sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Desafio do malandro, Romance e comentário

Desafio do malandro

_ Você tá pensando que é da alta sociedade
Ou vai montar exposição de souvenir de gringo
Ou foi fazer a fé no bingo em chá de caridade
Eu não sei não , eu não sei não
Só sei que você vem com five o'clock, very well, my friend
A curriola leva um choque, nego não entende
E deita e rola e sai comentando
Que grande malandro é você

_ Você tá fazendo piada ou vai querer que eu chore
A sua estampa eu já conheço do museu do império
Ou mausoléu de cemitério, ou feira de folclore
Eu não sei não, eu não sei não
Só sei que você vem com reco-reco, berimbau, farofa
A curriola tem um treco, nego faz galhofa
E deita e rola e sai comentando
Que grande malandro é você

_ Você que era um sujeito tipo jovial
Agora até mudou de nome
_ Você infelizmente continua igual
Fala bonito e passa fome
_ Vai ver que ainda vai virar trabalhador
Que horror
_ Trabalho a minha nega e morro de calor
_ Falta malandro se casar e ser avô
_ Você não sabe nem o que é o amor
Malandro infeliz
_ Amor igual ao seu, malandro tem quarenta e não diz
_ Respeite uma mulher que é boa e me sustenta
_ Ela já foi aposentada
_ Ela me alisa e me alimenta
_ A bolsa dela tá furada
_ E a sua mãe tá na rua
_ Se você nunca teve mãe, eu não posso falar da sua

_ Eu não vou sujar a navalha nem sair no tapa
_ É mais sutil sumir da Lapa
_ Eu não jogo a toalha
_ Onde é que acaba essa batalha?
_ Em fundo de caçapa
_ Eu não sei não, eu não sei não
_ Só sei que você perde a compostura quando eu pego o taco

A curriola não segura, nego coça o saco
E deita e rola e sai comentando
que grande malandro é você.

(Chico Buarque)

Comentário:

A excelência da composição de Chico Buarque está em combinar as vírgulas musicais, com as vírgulas do texto que acompanha o canto. A composição virgulada dita o ritmo e o sentido. Pendula daqui para ali.
Em tempo, os romances do autor, por mais que se desliguem do suporte musical, mantêm o ritmo, isto é, não se pode lê-los sem que se percebam os corte na linguagem, que ditam – pendulam o sentido daqui para ali, sem o suporte musical. Permite-se até não gostar, mas que a maestria da linguagem se revela não resta nenhuma dúvida. Basta ler o que faz o escritor com a linguagem. Percebe-se que escrever não é contar apenas uma história, percebe-se que o dizer é sobretudo linguagem.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Todos ao lançamento do livro da Carolina Vigna-Marú




O Godô dança será lançado
sábado, dia 12 de dezembro de 2009,
das 11h30 às 14h,
na Livraria Sobrado,
na Av. Moema, 493 – Moema – São Paulo – SP.
Vai ter contação de estória para os pequenos.

sábado, 21 de novembro de 2009

desimitação de cecília

in extremis

a gota de orvalho
leve

e solta

viaja viaja
vaga

plana
até o gota não ser

mas o desvão
da música plena

o desvio da nota
varicosa

das varejeiras


(oswaldo martins)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ensinar verbos

Ensinar verbos
(ou de como incutir o sentimento de culpa no infante)

eu estava
tu estavas
ele estava
nós estávamos
vós estáveis
eles estavam

e onde você estava
quando tudo aconteceu?

elesbão ribeiro

12/11/09

domingo, 15 de novembro de 2009

Poema do dia

OS MORTOS

Os mortos não tomam chá
nem sentam
ao piano esquecido aberto.

os mortos não velam
nossas horas debruçadas sobre suas gavetas.
E, se interrogam fundamente do outro lado do espelho,
sequer nos reconhecem.

Os mortos ficam assim porque se concebem.
E há muito trocaram os porta-retratos
por outras formas, mais refinadas, de desprezo.

(Cláudio Neves)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009



“Que Viva Leminski!” aborda a obra do
poeta curitibano no SESC Consolação

No ano em que se completa 20 anos da morte de Paulo Leminski, uma edição do Projeto “Outros Contextos” apresenta vida e obra do poeta por meio de mesa de discussão, apresentação musical, leitura de poemas e ambientação, com consultoria de Ademir Assunção e direção de arte de Miguel Paladino. Participações de Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira, José Miguel Wisnik, Neuza Pinheiro, Alice Ruiz, Mario Bortolotto e Áurea Leminski.

A abertura é na próxima quinta-feira (5/11), com debate e coquetel

O projeto Outros Contextos, do SESC Consolação, em novembro faz uma homenagem ao poeta curitibano Paulo Leminski. Iniciado pela unidade em agosto, Outros Contextos tem como objetivo incentivar a leitura de obras de importantes autores da literatura brasileira e universal.

Neste mês, Que Viva Leminski! apresenta a vida e a obra de Paulo Leminski por meio de mesa de discussão, apresentação musical, leitura de poemas e ambientação, com consultoria de Ademir Assunção e direção de arte de Miguel Paladino.

Fãs e amigos de Leminski como Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira, José Miguel Wisnik, Neuza Pinheiro, Alice Ruiz, Mario Bortolotto, Ademir Assunção e Áurea Leminski fazem parte da programação. Obras do poeta e CDs com músicas compostas por ele estarão à disposição do público para consulta no local. Textos e fotos de Leminski, em suas mais variadas facetas, serão plotados nas paredes, portas e elevadores, oferecendo ao público a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre ele.

Paulo Leminski
Mestiço de polaco com negra, Paulo Leminski nasceu na cidade de Curitiba, Paraná, em 24 de agosto de 1944. Poeta, letrista de música popular, escritor, tradutor, professor e, pode parecer inusitado, também faixa-preta de judô, Leminski foi casado com a consagrada poetisa Alice Ruiz, com quem teve duas filhas.

Na década de 1970, teve poemas e textos publicados em diversas revistas - como Corpo Estranho, Muda, Código e Raposa. Em 1975 lançou o seu ousado Catatau, que denominou "prosa experimental", em edição do autor. Como compositor, Leminski teve a música "Verdura" gravada por Caetano Veloso no LP Outras Palavras, de 1981. Depois vieram outras gravações: "Mudança de Estação", com A Cor do Som; "Valeu", com Paulinho Boca de Cantor, e várias com Moraes Moreira: "Decote Pronunciado", "Pernambuco Meu", "Baile no Meu Coração", "Promessas Demais", música tema da novela Paraíso Tropical, da Rede Globo, em 1982. Em 1998, Arnaldo Antunes gravou em seu disco Um Som a música “Além Alma”.

Paulo Leminski foi um estudioso da língua e cultura japonesas e publicou em 1983 uma biografia de Bashô. Faleceu no dia 7 de junho de 1989 em sua cidade natal, mas sua obra tem exercido marcante influência nos últimos 20 anos. Seu livro Metaformose venceu o Prêmio Jabuti, em 1995. Em 2001, um de seus poemas ("Sintonia para pressa e presságio") foi selecionado por Ítalo Moriconi e incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro.


OUTROS CONTEXTOS - QUE VIVA LEMINSKI!
De 5 de novembro a 19 de dezembro. Segunda a sexta, das 13h às 22h / Sábados, das 9h às 18h. Não recomendado para menores de 16 anos
Grátis.

Abertura
Dia 5/11. Quinta, às 20h.
Leminski em prosa, verso e música.
Mesa de discussão a partir da vida e da obra do poeta curitibano, com os professores Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira e José Miguel Wisnik. Mediação do poeta Ademir Assunção
Local: Sala Ômega – 8º andar. Lotação: 80 lugares.
Não recomendado para menores de 12 anos
Grátis.

Dia 7/11, sábado, às 20h
Distraídos Venceremos
Poemas de Leminski por Alice Ruiz, Mario Bortolotto, Ademir Assunção e Áurea Leminski.
Local: Espaço Beta – 3º andar.
Duração: 45 minutos
Grátis. Lotação: 60 lugares.
Dia 11/11. Quarta, às 19h30.
Profissão de Febre
A cantora Neuza Pinheiro, acompanhada do músico Ronaldo Gama, apresenta parcerias com com Leminski, entre elas "Para umas noites que andam fazendo", "Filho de Santa Maria", "Idéia Brilhante", "Puro Espírito", "Sina que me brisa" e "Alma rasa".
Local: Espaço de Leitura – 3º andar
Não recomendado para menores de 12 anos
Grátis.
Dias 13 e 27/11. Sextas, às 16h.
Uma palavra para Leminski
Narração do texto infanto-juvenil Guerra dentro da Gente, realizada pela contadora de histórias Kelly Orasi, do Núcleo Trecos e Cacarecos.
Duração 45 minutos.Local: Espaço de Leituras.
Não recomendado para menores de 10 anos
Grátis.

SESC Consolação
Rua Dr. Vila Nova, 245
Tel: 3234-3000
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Assessoria de Imprensa SESC Consolação e Teatro SESC Anchieta
Rita Solimeo Marin – Tel: 3234-3043

blog: http://zonabranca.blog.uol.com.br/
site: http://zonafantasma.sites.uol.com.br/

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Artino por Oswald

"A utopia, nesse instante, visita e fecunda todos os setores da informação, da fantasia e da inteligência. É quando surge o Aretino. Os conventos, as primeiras casas burguesas, como os prostíbulos, transformam-se sob a sua pena em paraíso aliados de prazer físico. Com nenhum outro escritor, em nenhuma outra época, nem com Bocaccio, nem com Casanova, ou com o Marquês de Sade, a erótica toma proporções gigantescas e fantásticas como nas Vidas ou na Educazione della Pipa (...) É a Ilha da Utopia sexual."
ANDRADE, Oswald. "A marcha das utopias". In: A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 1990, p. 182

Urânia - Convite


quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Estações

Quando vim morar em Lisboa pela primeira vez, cheguei no começo do inverno. Perto de onde morava, havia um homem que assava castanhas na sua carrocinha e as vendia, na praça. Usava um boné, casaco e via-se de longe a fumaça das castanhas assando.
Acostumei-me àquilo, fazia parte da paisagem. Um dia o inverno acabou, o sol ficou mais forte e as flores começaram a brotar. De repente, lá estava o homem das castanhas, de camisola de manga curta, sem boné, com outra carrocinha, vendendo sorvete.
Foi asim que verdadeiramente aprendi o encanto das estações que se sucedem.
Sergio Murillo, 05/11/09

Poesia

Alguns anos atrás, ouvi falar de Ungaretti. Já havia lido Paul Celan, Georg Trakl e Mallarmè. São os meus poetas de eleição, como antes de conhecê-los tinham sido Baudelaire, Poe e Rimbaud. Neles havia encontrado como domar o poema, a partir daquilo que a expressão necessitava – precisão, contenção e sobretudo um delírio inexplicável que cabia em poucas palavras, em uma sintaxe que nada tinha a ver com a sintaxe tradicional, no sentido de arrumar os períodos, para que comunicassem o comum.

Outros poetas vêm sempre se juntar ao quartedo. A eterna Safo, Cesário Verde, Cabral. Murilo, Haroldo, Dora. A poesia é um carta mágica para que se possa sobreviver à bárbarie – talvez no mesmo diapasão da música. O que há, quando, por exemplo, lemos que sempre comove o voo negro dos pássaros? Hora nua, hora de espanto e voo. Poesia. Não é o canto ou sequer a proximidade com o canto dos pássaros o que nos deixa perpplexos, mas essa intuição que aproxima o canto humano do voo negro dos pássaros.

Se tomamos o voo/canto o canto/voo como um dizer equilibrado, contido e determinado, do nosso espanto negro frente a palavra e as sintaxes de que elas são capazes, não é por suas metáforas, metonímias, paradoxos que o tomamos, mas pelo poder de dizer o que não dizem as metáforas, metonímias ou paradoxos, isto é, a palavra enfim nua de contágios como o canto que os pássaros transformaram em voo negro, em canto negro e inintelígel senão que aos estudiosos, senão aos que sensibilizados com a tradução do que somos.

(oswaldo martins)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A sábia volúpia da contenção

Para o Roberto

A um passo, de Elvira Vigna, propõe um microorganismo narrativo que, de imediato, subordina o leitor aos efeitos que provoca. E são muitos. De variada centralidade, o romance é cruel. Neles se misturam os personagens – constituídos sob a desumanidade básica da solidão humana – e suas ações.

Partindo do pressuposto de um quase assassinato, constroem-se tramas que se sucedem e retornam em um círculo perfeito e aberto. A cena que se narra desenvolve-se em torno de um mesmo espaço físico - embora tal espaço esteja envolvido por outras cenas que voltam a se fixar e ficar em torno de outros centros que giram em torno de outros centros que, numa progressão infinita, fazem com que o romance retorne e se movimente nos mesmos espaços, como se os círculos sobrepostos devorassem a si mesmos.

Do círculo da devoração dos espaços concebidos pela autora, a devoração se expande em direção à linguagem e à sua capacidade de comunicar o incomunicável – a farsa que ela representa, quando deixada fora dos seus círculos íntimos e concêntricos. Metamorfoseada, sua linguagem se deixa devorar, com a sábia volúpia da contenção. Por isso as poucas cenas, os poucos personagens, a repetição de umas e outros, como se fechasem os círculos abertos para torná-los perfeitos – quando, na verdade, abrem-se outros círculos que se fecham para reabrir o que se fechara.

A devoração lúcida se estende às ações dos personagens, num tracejamento trágico. Se no teatro trágico o reconhecimento é o caminho que se abre para a catarse, para o mergulho definitivo na percepção dos espectadores, os leitores de Elvira necessitam buscar outra deriva, desde logo porque não há reconhecimento que possa levar o leitor ao apaziguamento, mas um contínuo de estranheza que o leva a perder na leitura seu ponto fixo e consolador, sem que exista a necessidade de substituir essa ausência por algo que lhe mostre um caminho, que interceda por ele, definindo de antemão uma possível educação.

Se há em A um passo a lembrança de uma educação esta só existirá como seu duplo negativo, isto é, como possibilidade de afirmar que a beleza e a crueldade dos movimentos humanos são parte de uma natureza indômita da qual se participa com entusiasmo e prazer.

Em Sade e em Machado de Assis encontram-se observações semelhantes. A natureza – e dela faz parte o homem – não é uma proposição para a festa dos espíritos – mas podridão e morte. Se Sade nos propõe a dor como domesticação e Machado, a ironia que revela a crueldade – em Elvira, a constante mudança, a ausência de um centro fixo – ou a superposição de centros – demonstra que a linguagem, a partir da qual a natureza se dá a ver, devora quem dela faz parte e, na proposição do paradoxo da existência – violento e arrebatador – cria este centro discêntrico que A um passo – sem a mínima concessão – elucida.

(oswaldo martins)