Oswaldo Martins
Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
ode
ode 1
descantar os sucessos do dia
as hordas
de orifícios compõem do tempo
a sua ficção
casebres e palácios surgem do
nada
para onde seguem sem suspiro
ou vozes
as cataratas cegam ao sabor do
léxico
os desguardados dele – tudo – o
silêncio
de vias findas
as potências alardeiam de há
muito
o silêncio-torpeza afetivo do
acúmulo
ao dará deus
as fugas inexistem ao pé de um
toque
o mundo cessa as casas caem
o outro já morto
os versos decantam seus
licores
o abismo mostra onde ressurge
sobre a garupa
uma biruta de desnortes
assente
na embriaguez vela o
tartamudeio
das sintaxes cruas
ode 2
o látex serve bem à sua dona
impõe-se justo à maré baixa
da boca coleante das línguas
náufragos
dele tanto necessitam
quanto
afagos crus sugerem
o
irem-se descamados ao rés
do
submundo para ouvirem
da
sarça ardente o reproche
e
se ajoelharem cães aos pés
divinos
– corcel condutor da chã
obediência
em seu elástico
movimento
entre o imundo
e
o prazer
ode 3
os pés sobre a terra
acorde após acorde adiam
a fenda lenta ao subir
mostram através dos passos
pernas a andarem o corpo
sopram surpresas às ruas
com suas sarnas – fulgor
a relampear – essa visão
tirana do instante – depois
as sombras caem nos ventos
do silêncio retorto avançam
até o limite da ave sem voo
segunda-feira, 18 de dezembro de 2023
Leituras
Dentre os livros lidos em
2023, os que mais gostei foram dos 90 lidos relidos este ano. Retirei da lista as
releituras e os trágicos gregos a que sempre volto.
Lidos
Prosa
1 – O lugar – Annie Ernaux;
2 – O som da montanha –
Yasunari Kawabata;
3 - A marca humana – Philip Roth;
4 – Garrafas que sonham
macacos – Everardo Norões;
5 – Plataforma – Michel Houelebcq;
6 – Los árboles caídos también
son el bosque – Alejandra Kamiya;
7 – Yoga – Emmanuel Carrère;
8 – A piscina/Diário da
gravidez/Dormitório – Yoko Ogawa;
9 – Sombra severa – Raimundo Carrero;
10 – Brancura – Jon Fosse;
11 – Ru – Kim Thúy.
Poesia
1 – Natureza aberta – Dora Ribeiro;
2 – O divã ocidento-oriental –
Goerhe;
3 – Cantos – Leopardi;
4 – Agência de viagens – Krystyna
Dabrowska;
5 – A demência do tempo –
LúcioAutran;
6 – A poesia árabe-andaluza –
Ibn Quzman de Córdova;
7 – A Ilíada – Homero;
8 – Mar salgado – Elesbão Ribeiro;
9 – El animal que agoniza ahí Afuera
– Paula Varela;
10 – Rosa Mareada – Rogério Batalha;
11 – Das coisas esquecidas no
fundo da caixa de costuras – Taiana Machado
Não ficção
1 – Aulas sobre Shakespeare –
W, H, Auden;
2 – História da literatura ocidental
– Otto Maria Carpeaux;
3 – A fronteira – Erika Fatland;
4 – Onde foram parar os
intelectuais? – Enzo Traverso;
5 – A política do impossível –
Stig Dagerman;
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
Dário além da esquina
Um senhor piedoso dobra
o paletó de um homem morto.
Apenas Dário e a multidão
e as mesas do café vazias.
Agora,
comendo e bebendo
pelas
pessoas que apreciam
o
incidente sem o relógio de pulso
gozam
as delícias da noite.
A
última boca repete.
Ele
morreu, ele morreu.
Todo o
ar em um defunto.
Parece
morto há anos
um quase
retrato
desbotado
pela chuva.
(Heleniara Moura)
terça-feira, 5 de dezembro de 2023
Um sol para cada um
Aqui tem um sol para cada um
Caos soprado longe aos verdes mares
A terra traz manjares para alguns
Buchos curtidos no ontem das dores
Tem a boa hora para cada um
Travessas correm riscos ao assomar
Aguaceiro rola inunda o debrum
Da chita surrada a consumar
Frias luzes, choros débeis, ser frágil
Olhos amorosos recontam os dias
Do encontro, do colo, do riso fácil
As Vitórias, Marias Vitórias,
Percorrem formosas na noite vígil
Passo a passo assumem trajetórias
(Cynthia Magluta)
terça-feira, 28 de novembro de 2023
bacantes
elas
– sobre quem dispõe deveres
e
os lares submersos assombram
com
esgares de toda a monta –
foram
chamadas à montanha
pele
de gamo e folhas de hera
ornam-lhes
a cabeça
jovens tranças em desalinho
se
aprestam aos ares
dentuças
se atiçam desabaladas
em
correria em gritos em fúria
tomam
o vinho que escorre
desde
os peitos até os pés
e
com a ponta concava da boceta
os
corpos pisoteiam e cobram
a
desdita e a descrença
aos
que a elas tecem enganos
sexta-feira, 24 de novembro de 2023
quinta-feira, 23 de novembro de 2023
brecht
dançam leves partículas em sôfregas
manhãs greve buzina o só alvoroço
a cama guarda o frígido acorçoo
flâmula nos lençóis em amarroto
descobrem-se rotos – vagares íntimos
–
os poemas em desalinho sem
fogo
aguardam quietos caírem
gotículas
do lá fora chuva em abstruso coro
nada veste o desacordo entre a
tez
dos presos à rua e o cárcere plúmbeo
privado e límpido do chão burguês
sequer refreiam-se – ante o acúmulo
–
ante a turba – em suas torres de
indez
se negam corpos por temor do
chumbo
quinta-feira, 26 de outubro de 2023
fogo-fátuo
na mínima partícula do acaso
as rosas os madeiros os cupins
o brioso desfazer inexorável
dos povos enfim o vozeio-silêncio
a exaltação reiterada do engasgo
cessam e nada resta do chapim
com que os heróis gregos no risível
ornavam
nas mantas das pedras-rio
seus olhos de moedas para o amanhã
posto terem os deuses displasias
enganosas nas palavras ineptas
da trapaça – deuses esses canalhas
afeitos nas luzes da eterna
inépcia