segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

ode

 

ode 1

descantar os sucessos do dia as hordas

de orifícios compõem do tempo

a sua ficção

 

casebres e palácios surgem do nada

para onde seguem sem suspiro

ou vozes

 

as cataratas cegam ao sabor do léxico

os desguardados dele – tudo – o silêncio

de vias findas

 

as potências alardeiam de há muito

o silêncio-torpeza afetivo do acúmulo

ao dará deus

 

as fugas inexistem ao pé de um toque

o mundo cessa as casas caem

o outro já morto

 

os versos decantam seus licores

o abismo mostra onde ressurge

sobre a garupa

 

uma biruta de desnortes assente

na embriaguez vela o tartamudeio

das sintaxes cruas


ode 2

o látex serve bem à sua dona

impõe-se justo à maré baixa

da boca coleante das línguas

 

náufragos dele tanto necessitam

quanto afagos crus sugerem

o irem-se descamados ao rés

 

do submundo para ouvirem

da sarça ardente o reproche

e se ajoelharem cães aos pés

 

divinos – corcel condutor da chã

obediência em seu elástico

movimento entre o imundo

 

e o prazer

 

ode 3 

os pés sobre a terra

acorde após acorde adiam

a fenda lenta ao subir

 

mostram através dos passos

pernas a andarem o corpo

sopram surpresas às ruas

 

com suas sarnas – fulgor

a relampear – essa visão

tirana do instante – depois

 

as sombras caem nos ventos

do silêncio retorto avançam

até o limite da ave sem voo


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Leituras

 

Dentre os livros lidos em 2023, os que mais gostei foram dos 90 lidos relidos este ano. Retirei da lista as releituras e os trágicos gregos a que sempre volto.

Lidos

Prosa 

1 – O lugar – Annie Ernaux;

2 – O som da montanha – Yasunari Kawabata;

3 -  A marca humana – Philip Roth;

4 – Garrafas que sonham macacos – Everardo Norões;

5 – Plataforma – Michel Houelebcq;

6 – Los árboles caídos también son el bosque – Alejandra Kamiya;

7 – Yoga – Emmanuel Carrère;

8 – A piscina/Diário da gravidez/Dormitório – Yoko Ogawa;

9 – Sombra severa – Raimundo Carrero;

10 – Brancura – Jon Fosse;

11 – Ru – Kim Thúy.


Poesia

1 – Natureza aberta – Dora Ribeiro;

2 – O divã ocidento-oriental – Goerhe;

3 – Cantos – Leopardi;

4 – Agência de viagens – Krystyna Dabrowska;

5 – A demência do tempo – LúcioAutran;

6 – A poesia árabe-andaluza – Ibn Quzman de Córdova;

7 – A Ilíada – Homero;

8 – Mar salgado – Elesbão Ribeiro;

9 – El animal que agoniza ahí Afuera – Paula Varela;

10 – Rosa Mareada – Rogério Batalha;

11 – Das coisas esquecidas no fundo da caixa de costuras – Taiana Machado

 

Não ficção

1 – Aulas sobre Shakespeare – W, H, Auden;

2 – História da literatura ocidental – Otto Maria Carpeaux;

3 – A fronteira – Erika Fatland;

4 – Onde foram parar os intelectuais? – Enzo Traverso;

5 – A política do impossível – Stig Dagerman;

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Dário além da esquina

 

Um senhor piedoso dobra

o paletó de um homem morto.

Apenas Dário e a multidão

e as mesas do café vazias.

 

Agora, comendo e bebendo

pelas pessoas que apreciam

o incidente sem o relógio de pulso

gozam as delícias da noite.

 

A última boca repete.

Ele morreu, ele morreu.

Todo o ar em um defunto. 

 

Parece morto há anos

um quase retrato

desbotado pela chuva. 


(Heleniara Moura)

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um sol para cada um

 

Aqui tem um sol para cada um

Caos soprado longe aos verdes mares

A terra traz manjares para alguns

Buchos curtidos no ontem das dores


Tem a boa hora para cada um

Travessas correm riscos ao assomar

Aguaceiro rola inunda o debrum

Da chita surrada a consumar


Frias luzes, choros débeis, ser frágil

Olhos amorosos recontam os dias

Do encontro, do colo, do riso fácil


As Vitórias, Marias Vitórias,

Percorrem formosas na noite vígil

Passo a passo assumem trajetórias

(Cynthia Magluta)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

bacantes

 

elas – sobre quem dispõe deveres

e os lares submersos assombram

com esgares de toda a monta –

foram chamadas à montanha

 

pele de gamo e folhas de hera

ornam-lhes a cabeça

jovens tranças em desalinho

se aprestam aos ares

 

dentuças se atiçam desabaladas

em correria em gritos em fúria

tomam o vinho que escorre

desde os peitos até os pés

 

e com a ponta concava da boceta

os corpos pisoteiam e cobram

a desdita e a descrença

aos que a elas tecem enganos

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

brecht

 

dançam leves partículas em sôfregas

manhãs greve buzina o só alvoroço

a cama guarda o frígido acorçoo

flâmula nos lençóis em amarroto

 

descobrem-se rotos – vagares íntimos –

os poemas em desalinho sem fogo

aguardam quietos caírem gotículas

do lá fora chuva em abstruso coro

 

nada veste o desacordo entre a tez

dos presos à rua e o cárcere plúmbeo

privado e límpido do chão burguês

 

sequer refreiam-se – ante o acúmulo –

ante a turba – em suas torres de indez

se negam corpos por temor do chumbo

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

fogo-fátuo

 na mínima partícula do acaso

as rosas os madeiros os cupins

o brioso desfazer inexorável

dos povos enfim o vozeio-silêncio

 

a exaltação reiterada do engasgo

cessam e nada resta do chapim

com que os heróis gregos no risível

ornavam nas mantas das pedras-rio

 

seus olhos de moedas para o amanhã

posto terem os deuses displasias

enganosas nas palavras ineptas

 

da trapaça – deuses esses canalhas

afeitos nas luzes da eterna inépcia

apresentam vermes à voz inapta