quinta-feira, 27 de junho de 2013

antiode para ipanema et caterva

dizem poesia
quando o sol se põe nas areias de ipanema
quando as moças passeiam nas areias das ipanemas leblons copacabanas

dizem poesia
quando as mil e uma invenções dos poetas das ipanemas leblons copacabanas elegem-se ao abrigo das barracas bonitinhas das palavras e as douram ao  sol e o aplaudem atônitos desta beleza fugaz

dizem poesia
quando passeiam e se encantam, coitados, com o espetáculo provinciano de montanha e mar e de uns para outros sorriem e colecionam autógrafos e afagos para a posteridade

dizem poesia
quando se romantizam
quando sucumbem de afasia
quando se vestem senhores poetas
quando sucumbem sob o olhar das bem amadas
quando sucumbem ao ai jesus aos credos variados das musas

dizem poesia
e esquecem de mandela
e como se falassem cowboys dos botecos de esquina
usam no coldre os poemas do sr. erza pound et ali
usam no coldre a cultura do ouvir dizer e as balas e o mastim

dizem poesia
e esquecem das mandelas dos jacarés das vila-cruzeiros
e como se falassem da gruta alheia no máximo se embelezam com as belezas das belezas de elza soares, quando canta, voz de nós, que o haiti é aqui e não nas salas apalacetadas da poesia de classe média e provincial
da poesia pedro bial
da poesia pedro chacal
da poesia pedro cabral
da poesia au au au

dizem poesia
e esquecem as praças impudicas da república esburacada
as praças impudicas da república no mato e só aplaudem a polícia
quando o mastim está adornado do exotismo dona marta do exotismo vidigal  do exotismo salve salve das rocinhas do exotismo da domesticação a ponto de bala e cavalaria a ponto de bala e dança que vê que o filho –  que não foge à luta – anda nos cárceres da república

dizem poesia
e cantam na praça contra o voto popular disfarçados de pequenos rufiões da beleza

dizem poesia
e cantam na praça contra os micro vestidos do funk como cantaram contra as umbigadas de antanho para que a mordida das sublimes cachorras não lhes arranque do lugar sossego em que se encostaram

dizem poesia
e são o encosto do vago sentimento do alto risível da grande poesia

dizem poesia
e são o escombro da cidade

dizem poesia
e beijam o pé da musa citadina de ipanema  et caterva
poetas de si mesmos e de seus asseclas que fazem propaganda competente e vendem a cidade para o uso de ninguém


(oswaldo martins)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Os quatro grandes do samba e a poesia

Lembro-me de quando comecei a me deslumbrar com o samba, perto dos meus quatorze anos. Acho que o primeiro samba que ouvi foi um do João Nogueira, de cujo nome não me lembro. Depois vieram o Paulinho da Viola, Elton Medeiros. Mas acabei me deslumbrando mesmo foi com um disco que reunia quatro compositores da pesada. Candeia, Elton Medeiros, o inacreditável Nelson Cavaquinho e o deslumbrante Guilherme de Brito e Dona Yvonne Lara, cuja voz me espanta até hoje Chamava-se Os Quatro Grande do Samba. Arrepiava-me e me arrepio até hoje com Notícia.

Iniciava-me nos aprendizados da vida e das paixões adolescentes e aquela voz roufenha, os conselhos dos cabelos brancos me tocaram de uma maneira tão intensa que até hoje, quando os cabelos brancos são os meus também, não consigo ouvir o clássico de Nelson, sem deixar de me emocionar e muito. Os versos pungentes que revelam as derrotas e lidar com elas demonstram-se numa magia poética que todo poeta deveria observar. O deslocamento do drama para o cigarro é como entendo a poesia, ou seja, a poesia nunca fala de seu assunto, mas o desloca, cria outro polo que na verdade ilumina todo o aspecto semântico do que se quer escrever. São magistrais os versos abaixo para ilustrar o que venho observando neste pequeno comentário.

Guardei
até onde eu pude guardar
o cigarro deixado em meu quarto
é a marca que fumas
confessa a verdade

Já nessa época havia me concebido como poeta e buscava na leitura das coisas simples e nos poemas de minha predileção aprender as possibilidades do ofício. Contei também com o olhar arguto de meu pai, quando me indicava a necessidade de paciência para me formar e assim pude não me iludir com a síndrome de Rimbaud, que ataca de forma quase absoluta todo jovem autor.


(oswaldo martins)

Piscares

Piscares

1. Pérolas de cristal
reflexos despedaçados
de anêmona –
fogos de artifício
abrem-se em colar
sobre o sol fixo



2. em quantas pétalas
    se desfolharia o coração
    de quem vê
    o teu vestido-ameixa,
    e segura na mão
    a fruta que contém?


3. damos a mão –
atravessar a rua
de seixos nítidos
de formigueiro,
até a sombra
do teu chapéu violeta


4. sob o céu furta-cor
    globos luminosos parados
    sua sapatilha amassa
    a grama,
    é tarde da memória –
    sinos dão cinco horas



1981


João Camillo Penna

terça-feira, 25 de junho de 2013

Africanas 9


Carta de Soweto 2

Finalmente, o governo não pensa em falar com os próprios estudantes militantes que ainda estão efetivamente na liderança, às vezes impedindo os pais de ir trabalhar (duas greves bem-sucedidas em Johannesburgo). Diariamente e com determinação, eles despejam nas sarjetas as bebidas de bares clandestinos às quais consideram que seus pais há muito se entregaram por estarem acovardados.

Enquanto isso, desde junho, 926 colegiais negros receberam punições que vão de multas ou penas e suspensão a detenção (cinco anos para um menino de dezessete anos) e varadas (cinco golpes com uma vara leve para um menino de onze anos que fez a saudação do Black Power, gritou contra a polícia e apedrejou um ônibus). São algumas das 4.200 pessoas acusadas de delitos provenientes dos tumultos, inclusive incitamento ao crime, incêndio criminosos, violência pública e sabotagem. Muitos estudantes estão também entre as 697 pessoas, inclusive a sra. Winnie mandela, detidas por “razões de segurança”; outro dia, um sujeito se enforcou com a camisa na prisão de Johannesburgo, um antigo forte a dois quilômetros da casa suburbana branca onde escrevo esse texto.


(Nadine Gordimer – Carta de Soweto in Tempos de reflexão) 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nadine Gordimer

Quando crianças em greve enfrentaram a polícia nas ruas de terra de Soweto naquela manhã de uma quarta-feira de junho, atirando pedras que logo atraíam balas em resposta, quem teria acreditado que a terrível lição do poder branco não seria aprendida? A lição para essas crianças não era grátis, assim como não eram seus livros da escola (as crianças brancas recebem os seus de graça); elas pagavam com a vida curta de alguns participantes de seu grupo. Ninguém poderia imaginar que elas se apresentariam de novo, meninas adolescentes bamboleando-se em suas roupas de ginástica, os rapazes de jeans, meninos pequenos descalços com as camisas saindo para fora das calças, como uma louca brincadeira de soldado e ladrão – para uma polícia que tinha deixado claro que dispararia balas de verdade. Mas as crianças se apresentaram. Mais de uma vez. Elas tinham aprendido uma lição inteiramente diferente: tinham aprendido o destemor.


(Nadine Gordimer – Cara de Soweto in Tempos de reflexão)

Nadine Gordimer

O cordão colonial é cortado, bem cedo e para sempre, para a literatura sul-africana, porque o romance de Plomer não avalia a África em relação ao homem branco, mas o homem branco em relação à África. Com ele nasce uma nova consciência literária: a de que nenhum escritor pode ir fundo na vida ao seu redor evitando algum tipo de resposta. A obra de Laurens van der Post, In a Province, está alerta ao problema, interessada antes pelos modernos africanos em conflito com valores impostos pelos brancos que por africanos servindo de acessórios cênicos exóticos na história do homem branco.

(Nadine Gordimer – A literatura de Língua Inglesa e a Política na África do Sul in Tempos de refelxão)

sábado, 22 de junho de 2013

Aby Warburg, uma curta notícia

Um arguto estrangeiro já disse que partilhamos de uma terra onde o impossível é possível. Embora soubesse que o impossível de que falava raramente fosse de qualidade, o extraordinário estava em que também pudesse sê-lo. É o que agora se verifica com a tradução do livro excepcional de Aby Warburg (1866-1929), originalmente editado em 1932, "Die Erneuerung der heidnischen Antike" ("A Renovação da Antiguidade Pagã"). Até o fim do século XX, autor e livro estiveram circundados por um halo de mistério. O choque entre o que Warburg vislumbrava e a obra dos que seriam seus continuadores é tamanha que Didi-Huberman o chama de "pai fantasmal da iconologia".

Embora apoiado por colaboradores constantes (Fritz Saxl e Raymond Klibansky), embora lembrado com emoção no discurso de exéquias de Ernst Cassirer, a recordar o decisivo que fora para a composição de "A Filosofia das Formas Simbólicas" (três volumes, 1923-29) frequentar a biblioteca de Warburg, ainda em Hamburgo, embora o também historiador da arte, participante da organização da biblioteca transplantada para Londres Ernst Gombrich tenha escrito, já em 1970, sua biografia, embora, seu nome permanecia no limbo da memória remota.

Não sei explicar como se dá seu redescobrimento. Sei apenas que, a partir da reedição alemã de 1998, não só sua "Erneuerung" como ensaios menores, apontamentos tumultuados, a correspondência com seu psiquiatra, Ludwig Binswanger, a descrição do "ritual da serpente" entre os remanescentes dos índios pueblos, por ele próprio testemunhado no Novo México, entre 1895 e 1896, cujas fotos lhe serviram, em abril de 1923, para mostrar a seu médico que estava "curado", se tornaram quase simultaneamente acessíveis em traduções americana, espanhola, italiana. Se parece que os editores franceses optaram por verter apenas a parte mais acabada da "Erneuerung", reunida nos "Essais Florentins" (1990), em troca é do crítico de arte francês Didi-Huberman o ensaio mais empolgante a respeito do autor.

Na enumeração das línguas em que obras suas estão traduzidas, teria esquecido o português?! Não, não houve esquecimento. Só há poucos meses a falha foi sanada. Vale perguntar: por que houve a falta e como veio a ser vencida? Apresentam-se as razões lado a lado. A "Renovação" esteve entre nós desconhecida porque, a partir de nossa sabida pequena margem de leitores, se vem estabelecendo uma política editorial consistente em deixar os livros "sérios" para as editoras universitárias, ao passo que as editoras privadas se afincam em obras e gêneros de que podem esperar grande circulação. Não se alegaria que essa é uma inevitável decorrência da globalização neoliberal?

O conhecimento empírico do mercado editorial do Ocidente não confirma a hipótese, pois mostra em operação dois sistemas opostos. Há por certo o americano, secundado pelo inglês. Nesse, ainda que haja editoras privadas de prestígio e que editem obras de qualidade, são as universitárias que ganham de longe a palma. Nenhuma editora americana tem uma série como a Cambridge Companion; em troca, a extensão do leque editorial americano não encontra paralelo. Mas esse não é o único sistema. O inverso sucede na Alemanha, na França, na Itália e na Espanha, sem que se escute dizer que a Suhrkamp, a Gallimard, a Mondadori, a Seix Barral - escolho os nomes ao acaso - apresentam sinais de crise ou de mudança de critério na escolha de seus títulos.

É certo que, como mostram os sociólogos Dardot e Laval, em "La Nouvelle Raison du Monde" (2009), enganam-se os que pensam o neoliberalismo hoje em vigor como continuação da plataforma liberal, anterior à Primeira Guerra ou ao keynesianismo. O sistema a que estamos sujeitos se distingue por tomar os governos como respaldo das empresas, muito além dos mitos do alijamento do Estado ou do mercado livre, bem como pela busca de criar outro tipo de cidadão, chamado pelos autores de "indivíduo-empresa"; em vez da cooperação, nele domina o espírito de competição.

É a respeito pertinente observação feita há pouco, em tese de livre-docência, na USP, pelo professor Hélio Guimarães. Levantava ele, de passagem, a seguinte pergunta: estando acostumados a nos pensar como pertencentes a um país de segunda classe, que reação (choque ou espanto) intelectual nos aguarda se for verdade que nos incorporamos ao bloco economicamente forte do Ocidente? Ao que parece, nossa recente política editorial ignora a questão, como se o domínio do "economês" bastasse para uma nação se manter em destaque no mundo.

Venhamos ao segundo aspecto: como se explica que agora Warburg esteja traduzido e, ademais, surja em conjunto com dois de seus mais conceituados intérpretes franceses, Georges Didi-Huberman, com "A Imagem Sobrevivente", e Philippe-Alain Michaud, com "Aby Warburg e a Imagem em Movimento" (ambos de 2002)? Saber que as três obras foram lançadas por uma editora de porte mediano criaria uma enigma, se não fôssemos informados que a Contraponto foi subsidiada pela Fundação Roberto Marinho e pela Vale do Rio Doce. Ante a informação, poderá o leitor reagir de dois modos: ou ela lhe dará algum alívio - afinal, obras não destinadas ao grande público não precisam passar por editoras com dificuldade de difusão - ou aumentará seu desânimo: não será frequente que fundações e empresas abram suas bolsas em favor de produções pouco lucrativas.

Conto com a compreensão do leitor em haver escrito essa notícia, sem praticamente abordar a razão da importância intelectual conferida a Warburg. Vi-me obrigado a fazê-lo para abreviar o desconhecimento do autor. Contra esse desconhecimento, ainda acrescento uma pequena nota biográfica.

Aby Warburg era o primogênito de uma família de banqueiros de Hamburgo que, ao completar 13 anos, estabeleceu um acordo com seu irmão mais novo: cedia seus direitos quanto aos negócios da empresa familiar, em troca de receber por toda a vida cobertura para a compra dos livros que lhe interessassem. O contrato pareceria desarrazoado se não soubéssemos que a ambição de Aby era constituir uma biblioteca, composta por obras e disposta de tal maneira que lhe permitisse o acesso ao material que, desde a adolescência, ambicionava conhecer.

Em que consistiria esse acervo? Podemos supor, por sua obra principal, que dizia sobretudo respeito ao renascimento. Mas o testemunho já lembrado de Cassirer nos faz ainda saber que não seria tão só uma biblioteca para renascentistas. Pelo cumprimento do acordo, a biblioteca cresce de maneira espantosa. Dois fatos, contudo, interrompem a linha reta com que a biografia de Warburg vinha sendo traçada. Primeiro, no fim da Primeira Guerra, ele sofre um colapso nervoso que o leva a permanecer internado durante quatro anos na clínica psiquiátrica dirigida por Binswanger. Em carta a Freud, Binswanger mostrava a tristeza de saber irremediavelmente perdido o talento de seu paciente. Por sorte dos pósteros, Binswanger se enganava e a conferência que Warburg realiza com o material que colhera em sua viagem ao Novo México mostraria sua "cura".

Morrendo relativamente jovem, Aby Warburg foi poupado de sofrer a ascensão de Hitler. É graças ao empenho de Klibansky e Saxl que a biblioteca é transposta em tempo para Londres, onde, em 1940, será incorporada ao acervo da London University.

Para dar essas informações tive de me limitar ao que ressalta em "A Renovação" em mínimas frases. Restrinjo-me a atentar para o conceito com que Warburg destaca o que é próprio à imagem: o conceito de "Pathosformeln" - "fórmulas de pathos", como bem escreve o tradutor Markus Hediger. Tais fórmulas acumulam estados-instantes não só momentâneos, mas conflitivos; sua instabilidade combina-se à dinamicidade concretizada em figurações pictóricas e verbais. Na formulação precisa de Alain-Michaud, a imagem é um "fóssil em movimento", isto é, contém uma compactação de tempos que a tornam incompatível com a sucessividade do tempo histórico. Daí o descompasso entre os campos em que domina a imagem e a mera indagação histórica. Só a partir daí quanta coisa já terá de ser repensada?


(Luiz Costa Lima)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Dos estádios e do futebol

Dos estádios e do futebol
Para Roberto Bozzetti

O futebol, no Brasil, foi trazido por uma elite preconceituosa e reacionária. É lugar comum até dizer os negros e mulatos tinham de usar o pó-de-arroz para atuar nas equipes que se formavam. Quando O Vasco da Gama e, se não me engano, o Bangu expuseram a cor de seus maravilhosos jogadores, foram retirados da Liga do estado. Após a vitória da revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, o esporte cada vez mais se popularizou, virando mania nacional. Nos anos cinquenta construiu-se o Maracanã, com suas arquibancadas e gerais. O Brasil tornou-se, a partir de então, o país em que o futebol conquistou os atletas mais intensos e uma torcida apaixonada.

As diversas mudanças sociais que movimentaram o país neste período – que vai de 30 a 50 – representaram algumas mudanças importantes na identidade do país. As vaias, assistidas pelo Maracanã, levaram o maior cronista brasileiro a afirmar, em seu estilo provocador e consistente, que no velho estádio vaiava-se até o minuto de silêncio. Após a glória do povo que o frequentou o Maraca era a pátria de todos – a frase de que o Maraca é nosso retumba ainda no ouvido de alguns desavisados. O Maraca não é mais nosso. Pertence aos órgãos que querem ver novamente os estádios elitizados. Por isso o privatizam, por isso permitem que a Fifa – essa excrecência do esporte mundial – interfira no modo como se comporta a população que frequentaria o estádio – os arquibaldos e geraldinos – pedindo que os cadeirantes sociais da elite contenham-se nos protestos e nos sonoros palavrões com que as pessoas do povo ou não desopilavam o fígado ao xingar quantos se interpusessem entre a bola e a fome e a fome de bola.

Não só os estádios branquearam, mas a selecinha, como diz o Bozzetti, também assume cada vez mais o pobre embranquecimento de seus atletas, que deixaram de ser intensos, que deixaram de ser sublimes, mesmo que ainda em lampejo do que foram os europeus Neymares Juniores da Silva consigam mostrarem-se como o que não mais são.  Como a torcida vê minguarem seus direitos a uma aposentadoria digna, como vê suas indústrias serem sucateadas para que as mãos dos Blateres do sempre espírito europeu – um espírito de saque e vandalismo, de usurpação e extermínio – se apropriem de nossa dignidade, que é expressa pelo sonoro puta que o pariu que é para onde os mando agora.


(oswaldo martins)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Poesia in Instinto de Nacionalidade

A Poesia

A ação da crítica seria sobretudo eficaz em relação à poesia. Dos poetas que apareceram no decênio de 1850 a 1860, uns levou-os a morte ainda na flor dos anos, como Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, cujos nomes excitam na nossa mocidade legítimo e sincero entusiasmo, e bem assim outros de não menor porte. Os que sobreviveram calaram as liras; e se uns voltaram as suas atenções para outro gênero literário, como Bernardo Guimarães, outros vivem dos louros colhidos, se é que não preparam obras de maior tomo, como se diz de Varela, poeta que já pertence ao decênio de 1860 a 1870. Neste último prazo outras vocações apareceram e numerosas, e basta citar um Crespo, um Serra, um Trajano, um Gentil-Homem de Almeida Braga, um Castro Alves, um Luís Guimarães, um Rosendo Moniz, um Carlos Ferreira, um Lúcio de Mendonça, e tantos mais, para mostrar que a poesia contemporânea pode dar muita coisa; se algum destes, como Castro Alves, pertence à eternidade, seus versos podem servir e servem de incentivo às vocações nascentes.

Competindo-me dizer o que acho da atual poesia, atenho-me só aos poetas de recentíssima data, melhor direi a uma escola agora dominante, cujos defeitos me parecem graves, cujos dotes — valiosos, e que poderá dar muito de si, no caso de adotar a necessária emenda.

Não faltam à nossa atual poesia fogo nem estro. Os versos publicados são geralmente ardentes e trazem o cunho da inspiração. Não insisto na cor local; como acima disse, todas as formas a revelam com mais ou menos brilhante resultado; bastando-me citar neste caso as outras duas recentes obras, as Miniaturas de Gonçalves Crespo e os Quadros de J. Serra, versos estremados dos defeitos que vou assinalar. Acrescentarei que também não falta à poesia atual o sentimento da harmonia exterior. Que precisa ela então? Em que peca a geração presente? Falta-lhe um pouco mais de correção e gosto; peca na intrepidez às vezes da expressão, na impropriedade das imagens na obscuridade do pensamento. A imaginação, que há deveras, não raro desvaira e se perde, chegando à obscuridade, à hipérbole, quando apenas buscava a novidade e a grandeza. Isto na alta poesia lírica, — na ode, diria eu, se ainda subsistisse a antiga poética; na poesia íntima e elegíaca encontram-se os mesmos defeitos, e mais um amaneirado no dizer e no sentir, o que tudo mostra na poesia contemporânea grave doença, que é força combater.

Bem sei que as cenas majestosas da natureza americana exigem do poeta imagens e expressões adequadas. O condor que rompe dos Andes, o pampeiro que varre os campos do Sul, os grandes rios, a mata virgem com todas as suas magnificências de vegetação, — não há dúvida que são painéis que desafiam o estro, mas, por isso mesmo que são grandes, devem ser trazidos com oportunidade e expressos com simplicidade. Ambas essas condições faltam à poesia contemporânea, e não é que escasseiem modelos, que aí estão, para só citar três nomes, os versos de Bernardo Guimarães, Varela e Álvares de Azevedo. Um único exemplo bastará para mostrar que a oportunidade e a simplicidade são cabais para reproduzir uma grande imagem ou exprimir uma grande idéia. N'Os Timbiras, há uma passagem em que o velho Ogib ouve censurarem-lhe o filho, porque se afasta dos outros guerreiros e vive só. A fala do ancião começa com estes primorosos versos:

São torpes os anuns, que em bandos folgam,
São maus os caititus que em varas pascem:
Somente o sabiá geme sozinho,
E sozinho o condor aos céus remonta.

Nada mais oportuno nem mais singelo do que isto. A escola a que aludo não exprimiria a idéia com tão simples meios, e faria mal, porque o sublime é simples. Fora para desejar que ela versasse e meditasse longamente estes e outros modelos que a literatura brasileira lhe oferece. Certo, não lhe falta, como disse, imaginação; mas esta tem suas regras, o estro leis, e se há casos em que eles rompem as leis e as regras, é porque as fazem novas, é porque se chamam Shakespeare, Dante, Goethe, Camões.

Indiquei os traços gerais. Há alguns defeitos peculiares a alguns livros, como por exemplo, a antítese, creio que por imitação de Vítor Hugo. Nem por isso acho menos condenável o abuso de uma figura que, se nas mãos do grande poeta produz grandes efeitos, não pode constituir objeto de imitação, nem sobretudo elementos de escola.


Há também uma parte da poesia que, justamente preocupada com a cor local, cai muitas vezes numa funesta ilusão. Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toques, e que estes sejam naturais, não de acarreto. Os defeitos que resumidamente aponto não os tenho por incorrigíveis; a crítica os emendaria; na falta dela, o tempo se incumbirá de trazer às vocações as melhores leis. Com as boas qualidades que cada um pode reconhecer na recente escola de que falo, basta a ação do tempo, e se entretanto aparecesse uma grande vocação poética, que se fizesse reformadora, é fora de dúvida que os bons elementos entrariam em melhor caminho, e à poesia nacional restariam as tradições do período romântico.

(Machado de Assis)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Poema para duas moças




Frida by

Senegalese
photographer
Omar Viktor Diop
shot in Abidjan.



Poema para duas moças

as moças sentadas trazem bandanas
em abidjan,  costa do marfim, panos
para desflorir a beleza

aqui a arte se transluz em arte-luz
espocam os flashes do sol no rosto
rostos de desenhos mais

poder-se dizê-los anteriores a luz
na mão de omar viktor diop
a foto deixa de ser

no que do além arte o além ser
que se faz do compósito rostos
de das belezas refloridas

(oswaldo martins)


Prazer dos Plátanos

1
Sei que vocês me olham
para ver como estou passando
Também vejo vocês
nessa mutação
colorida
à espera,
da próxima estação.

2
Plátanos, plátanos
repito o nome
para trazê-los de volta
já os ouço próximos
no rumor
do Parque.
“Estamos aqui
murmurando na noite
enquanto você chega.”
Amanhã os verei de novo
folhas
 eternamente suspensas


Luiz Fernando Medeiros, jun 2013

Africanas 8


terça-feira, 18 de junho de 2013

ridente

para Cibele Fernandes e Cesar Cardoso

a minha amada  não cuida de mim
quando bebo,
diz que eu não passo de um bêbado
quando acendo um charuto
maldiz-me um enfisema

tenho outra amada
que bebe quando bebo
e fuma quando fumo
e ri muito comigo!


(elesbão ribeiro)

Ricardo Boechat de um jeito que você nunca viu

minissaia

riso de coxas as curvas do caminho
o anjo azul bordado em fios de rua
uma mulher de riscos frenesi e cor

rizomas soltos gargalham a festa
do levante come a can-can perna
o olho de um deus fodido e pleno

os corpos sob a luz de atalanta
emergem da ordem das vestes
desfiadas e índios velhos põem

do pajé em pé a borduna
e o talho vermelho das
moças em despudor

(oswaldo martins)

Culinária


cortei dedos de moça
guardei com azeite
em frasco de pimenta

amassei pimenta de cheiro

em  virilha de moça
guardei em caixinha de rapé.

domingo, 16 de junho de 2013

Escritos 5

5
promessas de céu perto cada vez mais perto numa armadilha o rato olhando a ratoeira olhando o rato não sei como meus dedos nos seus dedos não detectam um corpo estranho única mão inevitável com o paraíso.


1995

(Letícia Tandeta)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Lançamento do livro Outra - poesia reunida no sarau de Manguinhos

Puta que o pariu

Agora essa: Puta que o pariu! Defenestrar da tv brasileira os programas que foram criados por Fernando Faro, passá-los a arquivo morto, quando era uma das poucas coisas vivas da tv brasileira é de uma crueldade e de uma baixeza com o país comparável apenas com a política do bota-abaixo que nossos indigníssimos administradores fazem  no cotidiano das cidades. Desde sempre, aliás.

Quando saímos às ruas recebemos o simpático apodo de vândalos, quando na verdade a incúria, a falta de cultura, sabedoria e conhecimento pertence ao vandalismo administrativo praticado no Brasil e à destruição com que tratam sua cultura, suas tradições populares. Eu me pergunto se tais senhores algum dia leram um livro, que não fosse de autoajuda. Se se preocuparam de fato em manter vivas as formulações adquiridas pelos nossos quinhentos anos de história.

Tenho a percepção, contrária aos ilustrados ou ilustríssimos, de que a modernidade dos arrasa-quarteirões é indigna de nossos cidadãos. Acabar com o samba, ou domesticá-lo; acabar com o pagode, ou domesticá-lo; acabar com o funk, o rap, para domesticá-los e torná-los palatáveis aos ouvidos burgueses da classe média que fica doidinha (como diria o Dominguinhos, que junto com o Gonzagão sabe das coisas) para balançar o corpo ao som inquebrantável da invenção popular é um crime tão grande e de um maquiavelismo tão assanhado e apressado que permite dizer que o fim de um programa da importância dos que são dirigidos por Fernando Faro faz parte desta orquestração tacanha que terminará por acabar com o próprio país e com suas mais legítimas manifestações.

Puta que pariu!


(oswaldo martins)

cravos vermelhos

as flores de plástico são os umbigos
da inocência não alimentam porcos
servem à higiene aos lavatórios pios
ao nojo das garotas e garotos ocos

flores de plástico não servem viram
moradas do pó e nenhum mosquito
se cria ali florescem sem sol ou sal
as solitárias da máxima romântica

preferem os ademanes das rosas
a boa educação satisfeita da pança
cheia o champanhe os clichês semi
eruditos da inteligência nas ancas

as flores de plástico são o cogumelo
da prudência a rua deserta as casas
bunker de aço e nenhum estilhaço
tão sensíveis coitadas se horrorizam

quando explodem nas ruas da cidade
os cravos rubros da vida e da guerra


(oswaldo martins)

Línguas do Portugês 1 - Timor Lorosa'e

tétum (em tétum: tetun), também conhecido por teto, é a língua oficial de Timor Leste juntamente com o português desde 2002, quando o pais retomou sua independencia.

É uma língua austronésia com palavras derivadas do português e do malaio. É também falado em Timor Ocidental.

Começando pelo próprio nome do país, Timor Lorosa'e é o nome em tétum de Timor Leste. Lorosa'e significa nascer do sol ou 'leste'.



Português/Tétum:
                                

Bom dia - Bondia/Dader diak
Boa tarde - Botarde/Lorokraik diak
Boa noite - Bonoite/Kalan diak
Como estás? - Di'ak ka lae?
Estou bem - Ha'u di'ak
Obrigado - Obrigadu
Sabes falar tétum? - Ita bele ko'alia tetun?
Sim - Loos
Não - Lae
Compreendo - Ha'u comprende
Tenha um bom dia - Sorte diak ba loron ohin
Bom apetite - Han ho gostu
Como se diz...em tétum? - ... iha tetum dehan saida?
Repita pro favor - Favor ida bele repete fali
Adeus- Hau ba lai
Por favor - Favór ida
Com licença - kolisensa
Quanto custa isto? - Ida ne'e folin hira
Onde é a casa de banho?- Sintina iha ne'ebe?
Quer dançar comigo? - Ita hakarak dansa ho hau
Bom Natal - ksolok loron natal nian

Africanas 6


quarta-feira, 12 de junho de 2013

colchão

se passa o desdigo a abertura vastidão
passa o pano a costa como lanho nave
abrigo da q um só puxar de pontas aos
avos milimétricos passa o pano a piano

mudo o assombro do fósforo aviado
em pedrinhas quatro pensas de cada
lado o tilinteio da corda passa a aros
de bater tamboretes e tisque tisque

na parede imóvel o objeto desfralda
o passado pano a fios a medida crua
do exato somos q em tecla de zebra
ora branca ora preta na caixa rústica


do cordame

Escritos 4

4
um calor estou suada apertando a vida na parede branquinha com o material de limpeza os livros as pastas e os sacos de lixo com todo esse amontoado de coisas que não são apenas coisas de alguém num dia quente.
são azuis

a quem pertencem?


1995

(Letícia Tandeta)

Bricanagem 10

fraco arremedo ao prelúdio no. 9 do cravo bem temperado.

vejo o limbo desta proa
quase infinita
luz de mar bastante azul anil
forrado em acajus
de que a ponta de acari
sempre destoa
por conta desses nanquins
em festa de abricor
voltando a truta ao zero
pra quem se abriga em doce bote
fomenta e zurra no balanço

de puro anoitecer mais que enlevado

(Ricardo Tollendal)

sábado, 8 de junho de 2013

Curta-metragem - João Cabral de Melo Neto - O Curso do Poeta


                                            
A POESIA DE JOÃO CABRAL  
Moviola dia 10 de junho
Inscrições:
Rua das Laranjeiras
280 Lojas B e C
Tel: (21)2285 8339


Profs.: Alexandre Faraia e OswaldoMartins


O cão sem plumas

I. Paisagem do Capibaribe

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.


sexta-feira, 7 de junho de 2013

emblema

emblema

senão de vírgulas
exausto

compus camas
ponto exato

o corpo exara
o couro a pata

torta dos manés
de deus

terça-feira, 4 de junho de 2013

Vadinho Velhinho

E SÓ NESSE DIA OUTRO BORGES NÃO SERÁS

Nos teus deslumbrados olhos um tigre inteiramente doirado
E um outro inteiramente preto disputam os anjos

De Blake. Frios, esperam os espelhos que acordes
Para que te nomeiem. Já não sabe o labirinto

Nem o sul e as pampas ou o degolado templo
De Dagon o sabem — do antigo e secreto caminho

Que a teus olhos de volta conduz. A mão dita-te
O epitáfio e lê-te a rosa o esquecimento qu’inda luz.

O caixão, que por Genebra ninguém viu passar, cru
Levam-no Muraña e, reconciliados, os irmãos Iberra.

Um dia, quando do teu sono acordares, Georgie,
Banhada em êxtase e tango, terás defronte a ti, sob a Lua,

Um infame, um vil, a limpar-te na glande o resto do sêmen
Com uma navalha que a mais nenhuma mão obedecerá.

Vadinho Velhinho

Calheta de São Miguel, interior de Santiago Nascido (Cabo Verde), em 29 de maio de 1961.

Bricanagem 8


8
se fôssemos repor
a palavra coisa
no seu devido lugar
- já que tudo é coisa
gente inclusive -
o resultado seria a catástrofe
de matar a poesia
- função primordial de todas as coisas

qualquer palavra
é coisa que diz
e também seu contrário
- quem quiser que entenda tal coisa

(Ricardo Tollendal)

Escritos 3

3
tentando enganar meu sono naquele quartinho ínfimo e quente penso duas vezes como quero ir com quem é meu amor as duas vezes pensando são essas pessoas que são mexendo num saco de gatos que fiquem todos em paz miando pelos telhados.


1995

(Letícia Tandeta)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Pilulinha 33



Pilulinha 33

O fundamentalista relutante, de Mohsin Hamid, editado pela Alfaguara, em 2007, é um livro de combate. A partir de uma conversa entre dois personagens, descortina-se um cenário em que as vivências e motivações são confrontadas. A experiência de um paquistanês, que se defronta com o modelo de vida americano e dele quer fazer parte, é contraditada pela experiência real despertada pelo 11 de setembro.

Formado por Princeton e selecionado com louvor por uma firma americana de investigação econômica, o narrador busca confrontar o que seria uma vida de sucesso com suas raízes e com a atitude americana frente os conflitos que se avizinhavam no mundo, urdidos a partir do ataque árabe às torres gêmeas.

A decisão de abandonar o emprego e voltar para o Paquistão, abrindo mão das pretensas vantagens que o mundo do consumo americano traria, passa pela reflexão sobre as raízes a que pertence e descoloca o dilema sobre o sucesso em outro lugar. É este o lugar de onde se narra a experiência.

Como estratégia narrativa o fato de não permitir voz à voz com que dialoga desloca o sentido das verdades buscadas pelos dois interlocutores. Ao negar a voz do agente americano a quem explica suas decisões e sua postura política como professor de uma universidade no Paquistão, nega a possibilidade de se conheçam as designações com que os Estados Unidos demandam como ideário para um mundo pretensamente democrático. Ao silenciar a América do Norte, na voz de seu interlocutor, dá a ver de forma clara e contundente a impossibilidade de se ter no mundo árabe quaisquer formulações que os inculpem da percepção do que veio a ser classificado como terrorismo.

A única aceitação de terrorismo possível, para esta narrativa de combate, é que o lado oposto da trincheira se assuma como fomentador do assassínio. Na voz do narrador escuta-se “... o senhor não deve imaginar que todos nós, paquistaneses, somos terroristas em potencial, assim como não devemos imaginar que todos vocês, norte-americanos, são assassinos disfarçados”.

A cena que se segue e finaliza o romance apenas confirma a assertiva.

(oswaldo martins)








sábado, 1 de junho de 2013

teoria dez das partes do universo


teresina estado do piauí maria antônia
vinte e dois matou uma colega facadas
o peito a nuca da vítima maria de jesus
havia furtado uma galinha do terreiro

jurema roubou patroa para roubar-lhe
os vinte e dois anos e os quase vinte
do marido a vítima navalha na axila
de calcinha v-8 estava de olho aberto

jeane difícil souza água santa sumiu
sua mãe pede preces promete coças
o pai fala do cão pastor evoca deus
rua borja reis caçava ovelhas e piás

josé pracinha tombou as meninas
leilão de calcinhas quartel aliado
desforra desonra na paz do morro
no jacaré subúrbio rio de janeiro

(oswaldo martins)

Africanas 4