terça-feira, 25 de janeiro de 2011

João Bosco e Aldir Blanc - Me dá a penúltima

Siri rercheado e o cacete

A música de João Bosco e Aldir Blanc, que o Ronald lembrou lá das distâncias onde anda

Sai com a patroa pra pescar
No canal da barra uns siris pra rechear
Siri como ela encheu de me avisar
Era o prato predileto do meu compadre anescar
Levei arrastão e três puçás
Um de cabo outros dois de jogar
De isca um sebo da véspera, e pra completar cachaça iemanjá
Birita que dá garantia de ter maré cheia
Choveu siri do patola, manteiga, azulão, um camaleão,
No tapa a minha patroa espantou três sereias.
Na volta ônibus cheio o balde derramou
Em pleno coletivo um gato se encrespo,
O velho trocador até gritou: - não bebo mais!
Siri passando em roleta, mesmo pra mim é demais!
De medo o motorista perdeu a direção
Fez um golpe de vista, raspou num caminhão
Pegou um pipoqueiro, um padre, entrou num butiquim
O português da gerência, quase voltou pra almerim...
Quiseram autuar nossos siris
Mas minha patroa subornou a guarnição
Então os cana-dura mais gentis
Levaram a gente e os siris pra casa na abolição
Depois do "te logo", "um abração"
Fui botar os siris pra ferver
Dentro da lata de banha
Era um tal de chiar, pagava pra ver
Tranqüilo o compadre anescar colocando o azeite
Foi um trabalho de cão, mas valeu o suor
Croquete, bobó, panqueca, siri recheado, fritada e o cacete.
O anescar chegou com uma de alambique
Me perguntou se eu era mendonça ou dinamite
Abri uma lourinha, trouxe um prato de croquete
O anescar mordeu um, feito que come gilete
Baixou minha patroa: anesca, que qui há?
O anescar gemeu
¾ dieta de lascar
O médico mandou que eu coma tudo que pintar
Até cerveja e cachaça
Menos os frutos do mar.

João Bosco & Marçalzinho - siri recheado e o cacete - Heineken Concerts ...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Garça

É uma garça vadia
Voando na orgia, sem direção
Em busca de pérolas raras
De jóias bem caras
Pra tua ambição
Fugida de um ninho pequeno

De um lago sereno
Que foi todo teu
Mergulha nesse lodaçal
Procurando no mal
O que o bem não te deu
Com gargalhadas alegres e perfumes
Levas os pacatos coitados ao fim
És uma garça sem ninho
E pensas que o lodo é o teu bom caminho
És uma garça vadia
Voando na orgia, sem ter direção
Em busca de pérolas raras
De jóias bem caras
Pra tua ambição
Fugida de um ninho pequeno
De um lago sereno
Que foi todo teu
Mergulha nesse lodaçal
Procurando no mal
O que o bem não te deu

(nelson cavaquinho e guilherme de brito)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

dos sonhos de arthur

1
neste leito de véus
azuis e rosas
levarei comigo o quadro
de renoir

neste leito de campanha
as sombras escarninhas
do quadro de guaguin

a cama vazia
a escova vazia
a cadeira
a angústia vazia
do quadro de van gogh

os percevejos
as lacraias
quais insetos
jantarão meu corpo

depois do périplo

patético
neste pátio
nesta cela
na cama de azuis e rosas
abraçarei as palavras
depositadas

para de novo aspergir
sobre o mundo
os quadros
os sistemas
secretos quê

guardador de palavras
(oswaldo martins)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

sereia

na vastidão do azul
nadar
como se no espaço solta

tecer ondas
e volumes

revelar
o coxo andar

sem pernas
feito

(oswaldo martins)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

dois poemas do lapa

*

mangue minhas rugas onde dejetos fedem
ardor e sementes trouxeram no meio fio
amalgamadas colombinas tb caco como ta
tear cancro cumular sevícias e baratas

*

bidê

permite a tuas pernas o invólucro
das paixões os tapetes os guizos
na água morna roçam-se as coxas
ó desmensurado, concebe nos teus
cômodos nossa acre licenciosidade


oswaldo martins

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

auto retrato

dos pintores que se retrataram
rudes em suas sombras quê

traço de desigualdade e estupor
desvão sórdido entre o cinza

o ocre dos dias perdido a buscar
nos vazios os retratos dos poros

enlameado de suor e barba
por fazer

*

dos pintores que se retratam
nas cozinhas

a cuspir manchas e soletrar
de si para si

os nomes feios
as edificações manchadas

muros
a parir fetos

e monstros obscuros

*

dos pintores que se retratam
desconexos

a gengiva
o cós da calça

as nuvens como expressos
a vagar sobre a cabeça

das devoradoras noites
entre o ocaso e o silêncio

das tintas

(oswaldo martins)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Bibliotecas

É curioso verificar as bibliotecas das pessoas que tiveram alguma influência na vida cultural dos países. As bibliotecas pessoais permitem que se possa vislumbrar a formação de seus donos e – porque não são passíveis de influência dos jogos sociais e políticos – permitem ainda que se verifiquem as fragilidades e os gostos que contribuíram para a constituição das opiniões e visões destes indivíduos. Notar a fragilidade de certos figurões sociais, de certos mitos criados não se sabe onde ou porque é particularmente saboroso. Meu gosto particular para o deboche das figuras ilustres casa-se formidavelmente a este evento que é a visita à fragilidade de uma biblioteca.
Há pouco tempo visitei a de Cora Coralina e me encantei com o que, em crônica anterior, chamei de biblioteca iletrada. Ontem no casarão Austregésilo de Ataíde, verifiquei com particular atenção a biblioteca que é dada como sua. Vi poucos e desinteressantes livros. A biblioteca é pífia. Parece-se com a de Cora Coralina. Não sei se essas bibliotecas foram saqueadas ou se correspondem exatamente ao que leram ou tiveram a necessidade de ter perto da mão seus donos. Nos tempos passados, os livros possuíam grande valor econômico, porque eram poucos e ilustravam o bom gosto das famílias aristocráticas. Nos tempos modernos diziam da “sabedoria” de seus donos ou a filiação das famílias, de que faziam parte, à formação intelectual de seus membros. Afirmar-se intelectual – no século passado – era uma forma de manter distância distintiva do corpo da sociedade.
A falta de hábito de freqüentar bibliotecas é uma das características de nosso país. De tal forma que a leitura pessoal se revela pelos livros que se adquirem ao longo da vida e se guardam como galardão pessoal, daí a importância de se estudar o legado das bibliotecas particulares, para aclarar o tipo de formação cultural e principalmente verificar o porquê de sermos um país de pouca ou nenhuma leitura. Quando essa medida se revela pela biblioteca de um dos intelectuais mais influentes da cultura brasileira – não se deve e não se pode esquecer que Austregésilo presidiu a Academia Brasileira de Letras durante longo período – a fragilidade das bibliotecas iletradas se revela com toda a sua força tragicômica.
Além de revelarem a falta de compromisso com a leitura, tais bibliotecas permitem que se veja o caráter conservador da sociedade de que fazemos parte, além da entronização de seus iguais como luminares da República. Pelo que tenho visto, mais da metade dos que se consideraram “cabeças privilegiadas” apenas assim puderam ser considerados pelo cumpadrismo existente na formação social brasileira, que sempre se pautou pela troca de favores e a mínima exposição à necessidade de transformação da leitura. A falta de compromisso social é tão evidente que a eles bastava a troca mútua dos elogios frívolos e o assento nas cadeiras confortáveis onde a sesta é mais importante que a labuta, onde o conforto garantido e sem sustos é mais eficiente que estar no olho do furacão e colocar as próprias deficiências em questionamento.
Parece-me que a fragilidade do ambiente intelectual é fruto do apego aos lugares conquistados que não permitem ao leitor discussões e que transformam os intelectuais em figurinhas carimbadas de álbum de coleção – exatamente como essas bibliotecas iletradas fazem, fingem grandiosidades que não se sustentam, forjam um saber em que não se pode acreditar. Criam um país de bestas astronômicas cujas opiniões são ampliadas até o limite das verdades frugais e histriônicas falas com que berram seus saberes para calarem outros.
(Oswaldo Martins)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Poema do dia

Fe mía

No me fío de la rosa
de papel,
tantas veces que la hice
yo con mis manos.
Ni me fío de la otra
rosa verdadera,
hija del sol y sazón,
la prometida del viento.
De ti que nunca te hice,
de ti que nunca te hicieron,
de ti me fío, redondo
seguro azar.


(Pedro Salinas)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Le grand homme / O grande homem

Le grand homme

Chez un tailleur de pierre
où je l'ai rencontré
el faissat prendre ses mesures
pour la postérité.

(Jacques Prévert)


O grande homem

No ateliê do talhador de pedra
onde o encontrei
lhe tiravam medidas
para a posteridade.

(Tradução Silviano Santiago)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Vila Boa de Goiás

Há muitos anos desejava conhecer a cidade de Goiás – com querem os moradores de lá – ou o Goiás Velho nome que ouvi um dia e desde então consagrei como o nome de uma cidade encantada. Goiás Velho fica a 140 km de Goiânia, moderna capital do estado. É uma cidade agradável, de casario antigo e – como me disse uma historiadora que trabalha no IPHAN – data do início do século XVIII como as cidades mineiras antigas. Fruto do mesmo labor e assassinato cometido pelos Bandeirantes. Talvez por mais distante e por não ter sido disputada pelos portugueses baianos, a presença dos traços indígenas se tornou mais presente. Suas mulheres são bonitas, graciosas e ostentam frutuosos corpos. Uma mistura que deu certo. A elegância paulista de antes dos italianos e japoneses e a preguiça macunaimaica do índio faz sonhar no corpo de seus habitantes a voluptuosidade e o prazer. A cidade, que guarda parentesco com as cidades preservadas de Minas – especialmente com Tiradentes – uma vila simples que o turismo infausto complicou – não apresenta, entretanto, o peso do pecado que estreitam as casas mineiras e seu povo.
A busca por Goiás Velho nasceu da necessidade de encontrar uma outra deriva para a vida. O peso mineiro nunca me foi confortável, assim como a incapacidade de me livrar totalmente dele nunca tenha alcançado sucesso. Tenho o corpo travado para a dança, os músculos me doem pela tensão do cotidiano, retesados pela lição – uma porca lição – que as cidades fechadas de minha província me legaram. Goiás Velho me trouxe a perspectiva de ser quem sou – sem que tivesse de obedecer aos tramites da dor, do pecado, da maceração cristiana das ladainhas.
Na cidade viveu Cora Coralina, de cuja poesia não gosto. Sua casa é linda, agradável, remansosa. Ali corre constante e desde os tempos imemoriais uma água límpida de uma fonte que brota em seus porões, nos quais abrigava-se Maria Grampinho – uma espécia de Isabelinha barbacenense – uma louca mansa que vivia indagando pelos lindos passarinhos azuis e tocava piano e recitava seu francês como uma dama. Dizem que fruto de uma desilusão amorosa. As loucas de Minas são mais fechadas e metafísicas, como as cidades que as demenciam.
Nesta casa morou Cora Coralina – de cuja poesia desgosto, talvez por que seja palmar demais para meus olhos de lonjuras e mergulhos, mineiro que luta para afastar as diatribes da Santa Madre – daí me vem o amor pelos corpos em cópula e não o amor por seus doces fervendo nos tachos de cobre.
Em Goiás velho morreu Cora Coralina que legou, no museu em que se transformou sua casa, o retrato de seu pai morto – um lindo morto em sua vestimenta de brocado com flores negras – na elegância de velho magistrado. Um inesquecível morto e a possibilidade de fazer viver o fazer poético mesmo nas distâncias mais longínquas – mesmo nas dificuldades mais atrozes – como revela a parca biblioteca deste país iletrado.
A existência de Goiás Velho e da poesia de Cora Coralina – de que não gosto – compõem um mosaico tão único de simplicidade e distinção que agradeço à cidade e às suas moças vistosas a alegria com que ali passei algumas horas.
Oswaldo Martins

sábado, 1 de janeiro de 2011

Peçam bis

Peçam bis
(Ismael Silva)

A todos que estão me ouvindo
Eu agradeço
Esta atenção dispensada
E mais do que mereço
Se não gostarem
Não digam nada a ninguém
Senão os outros
Não vão me aturar também

Não vão fazer
O que aconteceu certo dia
Foi tanto bis
Que eu já não podia atender
No entretanto
O que a platéia queria
É que eu cantasse
Cantasse até aprender

(Ismael Silva)