quarta-feira, 24 de maio de 2017

república

destroços de madeira flutuam no copo
de vinho dos recém-paridos burgueses

pedaços de plástico decompõem luzes
na alabastrina violência de um escopo

cães farejam os fundilhos dos ai jesus
ai madames colhidas em travesseiros

pomadas e parábolas tomates frescos
a fita laçarote da cena por onde o pus

jorra uma rainha da inglaterra por dia


(oswaldo martins) 

desimitação de caetano veloso

a borboleta fora

o chiang-li
de um pato
ou um vaso
de olho xadrez

a borboleta, eita!

seria a luz
a boceta que pentelha


(oswaldo marttins)

sexta-feira, 12 de maio de 2017

desimitação do senhor poeta alberto de oliveira

para o cláudio leitão

um vasinho chinês
um vasinho grego

ora, ora

um mimo
uma copa

ou não seria antes
uma bosta?


(oswaldo martins)

terça-feira, 9 de maio de 2017

SE VOCÊ LIMPA SUA CASA TODOS OS DIAS

Sabe o que é sobreviver ao oblíquo.

O que cabe numa pá,
o que num trapo não escapa
não se pode considerar lixo
nas interações trituradas com cantos
de madeira, história mal contada
nos nós em que você passa óleo
de móveis, flanela, a insistência
em proteger do ruído.

A diagonal dessa escada, você
conhece bem. E seus amigos,
quando visitam, não veem um pingo
de cola respingada que ficou sem raspar
ali onde o sol mistura sua narrativa
de desapontamento.

Você conhece bem o ritualismo
quase ingrato em que reside
sua casa, aonde cada objeto se esvai,
e é por isso, é por isso.

(Lúcia Leão)

sábado, 6 de maio de 2017

aula

o resto sobra perseverante
como um estalo da memória

o dendrobata é uma lição
de cultura mais ágil

que o desenho de um sapo
na verossímil imagem de sapaim

a soprar o caldo verde
do naturalista


(oswaldo martins)

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Sobre JULIETA, de Almodóvar (2016)

Protagonista de nome shakespeareano, professora de literatura clássica, a Julieta de Almodóvar vive fado vertente de viagem de trem e mortes - de um viajante suicida e do pescador e amante. Mortes trágicas, sem mais. Provém, se mais houver, alguma coisa de relatos de língua inglesa da autoria de Alice Munro, contista canadense e Nobel de Literatura em 2013.

Disse o diretor a Elsa Fernández-Santos (El País, Brasil, 19mar2016) que restou dos relato de Munro aquilo que se dá no trem.

O que há de mais é a própria fatalidade de defrontar-se num trem com um suicida desconhecido e de se ligar no mesmo trem a um pescador que morrerá numa tormenta marinha, assim que sua infidelidade é desnudada por Julieta. 

O desencontro da filha, a trama da governanta e a existência de Ava, amante do pescador, são dados sobre as mulheres que compõem a rede. A governanta e Ava afastam Julieta da filha, direta e indiretamente. 

Julieta madura, que escreve uma carta a sua única filha cujo endereço desconhece, permite a nós, plateia, sabermos de toda a estória filmada.

Julieta madura recusa-se a ir viver em Portugal com o namorado escritor que, ao fim, ao contrário do drama com Romeu, salva-a da morte e da solidão.

Julieta jovem é abatida pela morte do pescador e pelo distanciamento da filha. Ava perde o amante pescador e aparece abatida pelo desfecho trágico.
A governanta arquiteta a trama que separa, como um fado, mãe de filha, mas é abatida pela morte do pescador a quem se dedicava.

Morrem dois homens - um na viagem de trem, outro em viagem de barco em tempestade. Abatem-se a dedicada governanta, a pesquisadora clássica e a escultora Ava, que morre dessa tristeza. Ninguém chora, porque não há condições para lágrimas, restando o abatimento das personagens femininas restantes como pretendia Almodóvar no mais seco de seus dramas, segundo Elsa Fernández-Santos na fonte citada.

Uma estrada e um horizonte na cordilheira dos Pireneus suavizam toda a aridez.

Cláudio Correia Leitão

quarta-feira, 3 de maio de 2017

uma breve explicação do poema

Lúcia,

O desimitação histórica pra boi dormir faz parte do novo livro que estou escrevendo, que vai se chamar desimitações. Portanto faz parte de um projeto mais amplo. O livro se projeta como um movimento de releitura poética da tradição literária não só nacional. A seleção de poetas/poemas se estende desde Gregório a Carlito. De uns, gosto; de outros, nem um pouco. Esse é da série que é em parte homenagem em parte crítica malévola.

Tento com este poema traçar um perfil de poetas de que gosto seja pela escolha temática seja pelas opções formais. O p é poesia, portanto, p 1 poesia 1; p 2 poesia 2, p 3 poesia 3 e assim por diante.

Em p 1 as referências são os poetas de 22 ou que movem a sua tradição (bandeira explícito, nélson cavaquinho (ver a indiferenciação entre o compositor e o poeta). cabral (tecendo a manhã) e gullar (entre o ser e não ser da poesia) as referências se ligam ao não jorrar das emoções, que se ligam controversamente à matéria bruta. Deixo o bem amado oswald para as piadas, que se abrem no movimento dois para descontruir o algo meio contraverso do p 1.

Em p 2 a mirada foi a descontrução de oswald. A piada do carro e sua ligação com são paulo-dória o apagador dos traços memorialísticos das vanguardas paulistas (grafite e pichação), que fazem link com o nelson cavaquinho do poema 1. A piada como valor crítico.

Em p 3 murilo e drummond são os poetas citados (bandeira passa de leve no decúbito dorsal do tragédia brasileira) murilo na idade do serrote fala de uma paixão por uma mar de espanhola que transforma na prostituta drummondiana nos versos seguintes (o link com bandeira entra aqui) e desvia para a modernidade das luas e conhaques que botam a gente comovido como o diabo, invertendo o sentido de que são os conhaques que se comovem. Matéria bruta e o não jorrar de emoções.

Em p 4 a crítica malévola com os do mimeógrafo e sua curadora heloisa. Crítica que é pertinente se dela salvamos o paradoxo inicial não jorrar/matéria bruta, porque, após a venda dos carros bebedores, cai-se no extremo oposto da má poesia praticada pelos yuppies dos anos 90/2000, que é tema do último poema e a quem sinceramente penso em mandar à puta que os pariu.

Não sei se o leitor vai penetrar em todas as referências, mas a construção malévola pode dar o tom de que necessito no grupo de poemas do desimitação e por si só criar a impressão de que há alguma coisa da poética da resistência ao midiático, lugar específico no qual o poético deve se dar.


(oswaldo martins)

desimitação histórica pra boi dormir

para o andré capilé

p 1

do rudimentar trabalho
noitadas no belvedere da matéria bruta
uma pinga pernada a vagar
como bandeira do verso exato
simples como um cavaquinho tecendo
as manhãs onde explode um galo
ou o gato que não há onde havia
um não jorrar de emoções
controversas

p 2

se juntar um s ao p antes do 2
não seria um carro
esquecido na memória
da cidade escarnecida
pelo cruento e sem traços
apagar de sua história

p 3

te guiaram para fora da cidade
dançavam
as bailarinas mar-de-espanholas
dubitavam em decúbito dorsal
mancavam as coxas
e as marcas da varicela
comoviam até os conhaques
mais vagabundos

p 4

o poema como piada
uma piada que nos bastou
para encher o tanque
em 1970 e tal
quando a gasolina
se racionou
e os papais venderam
marvericks e landaus

p 5

depois mandaram a puta que o pariu
a piada e se tornaram poetas
do neoparnaso brasileiro


(oswaldo martins)