sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Diário de Manuel

II

Me sento à mesa do café. Está posta. Fumega um cheiro bom, acre. A mão busca o pão; sorvo o ar da manhã, sua limpidez. Ternura. Satisfação. Sem esforço, escuto as vozes da rua. O pegureiro irrompe na casa mobilada - acho graça. Irene.

__ Nhô?

Esmeralda foi como a boa Irene. Serviu-me e se foi. Era noite, passava lentamente pelo Bar do Ponto. Sob o paletó sentia a carne aquecida. Restava do dia tomar um café forte, fumar o último cigarro, respirar o cheiro da vida e recolher-me. Ouviria o convento bater as horas, já sob as cobertas.

__ Nhô?

A voz conhecida me fez lembrar Recife. Virei-me. Café. Para esconder a decepção dos dias perdidos, das pessoas mortas. Entretanto, era tão viva a expressão do rosto, tão clara a carne sorrindo, convidando-me, que a garganta secou, tremeram minhas pernas e o sexo obesidente cegou-me, despertando o instinto de penetração.

O pegureiro ainda gritava, cada vez mais distante – a voz clara apagava-se. A sala vazia tomava vulto. Lavar a louça. Tirar o pijama. Tomar banho. Por onde andaria Esmeralda.



(oswaldo martins)

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