segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Fotografia 5


Willy Ronis

Olhar

estava a reparar no pombo pousado
no muro da minha casa com a outra casa

estava pousado numa perna só
(seria manco?)

pou, joguei-lhe uma onomatopéia

com calma elegante desceu a outra perna
e foi a voar

elesbão
(23/10/2011)

olhar

cá está o pombo outra vez sobre o muro
e agora é ele quem me olha
olha-me com um olho amarelo
e vira-me o bico
vira-me o olho e vira-me o bico
com que olhos me vê este pombo?


elesbão
(26/07/2011)

sábado, 29 de outubro de 2011

BLOOMSDAY TUPINIQUIM

Com toda essa brida provocada pela invenção tupiniquim do bloomsday, em homenagem ao nosso pretenso e poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, senti vontade de voltar a um texto fundamental para ler a obra do grande poeta, lido no curso de mestrado que fiz na UERJ, sob a orientação de Luiz Costa Lima.
Publicado em livro que então se produzia, “Drummond: As metamorfoses da corrosão” (1989) lançava novas perspectivas de leitura para sua poesia. No texto – exponho-o de maneira sucinta – procura-se verificar a existência de um princípio que ordenaria a poética drummondiana, desde seu primeiro livros e que aos poucos, à medida que as experiências vivenciais do poeta se colocam, vão se modificando e construindo outras identidades e possibilidades de leitura.
No texto de Costa Lima, lemos que o princípio da corrosão, “em sua primeira recolha, confia na técnica da fragmentação e no papel da ironia para formular o caráter problemático do mundo que lhe foi dado”. Embora permaneça em livro que abre nova perspectiva na obra de Drummond, “o privilégio da ótica irônica- fragmentadora” que se opõe “à grave dicção do sublime” formula em o Sentimento do Mundo num novo elemento: o sentimento de participação, que novamente se metamorfoseará quando a dicção mais elevada de Claro Enigma pressupuser outra deriva.
O texto de Costa Lima é fundamental para que se possam surpreender não só os caminhos trilhados por Drummond, mas para também perceber que esgotada as vertentes da corrosão, a poesia de Drummond se dirige à aclimatação do poeta às exigências do leitor, perdendo a elaboração formal e tornando-se “uma espécie de consciência pública média”.
O nosso bloomsday, ao entronizar o poeta na consciência do público, pode correr o risco de fazê-lo por um viés mais imediato e facilitador e daí celebrar não mais o poeta, mas o cronista. Portanto, tenhamos prudência, que o santo pode se revelar de barro.
(Oswaldo Martins)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

antiode para uma certa senhora social-democrata

para ubiratan braga

se de lúcia preferes a senhora que por trás governa para ser governada
estou fora, histrião
se a dor no peito
se o aperto no peido

se preferes a higiene das bem nascidas o ai não me toques das moças donzelas
estou fora
das beldades de empréstimo que quando deixam cair a roupa deixam cair as máscaras das propagandas, do rímel, da falsa bunda ao siliconado peito ou da calça jeans apertadinha sobre os amplos beiços da boceta
vestes então do despudor a voz altiva que comandou escravos que comandou homens até a hora agá gagá senhora de vinte e poucos anos já automatizada em roubar as sibilas do tempo por isso pintas os cabelos pintas o contorno dos olhos a boca e botocuda de botox já não ris senão da desgraça das pobres moças que não têm de seu senão as flores gonocócicas da verdadeira impudicícia, as destroçadas moças as altissonantes moças que bebem que gritam que estridulam com os cabelos desgrenhados pelas esquinas que marcam de roxo o rosto que maceram de nada os sonhos e fazem guris em penca para cuidarem os outros ou para abandonarem os tristes bastardos da pátria ao relento do crack, da cracolândia ou da faca que o feitor de teu tempo constrói nos reformatórios da cidade
onde então tomam porrada

estou fora, senhora
pois que propões para a miséria o medo e suas prisões ou para as favelas o caveirão o caveirume da porrada de antanho, disfarçada, senhora disfarçada, de alento para quem não tem alento e escondes as escolas, fazem com que sonhem com bulevares e lhes dão falésias e felonia e um monte de roupa suja

estou fora, senhora
dos twitters que propõem discutir a segurança pública e reinventam a burla do pão e do circo que reinventam o funk como codinome do samba que tanto odeias
tua rebeldia – senhora sempre envilecida – é pouca teu sonho de liberdade pífio

ah, senhora,
queria te ver no asilo, de camisola queria te ver na esquina, pedindo esmola queria te ver na frente de uma pistola, toda frajola de longo e salto alto na padiola que boa bola
na lida queria te ver na linha de passe entre a cachaça e o rufião entre o tiro e a linha fronteiriça do bem e do mal te ver cagar nos vasos sujos dos botequins de terceira entre as moças
de calças largas e bocetas apertadas

(oswaldo martins)

sábado, 15 de outubro de 2011

Picasso

Quando alguém, visando a beleza de um produto, a ele dá um nome de um pintor, de um poeta, de um músico, falseia a relação do produto com o público e mostra a destruição que a obra do artista sofre pela exposição midiática. A emulação grosseira pressupõe a falta de leitura daqueles que os mestres da publicidade pensam ser o público alvo do produto oferecido.
Dirigimos um Picasso, bebemos a cerveja que Vinícius nunca bebeu, que vende a minha pátria para o Banco Bamerindus, Drummond, um bom ano novo ou uma calça, Bandeira, que nunca vendeu sabonetes, vira garoto propaganda. Ainda virão a penicilina Noel Rosa, a calcinha Leonardo, o motel Jorge Amado ou Gabriela.
Nos restaurantes antigos comemos o Oswaldo Aranha, nos modernos toda uma sorte de artistas, pintores e demais personalidades desomenageadas pelo prato preferido à doré. Moramos em mansardas ou mansões chopin, strauss ou villa-lobos e carlos gomes, e deseducamos as crianças em pretensas vanguardas – arautos do atraso e da arte da propaganda. Quantos sairão dali prontos para o mercado?
Quando Baudelaire disse que o poeta iria ao mercado vender a alma, como as putas vendem o corpo, não disse ou justificou a mixórdia do mercado – senão que dele fez lugar de preferência para passear a inaptidão do sujeito, sua radical redução à aberração denunciatória dos novos tempos recém-inaugurados.
Quando Caetano entra na justiça para proibir que um investimento qualquer roube-lhe a tropicália para nela fazer morar mal-pensantes que pensam comprar a modernidade e o paraíso, merece, novamente, nossa absoluta aprovação.

(oswaldo martins)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

diário da queda


Há duas atitudes a tomar diante da inviabilidade da experiência humana em todos os tempos e lugares. A primeira é a do meu avô, e tudo o que penso a respeito eu acho que disse para meu pai aos treze anos, da forma como ei conseguia na época, e lembrando hoje da briga e da maneira como meu pai me olhou na briga e da conversa que tivemos no dia seguinte à briga e da forma como ele passou a agir depois eu percebo que ele secretamente me deu razão, e que já sabia disso desde sempre, e que seria capaz de dizer as mesmas palavras que usei na época, as que fui capaz de escolher, e até então ninguém havia sido tão direto ao lembrar o meu pai de que meu avô se agarrou a um pretexto, um álibi dele, a aura que o tornava uma espécie de mártir, um santo por haver estragado a vida de meu pai embora tenha seguido à risca as previsões das toneladas de páginas e milhares de filmes e infinitas horas de discussões sobre a inviabilidade da experiência humana em todos os tempos e lugares e como terminaram todos os que tiveram contato com ela, mesmo que ela tivesse um nome tão simbólico e acima de qualquer discussão como Auschwitz.

(LAUB, Michel. diário da queda. Pag135 -136 – Cia das Letras, 2011)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Verdes adoráveis

Verde que te quero rosa

Verde como céu azul a esperança
Branco como a cor da Paz ao se encontrar
Rubro como o rosto fica junto a rosa mais querida
É negra toda tristeza se há despedida na Avenida
É negra toda tristeza desta vida
É branco o sorriso das crianças
São verdes, os campos, as matas
E o corpo das mulatas quando vestem Verde e rosa, é
Mangueira
É verde o mar que me banha a vida inteira
Verde como céu azul a esperança
Branco como a cor da Paz ao se encontrar
Rubro como o rosto fica junto a rosa mais querida
É negra toda tristeza se há despedida na Avenida
É negra toda tristeza desta vida
É branco o sorriso das crianças
São verdes, os campos, as matas
E o corpo das mulatas quando vestem Verde e rosa, é a
Mangueira
É verde o mar que me banha a vida inteira
Verde como céu azul a esperança
Branco como a cor da Paz ao se encontrar
Rubro como o rosto fica junto a rosa mais querida
É negra toda tristeza se há despedida na Avenida
É negra toda tristeza desta vida
Verde que te quero Rosa (é a Mangueira)
Rosa que te quero Verde (é a Mangueira)
Verde que te quero Rosa (é a Mangueira)
Rosa que te quero Verde (é a Mangueira)

(Cartola)


Romance sonâmbulo

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.

Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

Romance Sonámbulo

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

--Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
--Si yo pudiera, mocito,
este trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
--Compadre, quiero morir,
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
--Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
--Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
¡dejadme subir!, dejadme
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
--¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está tu niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

(FEDERICO GARCIA LORCA)

O melhor de Carlos Drummond de Andrade

Pneumotórax lido por Manuel Bandeira

sábado, 8 de outubro de 2011

obscena de arthur



para charles dias gonçalves

I

quê se quer do quê assalto às consciências
medida da mão assassina sobre a platitude
dos ossos comidos pelo mofo quem

outro do quê

quem do invento a panos e bordas
por onde baratas albinas
infensas ao quê da dor

passeiam

II

se em pus as correntes seu aço
carcomido deixam que passeie
a ausência da paisagem

um garoto cai

um quê de malhas alheias
sem anelos burburinho
do horror

tenteia

III

eis que o quê da oca lucidez
quando cadáveres apinham
meu lajedo

ouvido para as ruínas

das quê falavras
aos berros da matraca
quem um sopro de torpor

enseja


(oswaldo martins)

com uma taça de vinho

com uma taça de vinho
como se tivesse na mão um candeeiro
entro no quarto
sento-me na poltrona
e antes de pegar o romance que há pouco comecei a ler
olho a cama onde deitastes atravessada
com os pés no chão

elesbão
(05/10/2011)

Ulisses e o BMG



Tive vontade de responder
Minha filha você me liga numa sexta-feira
Depois do expediente
após uma caipirinha de maracujá com pimenta
O que você está fazendo nesta hora
com esta proposta?
Mas não respondi
seria mais uma afronta
à sensibilidade de moça
enquadrada na loucura de hoje.
O canto da sereia do BMG era muito tentador
nem o navegador foi tão tentado como nestes tempos.
Com sua voz treinada nas ondas
de posse de meus dados cadastrais
Ela me oferecia tudo.
O que fazer ?
Ficar mudo e acorrentado
não ver e não ouvir mais nada?
Deixar passar e dizer tímido
não posso

Luiz Fernando Medeiros
6/10/2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Poema do dia 2

LAS PROSTITUTAS...

Las prostitutas
Ángeles de la Guarda
de las tímidas vírgenes;
ellas detienen la embestida
de los demonios y sobre el burdel
se levantan las casas de cristal
donde sueñan las niñas...



José Juan Tablada

Poema do dia

VULGÍVAGA

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!

Não sei entre que astutos dedos
Deixei a rosa da inocência.
Antes da minha pubescência
Sabia todos os segredos...

Fui de um... Fui de outro... Este era médico...
Um, poeta... Outro, nem sei mais!
Tive em meu leito enciclopédico
Todas as artes liberais.

Aos velhos dou o meu engulho.
Aos férvidos o que os esfrie.
A artistas, a coquetterie
Que inspira... E aos tímidos - o orgulho.

Este caçôo-os e depeno-os:
A canga fez-se para o boi...
Meu claro ventre nunca foi
De sonhadores e de ingênuos!

E todavia se o primeiro
Que encontro, fere toda a lira,
Amanso. Tudo se me tira.
Dou tudo. E mesmo... dou dinheiro...

Se bate, então como o estremeço!
Oh, a volúpia da pancada!
Dar-me entre lágrimas, quebrada
Do seu colério carremesso...

E o cio atroz se me não leva
A valhacoutos de canalhas...
É porque temo pela treva
O fio fino das navalhas...

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!


Manuel Bandeira