quarta-feira, 30 de maio de 2012

Francisco Alves - Palpite (Noel Rosa)

Pensante


No mercadinho da Zona da Mata, o pensante fala a dois trabalhadores da casa, que atentam:
- 'Cês fala que esse papel hingiênico é pra limpar o coiso, mas num limpa: espaia. O que alimpa mes' é água e sabão.
Virou as costas e saiu indignado sem levar o pacote de rolos caros alvos.

Cláudio Correia Leitão

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Flagelo da putas


Ah, as histórias do Doutor sempre me deliciaram, você sabe. Por isso o visitava muitas vezes em seu consultório. Pretextava uma dor qualquer, para visitá-lo. Sempre fui recebida com alegria. Neste dia, passava pela porta, há muito tempo não subia as escadas, para dar um olá, saber das novidades e contar outras.

Ao entrar na antessala, vi que não havia ninguém. A secretária já havia se ido, as clientes não mais estavam. Bati com as pontas dos dedos, pronta me retirar, quando ouvi a voz bonachona e despreocupada, dizendo para esperar. Ouvi a cadeira sendo arrastada. Levantou-se, com a elegância que tinha e abriu-me a porta de par em par, perguntando logo pelas novidades, Mariinha?

Olhei de esguelha, o Doutor lia um livro muito grosso. Sabia que, naquela cidade enfadonha, para ele valiam os livros e as pequenas histórias com que atiçava sua necessidade de saber das coisas do mundo. Eu podia até me considerar parte daquele vício, com minhas histórias. Eram histórias de putas, mas sabia que o deixavam contente.

Falei. Sabe a Dorvalina? Pois é, fui lá no castelo dela. Disseram que estava acamada. Soube? Sim. Visita de uma para outra, que no nosso mundo é assim, disputamos as moças e os homens, mas resta entre nós desapego. E ela me contou que um certo senhor, distinto, mandou em embaixada um moço. Queria experimentar essa vida. Ela se riu. Veja você, comadre, disse.

Esse senhor queria ou queriam para ele, não sei. Uma das moças, para tudo. Mandei uma delas tomar banho, se vestir, perfumar. No dia seguinte soube. O senhor andou pelas casas querendo fechar, impor decência. Isto antes. Falou com aquele jeito entrecortado dela lá contar suas histórias. O isto veio puxado, em “s”. achava chique dizia ser bom para o ofício, davam mais sustância ao cabaré.

Mas soube no dia seguinte, preambulava. O Torquemada das putas enfim sucumbiu. Ria-se. Parece que não foi ele, mas amigos dele. Armaram em um sítio não muito distante daqui. A moça foi de carro. Disse ela, sabe, né, dona Dorvalina. O homem estava nervoso, sem funcionar direito. Aí, não tive dúvida, abocanhei. O homem gostou. Quer novamente.

Mariinha riu-se gostoso e satisfeita, imitando a fala de sua comadre. Ele gostou, agora só vai querer saber disto.


(Oswaldo Martins)

Goeldi




quarta-feira, 23 de maio de 2012

nas ruas


o corpo é o cão-guia
da alma
do outro

não importa
no escuro
ou na luz
nada se vê
tudo

se transborda.

(Lúcia Leão)

Arte de amar



ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

O poema do Elesbão trouxe-me de imediato a lembrança do poema de Bandeira.

um corpo


um corpo é corpo
e porque corpo
ora precisa ser abraçado com carinho
ora precisa ser abraçado com tesão

e porque corpo
nada sabe dos pecados da alma.


elesbão
(22/05/12)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ute Lemper - Die Ballade Von Der Sexuallen

die ballade von der sexuellen horigkeit

Das quatro, qual a melhor? Sem contar é claro a beleza da versão do Carlos Careqa

Kurt Weill - Ballade von der sexuellen Hoerigkeit

Damenkraft @Goosmarkt: Die Ballade von der sexuellen Hörigkeit

13 Die Ballade von der sexuellen Hörigkeit

Bertolt Brecht - Ballade von der sexuellen Hörigkeit (by Bardemeister)

Carlos Careqa - BALADA DA DEPENDÊNCIA SEXUAL

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capa de chuva ou escansões para os fios da noite


A duração da ação trágica é de um dia, do nascer ao por do sol, neste período deve o personagem trágico passar da boa para má fortuna ou da má para a boa fortuna, bem como descortinar as questões políticas e sociais que envolvem a polis. Na ação de No Fio da Noite, Ana Teresa Jardim inverte o preceito aristotélico e faz de sua personagem elemento noturno. A prostituta argentina Nena, protagonista da história, vai vivenciar no período de uma noite, do por do sol ao seu nascer, os problemas que fazem parte da cidade que a mal acolheu.

Além do périplo peripatético de Nena pela noite do Rio de Janeiro, as descrições da cidade são de beleza incomum, pois o que se mostra da cidade não é o ambiente edulcorado das praias e inconteste mitificação tão ao gosto dos nativos que se põem a falar e a discorrer sobre ela. A cidade aparece inteira, com seu poeta e gravador (as descrições das gravuras do descendente russo Boris me lembraram as gravuras de Goeldi), com seus gangsteres e proxenetas, mas sobretudo no seu ambiente mais denso que é o da noite do cais do porto e das ruas edificadas ao acaso desse delicioso Rio de 1922, com seus sambistas e artistas ambulantes.

A leitura de um fôlego só, como se a noite nos obrigasse a vivenciá-la por inteiro e no mesmo ritmo do romance, demonstra a maestria da composição e as deixas que a narrativa vai plantando como sucedâneo da irrealização do texto e, ao mesmo tempo, da realização do imaginário que o preside.

Outro detalhe importante saboroso da composição de No Fio da Noite está presente nas páginas finais em que a verossimilhança parece comprovar a adequação e o equilíbrio da narrativa. Refiro-me aos “quase anexos” que dão conta da investida ficcional. As receitas, a crônica de Tulio Neves, a carta de Irena e, sobretudo, a deliciosa notícia publicada na revista A Passarela, de agosto de 1922, na qual se dá conta da moda que toma o Rio de Janeiro – “o uso da capa de chuva, ou impermeável, de corte masculino, à guisa de vestido” (93). Lançado por Nena, a moda intervém precisa e determinadamente nos costumes da cidade e sugere que a moda das mulheres desta cidade e a própria cidade se compuseram através do contato unisual dos mundos separados e fundidos num mesmo e paradoxal ato de constituir a própria cidade.

Ana Teresa Jardim sabe, como afirma o poeta[i], que a sagacidade está em saber farejar delícias.

(Oswaldo Martins)




[i] O poeta a que me refiro aqui é Rogério Batalha.

terça-feira, 15 de maio de 2012

rolleiflex


I.

fotografei você com a minha rolleiflex
na revelação
naquilo que revelei
a nokia está no lugar do teu rosto

II.

eu fotografo
tu fotografas
ele fotografa

nós fotografamos
a máquina que nos fotografa.

elesbão
(14/05/12)

um corpo


um corpo há de ter boca
por onde outro corpo
possa entrar dentro desse corpo

de que vale um corpo
se a boca desse corpo
não se abre a outro corpo

de que vale a um corpo
ter boca ter língua
se as bocas desses corpos não se abrem
se as  línguas dessas bocas não se entrelaçam
se a saliva dessas bocas não se mistura

elesbão
(05/05 -14//05/12)

sábado, 12 de maio de 2012

Poemas Pina


Vitela 1

Dançar na  ponta dos pés
com a vitela
sacrificada.
Ó vitela cariátide
de bailarina
asceta  no metrô
aceita este pobre sacrifício.


Vitela 2

“Isto  é
carne de vitela !”
gritou a bailarina
antes de iniciar
o sacrifício
antes  de
enfiar
filés
para  saciar
a fome dos
pés.
No final
do filme
de Wenders
o fadista canta:
“olhos
são rosários
de atenuar
a dor do vivente.”


11/05/2012
Luiz Fernando Carvalho

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Estação 1


1

os becos-labirinto passeiam a cidade escusos
becos dorme um mendigo se tem rugas se a mão
toca o fino deleite do pelo em crespo pó oco
a voz tateia por um leite pelo crack a bolsa

dos avantesmas vestidos de terno agarrada ao
peito fede mijo fede a sêmen coagulado no ai
meu deus dos prostitutos dos mercados e medo
beco a cidade medra no abuso-ruas que retina

alguma guarda da língua vestígios-língua quê
baba de humores badalo das gurias imperdidas
que trafegam buceta e riso e velhas esquinas
e passam as mãos pelas bolas com que jogam a

sinuca co’os bicos

(oswaldo martins)

Novo livro de Ana Teresa


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Literatura em sala de aula


1 – Há alguns aspectos a se considerar quando se pensa no ensino da literatura e na organização curricular que o dirige. O primeiro deles é o lugar de onde parte o professor, pois há duas formas de considerá-lo:

·     A empatia que o professor tem com a literatura, sua bagagem de leitura, seu trato pessoal com o texto literário, levando-se em conta os aspectos técnicos do ensino e da teoria que serão enfocados em sala de aula;
·      A necessidade de se ater à burríssima divisão histórica de que a maioria das grades do ensino da literatura parte. Barroco, Arcadismos, Romantismos, Parnasianismo etc.

O professor meramente técnico pode até “ensinar” ao aluno as fases, o significado do que é literatura e fazê-lo entender os períodos e suas relações com a história, com a filosofia, com a sociologia ou com a matemática. Entretanto, um dos aspectos mais densos que a literatura traz é a capacidade de localizar o sujeito no seu mundo e a partir daí poder fazer a crítica da linguagem do senso comum – que é a do uso habitual da própria linguagem. Esta capacidade só pode ser oferecida ao aluno-leitor se se faz compreender o deslocamento mimético produzido por essa outra linguagem – nada usual – que é a linguagem literária. Sem este deslocamento, é impossível ao aluno-leitor perceber a potência contida no texto literário.

Atingir essa potência, demonstrá-la e fazer com que seja possível senti-la é, pelo que me parece, uma das possibilidades que tem o professor de literatura, em quaisquer níveis da educação. Em outras palavras, é preciso fazer com que o aluno-leitor ponha a mão na massa.

Na minha prática de sala de aula algumas proposições são constantes. A começar por abrir espaço para a teoria, mesmo que sejam árduos os caminhos da compreensão da matéria teórica – como diz Luiz Costa Lima,  teorizar não é aplicar uma receita de bolo ou dominar um conjunto de regras fixas e imanentes, mas é sobretudo fazer dançar o pensamento, com o rigor e a precisão que uma passista tem ao adentrar a avenida ou o poeta grego que fazia dançar o seu dançado. Explico-me: é necessário deixar o pensamento assentado sobre um ajuste rigoroso e frouxo ao mesmo tempo, como uma peça de encaixe que, ao se acoplar a um suporte, mantenha com ele uma relação de desconfiança, pra que se possa ajustar e modificar os ajustes, quando a mobilidade de pensamento assim o exigir.

O passo seguinte é o da leitura, muita leitura, sem querer saber se leitor-aluno goste ou não de determinado livro. O que o aluno tem de compreender não passa pelo gosto, mas pela capacidade que determinados livros possuem de fazer com que as situações do cotidiano sejam refletidas e postas sob suspeição, mesmo as características mais caras ao processo civilizatório. O império da lei foi construído e suas verdades naturalizadas. Ao ler os seguintes versos de Baudelaire, deve o aluno compreender que todo o processo civilizatório está sob suspeição e que a radicalidade expressa pelo poeta tem como visada um outro ponto.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

As percepções contemporâneas devem se assustar, com o texto literário. Podem se perguntar: mas dar isso para um adolescente, meu Deus? Sim, é isto e não outras expressões o que se deve dar a ler. Os aspectos de certos romantismos, hoje, apenas tentam dar ao construto literário um lugar aceitável na ordem do mundo. É preciso rejeitá-los. Nada pior do que os ai que saudades que eu tenho, que abundam como o modelo de literatura, ainda que pese a radicalidade modernista.

O terceiro passo está em fazer com que o aluno-leitor ponha a mão na massa e recrie a linguagem a traduza em atos concretos, que nunca podem ser uma prova; são preferíveis os debates, os trabalhos de desnudamento dos textos feitos pelos alunos-leitores.

Passo a relatar algumas experiências vivenciadas em sala de aula:

·                    A formação de um parque de diversões a partir e de textos.
·                A recriação do Rio do século XIX, a partir da leitura de Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Manuel    Antônio de Almeida.
·                  A criação de um manifesto literário, criado e lido em praça pública pelos alunos.
·           A criação do Cortiço físico, em que as pessoas pudessem entrar e vivenciar, não o cortiço, mas a sua mímesis e assim  compreender que o que Aluízio Azevedo faz não é o retrato de um cortiço, mas a sua emulação
·               A criação de um jogral com poesia.

É preciso ressaltar que quem torna possíveis essas experiências são os alunos e não o professor que, quando muito, dá uma de songa-monga e reutiliza o vivenciado como reflexão sobre o texto literário, fechando o círculo.

Gostaria de ler um poema do Cosmologia do Impreciso, está na parte que se nomeia arte da deseducação na qual tento pensar a questão da sala de aula:


tertúlias

Nas aulas todo domínio é cínico
Inventam-se nomes para profissão
nenhuma

nas aulas mente-se desde o que
não se sabe ao que deixarão de
saber

nas aulas a correção absoluta
ensina o desconforto
a tristeza

a traça que corrói todas
as conquistas
e abismos


(Oswaldo Martins)

Voragens Convite


domingo, 6 de maio de 2012

Dora Ribeiro em Madrid lendo seus poemas


                                                    Foto: Antonio Veiga

       El lenguaje puede ser reducido a su expresión más perdurable y básica ― la palabra ― como el cuerpo humano al esqueleto. Este curioso paralelismo entre hueso y palabra poética es algo que me hizo descubrir, en Madrid, Dora Ribeiro. La poeta brasileña estuvo leyendo sus poemas en la Residencia de Estudiantes una tarde plomiza y aciaga en la que el pueblo de Madrid protestaba por los continuos recortes presupuestarios y las condiciones draconianas a las que nos obliga nuestra permanencia en la Comunidad Europea. Y es que ha finalizado esa época de vacas gordas mal gestionada por políticos y banqueros prepotentes e incompetentes, que son adjetivos que se parecen tanto que bien podría pensarse que se trata de uno solo. Como digo, en aquella tarde aciaga, se dejó oír la voz cuidada, melodiosa, tal vez titubeante, de la poeta Dora Ribeiro diciendo, sugiriendo, apuntando esta similitud entre hueso y palabra, entre poema y adivinación.

                    osso                                  hueso
                    oráculo                              oráculo
                    osso                                  hueso
                    de tanto se repetir             de tanto repetirse
                    a lengua vibra                    la lengua vibra
                    em estilhas e                     en astillas y
                    se inicia em novos             se inicia en nuevos
                    significados                       significados

       Este poema recogido en el libro Olho empírico, que me he permitido traducir, explica esa relación entre la palabra poética y el desvelamiento de una realidad hecha de tiempo y espacio, de distancias y duraciones intercambiables. El poema es una plegaria que, a fuerza de repetirse, se quiebra, pero que, milagrosamente, como toda plegaria, emerge con nuevos significados que no estaban en sus palabras. Es una jaculatoria mágica ― el poema ― que busca expresarse entre los ruidos del mundo desvelando y revelando lo que queda oculto. Es el hueso bajo la piel, que llama al músculo, a la víscera y a la piel para habitar el mundo. Es el hueso que no son capaces de roer las pequeñas larvas a las que dedicó su libro Brás Cubas. Y ese hueso, esa semilla de lenguaje se hace carne y vive con nosotros. “Creo que hay palabras que nos observan, nos enseñan, nos acompañan por la vida. Y nos dejan su marca”, explicaba en Madrid la poeta nacida en Campo Grande. También yo lo creo así. La vida es una experiencia que las palabras alumbran. Por ellas sabemos y amamos, por ellas entendemos y nos comprometemos, por ellas, con ellas, nos comunicamos. Y morimos. La existencia es lenguaje. Por eso la palabra-hueso genera nuevos cuerpos, nuevos significados, habita en tierras desconocidas, se multiplica en otros poemas, en otras anatomías, provoca una reencarnación interminable de seres, vidas, lenguajes. Como las ondas del mar, como la vibración interminable del universo, como el aliento palpitante de lo existente, la palabra y el poema se multiplican y se suceden, se desarrollan en una corriente de fuerza y sentido. Dora Ribeiro reconoce esta capacidad motriz, este movimiento interminable en su poesía y en su vida. Onda o partícula la luz recorre de parte a parte el universo para iluminarlo. Sea aliento o escritura la palabra poética atraviesa nuestra vida para dotarla de sentido.

                    palabras enteras                 palabras enteras
                    abrem-se                           se abren
                    já divinatórias                     adivinadoras
                    e escandalosas                   y escandalosas
                    fazendo morrer em             haciendo morir en
                    mulheres e                         mujeres y
                    homens as suas                  hombres sus
                    primeiras imagens              primeras imágenes



                                                 Foto: Antonio Veiga

       Pero la voz se quiebra ― a fuerza de repetirse ―, se fragmenta y, de la ruina de los sonidos, de los fonemas, surgen los nuevos significados, las nuevas realidades que habitan en nosotros. La palabra es mágica y es comunitaria: hace pueblo y desvela la identidad, la nuestra y la de nuestra gente, la del hombre y la de la humanidad. Las palabras desbaratan las primeras imágenes, fueron los rudimentos de nuestra infancia, nos sirvieron para entendernos y entender el mundo. Primero nos indicaron quienes éramos y dieron un nombre al enigmático “yo”, cerraron nuestro cuerpo y lo distinguieron de los otros cuerpos. Era la palabra reveladora y profética que aprendimos como aprendimos los nombres de los que nos protegían, de nuestras necesidades físicas, de nuestros miedos ancestrales. Para Dora Ribeiro la poesía hay que entenderla como movimiento y como infancia: Como movimiento porque es natural y es fuerza ciega y está impregnada de historia. Como infancia porque sólo los niños saben inventar y configurar lenguajes absurdos, impenetrables, esclarecedores. Lo dijo así: la poesía es “nuestro más fiel y duradero animal”. Si no se siente la poesía como algo vivo, palpitante, como un cuerpo que se mueve y respira y se alimenta, si la palabra poética no se entiende como un oráculo y, a la vez, como un hueso indestructible, que sirva de armazón a un significado todavía por desvelar: si no es así, el poema ha muerto. Sin embargo, la voz poética es cómplice y está viva: es viento y es aroma, es voz y es recuerdo, es el pulso en la sangre y es el juego sideral de los astros, es silencio burbujeante y es vacío en plena tensión. Uno y múltiple, en la resonancia interminable de las voces, la palabra, el poema se reproducen como una célula o un organismo.

                    sob manhãs moventes         bajo mañanas móviles
                    pensar os alrededores         pensar los alrededores
                    e seus sexos                       y sus sexos
                    é obra de demolição           es obra de demolición

       Dora Ribeiro concluye este poema que abre un libro, o parte de un libro titulado “escritura de demolición”, con esta estrofa. Son móviles las mañanas, vibrantes, como antes lo era la lengua generadora de palabras ― la lengua-instrumento, la lengua-órgano ― que crea la mañana y la nombra como a sus contornos espaciales o temporales, a sus silencios y a sus misterios. Pero las mañanas como los que la habitan son móviles y vagan ― los seres ― anclados tan sólo por sus sexos, por el fruto que los liga a la tierra y a la sabia del mundo. Sexos que chocan y se entreabren como las flores y los frutos: sabrosos, delicados, aromáticos. Pero todo ello, apunta la poeta, es obra de demolición. Se derruyen las anatomías, los cuerpos, para que se mantenga la vida. Se rompe la estructura del lenguaje para que desde sus cascotes-sílabas, desde sus letras-astillas se construya otro significado, una visión nueva de la historia y de la vida.
       La luz de la tarde se difuminaba en la ciudad. En la intimidad de la sala habíamos escuchado las palabras redondas, extrañas, reveladoras. Nos habían hablado de distancias, de estallidos de belleza, de abismos y fiestas salvajes, de músicas y de silencios, de tiempos líquidos y de cuerpos-escrituras, de vacíos y de jardines, de caminos y de miradas, de geometrías y de cuerpos, de reescrituras y demoliciones, de construcciones… La palabra poética, que nacía y renacía una y otra vez, con su hueso y su piel, con su aroma y su sonido, alumbró fugazmente, a fogonazos, la noche y se disolvió en la oscuridad. La tarde había quedado preñada de escondidas verdades que nadie sabría repetir, pero que todos sentíamos en la carne y en la conciencia. Y con ese vago perfume, con ese presentimiento, nos abandonamos a nosotros mismos tal vez repitiendo mecánicamente, como una oración a un dios desconocido: hueso, oráculo, hueso…


                                                * * *




Antonio Maura é escritor, crítico e professor universitário espanhol. Sócio Correspondente da Academia Brasileira de Letras (julho, 2011) e assessor da Fundação Cultural Hispano Brasileira. Tem publicado, entre outros, os romances Voz de Humo e Semilla de Eternidad, e o livro de contos Piedra y Cenizas. Faz parte do Conselho Editorial de Cronópios.

sábado, 5 de maio de 2012

Dois poemas de Wilson Sena

1999-2001/Soure

a Ruth, Fernanda e Daniela

desregulagem na garatuja:
se linear - o oco.

vertical

Um feto fixo dilui-se num soco e
se amplia no seu deserto dentada

(Wilson Sena)

Lua Branca com Dilermando Reis e Francisco Petronio

Chiquinha Gonzaga - Lua branca

Corta jaca.

Escolha a melhor interpretação para a música de Chiquinha Gonzaga

O Corta Jaca

O Corta Jaca! Chiquinha Gonzaga ( Rio Antigo ).wmv

Eudóxia de Barros - O Corta Jaca de Chiquinha Gonzaga

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Poema do dia

o meu rio não existe
mas nas minhas águas brilham
práticas de muitas cores

quando há grande festa
no mar
colhe-se sólida e
verdadeira companhia
na observância do vento
e das monções

(Dora Ribeiro, Taquara Rachada - 2002)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O QUE É QUE NÃO É


Sábado das Crianças - entrada franca 

             


O escritor Cesar Cardoso lança na Estação das Letras seu livro infantil O Que É Que Não É?, ilustrado por Cris Alhadeff.
Mal saiu do forno, o livro já foi selecionado para o Programa Nacional de Biblioteca da Escola – PNBE, e chegará às bibliotecas das escolas públicas de todo o país.

O lançamento abre um novo espaço da Estação das Letras, dedicado ao encontro de escritores com o público infantil. Cesar vai contar a história e conversar com a garotada que comparecer à Estação das Letras.
Saiba tudo sobre isso em nosso Blog

Dia 5 de maio (Sábado), a partir das 15 horas.
Rua Marquês de Abrantes, 177 - Lojas 107/108
Flamengo - Rio de Janeiro
Tel: (21) 3237-3947