domingo, 23 de fevereiro de 2020

Los Claustros / Os Claustros

LOS CLAUSTROS

Nuestros cazadores
– casi nuestros amigos –
nos han enseñado, sin equivocarse jamás,
los diferentes ritmos
que conducen al miedo.

Nos han amaestrado con sutileza.
Hablamos,
leemos y escribimos sobre la claridad.
Admiramos sus sombras
que aparecen de pronto.
Oímos
los sonidos de los cuernos
mezclados
con los ruidos suplicantes del océano.

Sin embargo
sabemos que somos los animales
con guirnaldas de horror en el cuerpo;
los cercenados a sangre fría; los que se han dormido
en un museo de cera
vigilado
por maniquíes de metal violento.

*
OS CLAUSTROS

Nossos caçadores
– quase nossos amigos –
nos ensinaram, sem que jamais se equivocassem,
os diferentes ritmos
que conduzem ao medo.

Fomos amestrados com sutileza.
Falamos,
lemos e escrevemos sobre a claridade.
Admiramos suas sombras
que logo aparecem.
Ouvimos
os sons dos chifres
mesclados
com os ruídos suplicantes do oceano.

No entanto,
sabemos que somos os animais
com grinaldas de horror no corpo;
os fatiados a sangue frio; os que dormiram
em um museu de cera
vigiado
por manequins de metal violento.

(ROBERTO SOSA – Tradução Floriano Martins)

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Desimitação de mim mesmo








desimitaçao de mim mesmo

a desimagem-canto
inventa no corpo
a miragem

terra sem vista
falange do torto 
cáften do outro

cuja obra-obra
uma é vai e vem
a outra frase-vista

do cantar de outrem

(oswaldo martins)







sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A SENHORA ORIANA A DULCINEIA DEL TOBOSO


SONETO

Oh, quem tivera, formosa Dulcineia,
Por mais comodidade e mais repouso,
A Miraflores posto em el Toboso,
E trocara seus Londres com tua aldeia!
Oh, quem de teus desejos e libré
Alma e corpo adornara e do famoso
Cavaleiro que fizeste venturoso
Mirara alguma desigual peleja!
Oh, quem tão castamente se escapara
Do Senhor Amadis como fizeste
Do comedido fidalgo Dom Quixote!
Que, assim, invejada fora e não invejara
E fora alegre o tempo que foi triste,
Gozara os prazeres sem limite.

Erza Pound

ON HIS OWN FACE IN A GLASS

O strange face there in the glass!
O ribald company, O saintly host,
O sorrow-swept my fool,
What answer? O ye myriad
That strive? and play and pass,
Jest, challenge, counterlie!
I? I? I?
And ye?

(Ezra Pound)

SOBRE SUA PRÓPRIA FACE NUM ESPELHO

Oh face estranha aí no espelho
Companheiro libertino, sagrado anfitrião,
Oh meu bufão varrido pela dor,
Que responder? Oh  vós miríade
Que labutais, brincais, passais,
Zombais, desafiais, vos contrapondo!
Eu? Eu? Eu?
 E vós?

(tradução de Mario Faustino)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Poesia de Curaçao

Lavadeira

Escorrendo
seu mundo
ela esfrega
seus danos
na velha tina metálica
e bailarina e mãe
impadora de sonhos
de algodão e trapos
Arqueada sobre sua tábua de lavar     
Canta sua nudez
a enxaguar suas angústias
Lavando-as com alegria.

(Winston Farrel)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

A rumos

A RUMOS

Sonhei que estávamos em revolto mar 
Sorrindo eu lecionava marinhagem
A navegantes calejados em 
Bonança ou turbante 
Por favor pedi que a  contramestra

Subisse aa  gávea a buscar por um norte
Um fio de labirinto, vento, estrela
Outra vela contraforte sinal de mais 
Quilha nova, onda alguma
Voz contra alvo castrorum 
 
(Cláudio Correia Leitão)

O tempo adiado - Ingeborg Bachmann

Vêm aí dias piores.
O tempo adiado até nova ordem
surge no horizonte.
Em breve deves amarrar os sapatos
e espantar os cães para os charcos.
Pois as vísceras dos peixes
esfriaram no vento.
A luz da anileira arde pobremente.
Teu olhar pressente a penumbra:
o tempo adiado até nova ordem
desponta no horizonte.

Do outro lado afunda tua amada na areia,
ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante,
ele corta-lhe a palavra,
ele ordena-lhe silêncio,
ele encontra-a mortal
e pronta para a despedida
depois de cada abraço.

Não olha para trás.
Amarra teus sapatos.
Espanta os cães.
Joga os peixes ao mar.
Anula a anileira!

Vêm aí dias piores.

(Ingeborg Bachmann - Tradução Claudia Cavalcanti)

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Poema chinês contemporâneo


黑色地圖

寒鴉終於拼湊成
﹕黑色地圖
我回來了——歸程
總是比迷途長
長於一生

帶上冬天的心
當泉水和蜜制藥丸
成了夜的話語
當記憶狂吠
彩虹在黑市出沒

父親生命之火如豆
我是他的回聲
為赴約轉過街角
舊日情人隱身風中
和信一起旋轉

北京﹐讓我
跟你所有燈光乾杯
讓我的白髮領路
穿過黑色地圖
如風暴領你起飛

我排隊排到那小窗
關上﹕哦明月
我回來了——重逢
總是比告別少
只少一次

 (Bei Dao)


Mapa negro

Ao cabo, corvos frios juntam
a noite: um mapa negro
voltei para casa – pelo caminho avesso
mais longo do que o errado
longo como a vida

traga o coração do inverno
quando a água mineral e as anfetaminas
tornam-se as palavras da noite
quando a memória late
um arco-íris assombra um mercado negro

meu pai, vida-faísca: mínima como um grão
sou seu eco
virando a esquina dos encontros
uma ex-amante esconde-se numa
lufada de cartas revoltas

Pequim, deixe-me erguer
um brinde às suas luzes
deixe que meu cabelo branco aponte
o caminho pelo mapa negro
como se uma tormenta a fizesse voar

espero na fila até que a pequena janela
se feche: Ó o brilho da lua
voltei para casa – reuniões
significam menos do que adeuses
ao menos

Tradução: Régis Bonvicino, com supervisão de Yao Feng

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ceguidade

a sintaxe arranha
pelos recém cortadas
arestas e fagulhas
no oco semântico
assestam contra o corpo
a cega ponteira
do tempo

(oswaldo martins)

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Porque nasci na antiga capital

meus sonhos são filhos de reis
que deixaram a cidade para trás
sem sustento e sem bondade,
poças em praças francesas, gestos
com sotaques
abatidos pelas guerras

interiores.

Em mim, nada fala uma língua
só, a deles engastada
nas ladeiras e musgos que encaminho
por carta, por vezes, porque sonho
ainda com eles, em encontrar
- e abandonar.

(Lúcia Leão)

Poesia de Porto Rico

"Brainstorming de noche de luna llena y aburrida"


Anoche,
todas las noches no son fáciles,
El insomnio,
la luna redonda que te mira...
las calles pululan gente...
tu cama vacía...
la vecina te mira a través de las rejas,
tú le devuelves la mirada desde la baranda.


Suspiro de mujer aburrida...
No se mueve ni una hoja,
tu cuerpo late,
tu mente pulsa como mono astronauta-
guineos, cocaína, cigarrillo, tequila, arroz.


Modorra de alrededores...
Celo vaginal.
ni el viento te toca...
no tienes baterías.,..
el vibrador está inconsciente.

*

“Brainstorning de noite de lua cheia e chata”

Ontem de noite,
todas as noites não são fáceis,
A insônia
a lua redonda que te mira...
as ruas em que a gente  pulula...

tua cama vazia...
a vizinha te olha através das grades,
tu devolves a mirada desde a varanda.

Suspiro de mulher entediada...
Não se move nenhuma folha,
teu corpo pulsa,
tua mente salta como mico astronauta...
guineus, cocaína, cigarro, tequila, arroz.

Modorra de subúrbios...
Ciúme vaginal
nem o vento te toca...
não carregas baterias...
o vibrador está inconsciente.

(AWILDA CASTRO. Tradução Antônio Miranda)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Uma carta de Baudelaire


A Arsène Houssaye

Meu caro amigo, estou-lhe enviando um pequeno trabalho que não se poderia dizer, sem injustiça, que não tenha pé nem cabeça, pois, ao contrário, tudo o que ele tem é, ao mesmo tempo, cabeça e pé, alternada e reciprocamente.

Considere, eu lhe peço, que admiráveis comodidades essa combinação nos oferece a todos, a você, a mim e ao leitor. Nós podemos interromper onde quisermos, eu os meus devaneios, você o manuscrito e o leitor sua leitura; porque eu não impeço a vontade contestadora de cada um no curso interminável de uma intriga superfina. Tire uma vértebra da coluna e as duas porções dessa fantasia tortuosa se reunirão sem dificuldade. Parta-a em numerosos fragmentos e você verá que cada um pode existir isoladamente. Na esperança de que alguns desses pedaços serão os mais vivos para agradá-lo ou distraí-lo, eu ouso dedicar-lhe a serpente inteira.

Tenho uma pequena confissão a fazer. É que folheando pela vigésima vez ao menos o "Gaspar da Noite" de Aloysius Bertrand (um livro conhecido de você, de mim e de alguns de nossos amigos, não tem todos os direitos de ser chamado de famoso?) que me veio a idéia de tentar qualquer coisa análoga e aplicar à descrição da vida moderna, ou melhor, de uma vida moderna mais abstrata, o processo que ele aplicou à pintura da vida antiga, tão estranhamente pitoresca.

Qual de nós que, em seus dias de ambição, não sonhou o milagre de uma prosa poética, musical, sem ritmo e sem rimas, tão macia e maleável para se adaptar aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência.

É, sobretudo, da frequentação das enormes cidade e do crescimento de suas inumeráveis relações que nasce esse ideal obsessivo. Você mesmo, meu caro amigo, não tentou traduzir em uma canção o grito estridente do Vidraceiro e exprimir em uma prosa lírica todas as sugestões desoladas que esse grito envia às mansardas, através das mais altas brumas das ruas?

Mas, para dizer a verdade, eu temo que meu ciúme não me tenha trazido felicidade. Logo no começo do trabalho, eu me apercebi que não somente eu ficava bem longe de meu misterioso e brilhante modelo, mas também que fazia alguma coisa (se isso pode ser chamada de alguma coisa) de singularmente diferente, acidente de que qualquer outro se orgulharia, sem dúvida, mas que não pode senão humilhar profundamente um espírito que olha como a maior honra do poeta realizar exatamente o que projetou fazer.

Seu muito afeiçoado,

C. B.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Isshaq Ismail.




Poesia mexicana Marianne Toussaint

EL ACOSO DE LA SOMBRA

Encendí velas
invoqué la tribulación de su cuerpo
me volví la penumbra roja de los pasillos.
Desde su muerte soy un venado que presagia
el acoso de la sombra.

*

O ACOSSO DA SOMBRA

Acendi velas
invoquei a tribulação do corpo
tornei-me penumbra rubra dos corredores.
Desde sua morte sou um cervo que pressagia
o acosso da sombra.

(MARIANNE TOUSSAINT – trad. ANTÔNIO MIRANDA)

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Poesia paraguaia

Ñati’ü

Ha añe’ëtarö peëme ko árape che retäre,
añe’ëta peteï ñati’üre,
peteï ñati’umi
ipu’akapáva hína
ipaha ñangarekoräre,
ipaha ára pytu oïmívarehe,
opytáva ko yvy tujápe
okuera’ÿhápe akänundu tuja.

*

Y si tuviera que hablarles hoy de mi país,
les hablaría de un mosquito,
un ñati’ü
que está haciendo estragos
en las últimas defensas,
las últimas hilachas de aire,
que quedan en este viejo territorio
de viejas incuradas fiebres.

**

E se tivesse que falar hoje de meu país,
falaria de um mosquito,
um ñati’ü
que está fazendo estrago
nas últimas defesas,
nos últimos fiapos de ar,
que restam neste velho território
de velhas malcuradas febres.

(Susy Delgado. Tradução Antônio Miranda)