence
nulle la parole
quand nos mères nous portaient sur le dos
dans les champs
et jusqu'au cimetière

nos mères résignées cherchaient en nous l'enfance
Nus dans notre solitude
nous faisions des trous dans l'asphalte
jusqu'au jour où le temps s'arrêta sur la pointe de notre réveil.

(JELLOUN, Tahar Bem)

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Nassira Belloula


La espera

Allá el invierno avanza

Allá, el frío bufa

Sin embargo un susurro

surge en el centro

del cuarto

Ofréceme tus brazos

con los que puedo abrazar

estas tierras lejanas

Esta temporada

que nace con la risa

de los niños

*

L’attente

Là l’hiver s’avance

Là le froid s’ébroue

Cependant un murmure

chute dans le centre

de la pièce

Offre-moi tes bras

que je puisse enlacer

ces pays lointains

Cette saison

qui nait avec le rire

des enfants


(Trad. para o espanhol de Gustavo Osorio)

terça-feira, 15 de outubro de 2019

meio-dia


para ronald iskin,
sobre trabalho de rafael iskin

após a música do poema
a dança do poema
o poema

recobri-lo de transparências
em alaranjado-quente
refaz a excelência

da beleza

(oswaldo martins)

Rafael Iskin









Trabalho de Rafael Iskin sobre o apès midi d'un faune

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A PESTE



I
Levantemos uma bandeira negra sobre os países
e desenhemos uma cruz na nossa porta,
pois uma grande peste assola a terra.
Percorreu a árida terra de África sobre pés amarelados pela febre.
Desfilou pelas ruas de Berlim
ao compasso de tambores e música de vento.
Nos conventos de Espanha disse como os anciãos
o deslizante rosário das metralhadoras,
e nos arredores de Madrid escondeu o seu terrível rosto
numa máscara de gás último modelo.
Atirou sobre as suas empestadas feridas as capas do ditador
e cobriu o seu ventre inchado com uma casula vermelha de bispo.
Um dia nomearam-na catedrática em Jena.
E ela falou com uma boca bicuda e astuta atrás dos seus livros.
Em Xangai enforcou trezentos escravos que tinham pedido pão
e quando teve oportunidade de arrancar as unhas a um velho judeu
largou à gargalhada.
Olhou os seres humanos com olhos sanguinolentos
ferindo-os com a cegueira,
para não cultivem cereais na terra,
mas granadas nas fábricas,
para que não construam cidades levantadas até ao céu,
mas as incendeiem,
para que não saúdem o seu irmão,
mas o matem
– – –
Levantemos uma bandeira negra sobre os países
e desenhemos uma cruz na nossa porta,
por causa da grande peste.

(Inger Hagerup)