terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Leitura de Ossip Mandelstam, por Oswaldo Martins

Pasolini

Aos escritores contemporâneos

Vejo: vocês existem, continuamos sendo amigos,
felizes de nos vermos e cumprimentarmos em algum café,
nas casas das irônicas senhoras romanas...
Mas nossos cumprimentos, os sorrisos, as paixões comuns
são atos de uma terra de ninguém: uma... waste lande,
para vocês: para mim, uma margem entre uma história e outra.
Já não podemos realmente estar de acordo: estremeço,
mas é em nós que o mundo é inimigo do mundo.

(trad. Maurício santana Dias)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Cuidados intensivos

VII
[Os idos de março]

... se um certo Artemidoro..
Kaváfis

"Artemidoro, o médico,veio
com a receita; eu que a lesse,
porque era assunto de meu interesse.
Dobrei o papel e guardei-o. Depois leio-o.

Eu sei: falta aqui alguma elevação;
o modo é menor, a forma epigramática.
__ Mas tenho gente à espera e a realidade prática
se não no senado no ao menos coração."

(Manuel António Pinto)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Leitura de romance 01 (2019)


Fevereiro

Os encontros objetivam colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura Universal. Serão quatro encontros semanais, com duas aulas dedicadas ao estudo de um dos livros selecionados, da sua época, do significado literário e filosófico em que se inserem os autores. Os livros selecionados para o início das leituras críticas são SUBMISSÃO, do escritor francês contemporâneo, Michel Houllebecq e O Livro Mr, Gwyn, do escritor italiano, Alessandro Barico.

O livro de Houellebecq, polêmico, nos situa no ocaso do mundo ocidental e trata de assuntos bastante caros ao momento em que vivemos no Brasil. O livro de Barico, uma das mais belas construções sobre o ocaso da arte no mundo da reprodutibilidade técnica, é também polêmico e pressupõe um entrelace bastante curioso entre as artes plásticas e a arte da escrita. Os dos livros, ao pressuporem limites para a consideração dos estágios civilizatórios, entre si dialogam e nos permitem pensar o mundo contemporâneo.

Programação

Dias

05/02
Submissão – Houellebecq. As questões históricas presentes no livro, a deriva civilizacional. Apresentação do romance e estudo das linhas gerais da construção romanesca.
12/02
Submissão – Houellebecq. Leitura dos elementos constitutivos do romance, presentes nas linhas gerias anunciadas no primeiro capítulo. Discussão sobre o que o romance propõe.
19/02
Mr. Gwyn – Barico. As relações entre literatura e pintura ao longo das manifestações literárias. O limite do possível para os processos narrativos-descritivos. O beco sem saída da escrita.
26/02
Mr Gwyn – Barico. Leitura dos elementos constitutivos do romance. O significado da escrita, quando as possibilidades se esgotam. Como reinventar a possibilidade narrativa> discussão sobre o que o romance propõe.

Local: Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Horário: das 20:00 às 21:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro encontros
Mediador de leitura: Oswaldo Martins
Contato pelo tel (021) 981439622

Oswaldo Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira), pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000 -  7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório);  lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório) cosmologia do impreciso (2008 – 7 Letras); língua nua (com ilustrações de Elvira Vigna (2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto (2015 – TextoTerritório); paixão, sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz,  (2018  TextoTerritório).


Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não, (com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da TextoTerritório.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Música Popular do Norte Vol.1 (Álbum Completo, FULL)

Música Popular do Nordeste Vol.1 (Álbum Completo, FULL)

Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste Vol.1 (Álbum Completo, FULL)

MODA DA ONÇA

(recolhida por Paulo Vanzolini) Mandei os minino na roça Mi cortare umas caninha Voltaram na disparada Cai aqui, tomba acolá Eu fui perguntei o que é que há.... Era um bicho pintado Da cara chata As orelha redonda Os bigode espetado As mão Maringá E um cabo comprido Que vai como lá E eu disse: Isso é onça... Isso é onça... Chamei os meu cachorro Cachorro de minha fé Que late fino e grosso Que late com riso alto Êh Côco isca aqui moleque Au au au au... Au au au au... Chamei o Tomba Morro Chamei o Rompe Nuvem Chamei Quebra Corrente Êh Côco isca aqui moleque Au au au au Au au au au Fui de pau em pau Fui de toco em toco Fui de toco em toco E de moita em moita E de moita em moita E de toco em toco E de toco em toco E de pau em pau.......... CHERÉÉÉÉÉÉÉMMMM! E o bichão caiu lá......... Isso é onça!

A MODA DA ONÇA - EDSON GAMA

MARIA BETHÂNIA " MODA DA ONÇA "

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

estudo para o equilíbrio das cores de juan miró


1

amor passa por verões
deita-se por uma espera
que nunca virá

2

ante o azul pergunta o pintor
por que não sujá-lo
atando-o ao oco do mundo

3

tão claro em sua aeroticidade
que em vermelho
amor compõe-se imagináveis


(oswaldo martins)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

para dora ribeiro


ter uma amiga poeta
faz-me mergulhar abismos de lucidez
descer descer e descer

para perfazer um pouco de azul

(oswaldo martins)


O mouro cruzado

Das cantigas que alvejam o cristão-novo e o árabe converso, uma das mais
elucidadoras acerca dos limites que fazem contraponto à circularidade árabe-
cristã é o escárnio “Joan Fernandes, o mouro cruzado”

Joan Fernández, o mund’ é torvado
e, de pran, cuidamos que quer fiir:
veemo-lo Emperador levantado
contra Roma e Tártaros viir,
e ar veemos aqui don pedir
Joan Fernandez, o mouro cruzado.

E sempre esto foi profetizado
par dez e cinque sinaes da fin:
seer o mundo assi como é mizerado
e ar torná-ss’ o mouro pelegrin.
Joan Fernandez, creed’ est’ a mi[n],
que soo ome [mui] ben leterado.

E se non foss’ o Antecristo nado,
non averia esto que aven:
nen fiar[a] o senhor no malado
neno malado [e]no senhor ren,
nen ar iria a Ierusalen
Joan Fernández, [se] non bautiçado.

(Joan Soárez Coelho, CV 1013)

sábado, 19 de janeiro de 2019

Dois poemas de Nizar Qabbani


1

A função da poesia é fornecer-te um passaporte...
Sem interferir nos detalhes da viagem
No horário dos trens que apanhas
Ou no nome dos hotéis onde te hospedas
A função da poesia
É colocar à tua frente
A garrafa e o copo
E deixar que te embriagues
À tua maneira.

2

PASIÓN

Entre tus pechos hay aldeas incendiadas,
millones de fosas,
restos de barcos hundidos
y armaduras de hombres asesinados.
Ninguno de ellos ha regresado.
Todos los que pasaron por tu pecho
desaparecieron
y los que permanecieron hasta el alba
se suicidaron.

Entre seus seios existem aldeias incendiadas,
inúmeros poços
restos de barcos naufragados
e armaduras de homens assassinados
Ninguém regressou.
Todos os que deitaram entre seus seios
desapareceram
e os que nele se deixaram até o amanhecer
se suicidaram.

(tradução oswaldo martins)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

carpir


os corpos vagam suas superfícies
em simbiose imperfeita
mútuos se diluem
no ardor

o que a eles toca de pétala
pende haste apenas
bastam-se no licor
das ervas

confrontam no inexistir
o contradito estupor
daqueles a quem resta
somente o amanhã

(oswaldo martins)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ressaquinha


3

O fura-bolos fora um dedo que se esquecera de si para dar vazão ao incômodo provocado pela unha contra os mandriões das falsas verdades, os juízes, os carcereiros e carrascos que lhe empurraram o corpo para o cadafalso. A unha deste dedo transformada em ideia fazia com que os corpos dos que habitavam Ressaquinha resistissem.

Alógenos

3

Nariz de porco, nariz de rato. De quando não cheirou as flores raras dos alógenos. A pele que não esteve na Califórnia nem possuiu um sonho branco dos bem-nascidos. A pele sonhava sonhos mais enxutos que se misturavam às diversas cores pontuadas nos suportes quase como uma inexistência, quase como um zé ninguém ou um psiu.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A noite acorda diferente


A noite acorda diferente
na gramática da brisa

As pupilas suportam
a solidão solar

Com o vocabulário dos dedos
a mão fala com vagar do ar

Seguro na estância tão clara
o corpo abre a porta mais serena

(Yao Jing Ming)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

para o que servem as classes sociais


há quem estenda os braços
e esqueça o resto do corpo
e o braço fique ali exposto
para as chagas dos trapos

há este trapo em delícias
que toca o ar abre os poros
e desmancha bordados
nas facas que se desafiam

há esta faca ao sol nordeste
cerzindo a barriga dos peixes
costurada madrugada a reinar
o absoluto do que ainda resta

há o resto da barriga do feixe
que ao braço devora em avidez
sobre o braço que vaza
o corte de uma só sordidez

há esta ficção estrupício
este braço de sarjetas unhas
que unhas abjetas ranham
os fatos falsos dos palácios

oswaldo martins

A lição de poesia


1.
Toda a manhã consumida como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

2.
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da ideia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.

3.
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis – naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.

João Cabral de Melo Neto

domingo, 6 de janeiro de 2019

estudo para espelhos de Toulousse Lautrec


1

resta a ausência
de quatro

alguns panos
tramam o fundo-cama

o corpo quase
a se entregar

2

os reflexos acompanham
esta imagem que nua se vê

de costas a opulência da bunda
se mostra

no espelho ao lado
a cortina compõe ausência

3

vestiram a bailarina
de programa

a tara
no perfil do prazer

olha o senhor
vestido de bengala

(oswaldo martins)

Toulousse Lautrec




quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Os Bundas de Eugênio Hirsch e soneto


medidas servem para tanger cintas
ligas meias e pedaços de perna
e o solfejo das musas as anquinhas
que se lhes empinam a bunda externa

que o de dentro bunda tábuas lisas
só as mostram para os bundas sujas
de eugênio hirsch feitas nas bundas
como os que foram feitos nas coxas

mal dada foda, mal fodida à noite
entre os cristais partidos os cepillos
restaram-nos os bundas os bundinhas

e bundões a tanger velhos açoites
os drones e também computadores
que os fatos falsos fingem rica a bunda

(oswaldo martins)







Cartola 
Foto: Walter Firmo

BIDÊ


O BIDÊ DO TORQUEMADO


JÁ SE LAVOU
NO BIDÊ?


É URGENTE
LAVAR-SE


NO BIDÊ
LAVRAR-SE
JÁ QUE


TÔQUETOU

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Liberdade / Liberté

Liberdade
Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome
Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome
Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome
Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome
Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome
Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome
Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome
Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome
Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome
Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome
Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome
Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome
No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome
Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome
No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome
Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome
Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome
Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome
Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome
Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome
E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar
Liberdade
(trad. Carlos Drummond de Andrade /Manuel Bandeira)
Liberté

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom
Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom
Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom
Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom
Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom
Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom
Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom
Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté.
(Paul Éluard)