sábado, 21 de março de 2015

Sobre uma gravura de Picasso

para bárbara martins

o fauno e a bailarina
não dançavam

mas a dança
que iludiam

iludia
a menina

destes olhos

(oswaldo martins - minimalhas do alheio)

nelsinho 2

para dalton trevisan

depois do banho
penteou o cabelo com brilhantina glostora
refrescou a garganta com cepacol
ajeitou a gravata borboleta

saiu para mais um estupro

elesbão  ribeiro

15/ 03/15

sábado, 14 de março de 2015

Pilulinha musical 2

Escuto a música de Paulo Cesar Pinheiro há muito tempo. Desde minha adolescência, vivida em Barbacena, quando o Bernardino me apresentou um álbum do Eduardo Gudim, lá pelos idos dos ano 70. Havia neste álbum músicas antológicas, como A velhice da porta-bandeira. Desde então, escuto as músicas do compositor.  

Mais tarde descobri a parceria com João Nogueira, com Baden, e uma infinidade de parceiros tão distintos, como os mais afeitos ao samba – Mauro Duarte, Wilson das Neves – e os que compõem a mais legítima música popular brasileira, como Tom Jobim, Guinga e Edu Lobo.  A parceria com Guinga é bem mais antiga do que possa supor a atual fama e sucesso – merecidos aliás – do compositor de Vila Valqueire.

Sempre me espantou a capacidade de bordar a melodia com versos definitivos, perfeitos. Quem ouviu agravação de Monica Salmaso da música Fim dos tempos sabe do que estou falando.  Entretanto, me incomoda – puta que o pariu – algumas questões. Sempre soube elas que eram muito, mas muito bem resolvidas, mas que seguiam um padrão do já lido, ou mesmo um saudosismo frequente ou a questão, que nunca resolvi no compositor, de uma religiosidade meio travadora que às vezes barra a proposição agressiva das composições. Quem ouviu O importante é que nossa emoção sobreviva haverá de ter sentido esse mesmo desconforto.

Sou implicante, eu sei. Gosto desconfiando , mas gosto.


(oswaldo martins)

segunda-feira, 9 de março de 2015

Pilulinha 42

O romance de Herta Müller, editado pela Cia. das Letras, em 2013, apresenta um ambiente tenso e inconcluso. As frases curtas, o espaço sufocante da inação aos poucos se descortina para o leitor que deixa de ler as ilações cabíveis e se deixa encontrar na pura construção da linguagem.

A falta de opções, a corrupção, os favores inconfessáveis se entrelaçam na pequena aldeia romena, que tem como única possibilidade atentar para a finalidade em si mesma fechada e sem sonhos. Comer ou não comer, preparar as pequenas rações devidas de forma indevida ao outro, trepar ou não trepar, prostituir-se ou não se prostituir fazem parte de um espaço cujo sonho se coloca fora daquele espaço restrito da aldeia.

Refletindo a presença estrangeira e a vida sob a ditatura de Ceausescu, O Homem é um Grande Faisão no Mundo é um romance cuja principal virtude está em não nomear em momento algum as raízes de onde provém a ficção, mas em nomear as ações que se escondem sob a capa da impossibilidade gerada por aquilo que não se nomeia, tornando-a mais presente e insuportável.

A escrita literária, e Herta Müller a compreende com maestria, é tanto mais eficaz quanto mais faz o leitor mergulhar num paradoxo cuja temporariedade é intemporal, quase como nas dobras do que as palavras dizem.


(oswaldo martins)

o capote

1

o capote anda pela cidade
nada há nele
nem o braço nem a pança
de alguém

anda com sua alma de vento

2

com sua alma de vento
ginga nas gafieiras
o busto das estátuas
são seu estuário

o capote é uma figura ingente

3

esta figura ingente
abarca com as mangas
os quadros dos museus
e furta uma carícia

à moça que olha o quadro

4

a moça que olha o quadro
sente nas coxas o olhar
os braços do capote
que a enlaçam

mais de perto a moça olha

5

a moça mais perto olha
já não vê o quadro
nada e ninguém
apenas o comichão

toma lhe a as partes

6

as partes da moça
se molham e o quadro ali
já não dispunha-se a ser
olhado o capote queria

avultar-se em em ação

7

a violência do capote
derruba a moça
faz os olhos pasmos
saltam os botões da blusa

o capote guarda-os no bolso

8

as pernas da moça se mexem
lentamente sobe-lhe a saia
e a mão com força abre
os lábios e geme

o capote deita-se sobre

9

a moça percebe a luz
que a envolve e entontece
o quadro gira na cidade
escura e o capote pontua

a cena dos visitantes

10

o capote com sua luz
constrói a desilusão
de quem a cidade toma
por cidade o capote por

capote e o quadro por museu


(oswaldo martins)

terça-feira, 3 de março de 2015

Sobre o poema seco de Luiz Fernando Medeiros

Uma teoria do medalhão tensa, sem gestos dadivosos, o discípulo e seu discípulo despem e revestem a autoridade. Mestres calados solitários, solidários, bode e onça das crendices cretinas, entram em canoa manjada. Disse e crendice rimam, versículos, essas destrezas verbais que irrigam a goela dos cantores.