domingo, 29 de março de 2009

antiode para gisele büdchen

antiode para gisele b­üdchen
para o elesbão que me deu o motivo

os rebolados das moças nas passarelas são rebolados que não contam. antes diria de tais rebolados – como de frangos ou frangas que quebram as asas – serem rebolados de gringos ou de sujeitos pouco afeitos, digamos,
aos rebolados da cama.

os rebolados mucamas
os rebolados da ante-câmara
são os rebolados das baianas,
das falsas baianas;
fatal, o rebolado da moça que, no ônibus,
ultrapassa com uma quebra de cintura ou de bunda
o obstáculo entre o trocador e o corpo –
melhor, quando tal rebolada atrai os olhos
sobre o espesso do corpo que se transforma em poema
e resta aos atônitos que olham
apenas no minuto clarão de si mesmo.

não, o rebolado
como diria bandeira,
do conde julião;
não, o rebolado
da opressão

mas o rebolado das belas tetas, dos belos e cheios, principalmente cheios, quadris
não o rebolado dos rebuçados americanos
– tylenóicos, aspirínicos, sonambúlicos, abulínicos, apolínios –
mas o requebrado das mulheres, sem mais.

os rebolados das bundas que ajeitam as calças para que elas modelem para que elas refaçam com mão e observação de artista a matéria do corpo que só a matéria sobrevive na imagem dionisíaca da mulher. desta matéria, o estupor – êxtase e entusiasmo – perene que, se foge à medida exata do deixar livre a bunda e prendê-la nos panos da calça, não mais permite ao rebolado

o seu rebolar

entretanto, quem mais afeito ao corpo vara, ao corpo büdchen, de rebolado não fala;
fala da imprecisão metódica com que os pós-corpos posam,
com que os pós corpos – estrelas – impõem como corpos.
descorpos que são a medida exata do nada cigarro
do nada bebida
do nada combustão
corpos que se espelham
em guatánamo
em gaza
nos guetos

um corpo vara é também um corpo político
que apaga do corpo o que do corpo urge
diria até que o que urge apagar está na periferia do corpo
em seus azedumes
no cancro, nos gazes, nas pústulas – na urina e fezes.

um corpo vara corre o risco de apagar o que o espírito faz urdir em segredo no corpo a incontenção do errôneo – do infarte,
da cantada,
da trepada
do tesão.

o corpo vara é um corpo limpo – assim mesmo como quando os generais mandavam limpar a casa, ou como quando os eugeniastas mandavam salvar a raça ou mesmo quando os aristocratas mandavam purgar o sangue – o corpo vara é um corpo canalha

um corpo vara não é um corpo marilim
não é corpo suicida, como o de carmem miranda

um corpo vara não vara madrugadas
não cai, não se desequilibra nem nunca leva porrada
um corpo vara é um corpo campeão
como o de uma vaca

não o corpo daquelas vacas palustres
que andam rebolando as ancas
que andam ruminado tesão
que essas antes de tudo
rebolam felizes
pelo que são

ou ainda o corpo égua
como os das gregas
como o das mulheres de dioniso
que relincham e põem a seus pés
o cortejo dos deuses

um corpo que rebola
permite-se ser cachorra
cadela
aluvião

um corpo que rebola
que quebra
requebra

seja no levantar da calça
seja no passar pela catraca da contenção

um corpo que rebola
que quebra
e requebra

é contra o corpo vara
é corpo social
derrisão

(oswaldo martins)

quinta-feira, 26 de março de 2009

A ingaia ciência

A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estrela,

a madureza vê, posto que a venda
interroga a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência

e nem contra si mesma. O agudo alfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.

(Carlos Drummond de Andrade - Claro Enigma)

Reparem como é estupendo o ponto após o "nem contra si mesma". O Drummond de Claro Enigma é o que mais me agrada, pela consciência de si, pela consciência de nós.

se

sábado, 21 de março de 2009

Dois poemas do Cesar

1.
espuma

dente da onda
beijo do chopp

avesso do fogo
mãe da bolha de sabão

o suor dos cavalos
& a raiva do cão

crista sem galo
força sem falo

espuma faz
& se desfaz

transpira
& expira

some
& talvez
nos deixe

o nome

2.
uma palavra
se corta
se empenha
se dá

palavra de honra

uma palavra
se cumpre
se tira da boca
se mede

palavra-chave

uma palavra
se molha
se toma
se pede

palavra-fácil

uma palavra
se tem
se pega
se pesa

palavra cruzada


uma palavra de rei
que não volta atrás
e pode não ser

a última palavra

Cesar Cardoso

sexta-feira, 20 de março de 2009

Recomendando Leitura 13

1 – Bosque da Maldição – Miodrag Pávlovith – Poesia sérvia. Trad. Aleksandar Jovanovié. Editora UNB. 2003
2 – O Fantasista – Hernán Rivera Letelier – Prosa chilena – Trad. André Costa. Rocco. 2008
3 – Diário de um ano ruim – J. M. Coetzee. Prosa sul-africana – trad. José Rubens Siqueira. Cia das Letras. 2008. Belo livro. Coetzee tem sido, a cada livro, uma leitura que me encanta e faz pensar. Sem dúvida, do que ando lendo aqui e ali, os livros do autor me impressionam pela qualidade da escrita e pela inventividade da prosa.
4 – São Diabo – Manfredo Kempf – Prosa boliviana – Trad. André de Oliveira Lima. Ed. Alfauara. 2008.
5 – A idade do serrote – Murilo Mendes – Prosa brasileira (memórias) – Ed. Record. 2003.

Poema do dia

Pacificação
Nas trevas
Uma abelha
perfura os olhos
do moribundo

O cego
ergue as mãos
o punho recende
a flor

Um sol miúdo
ingressa pela porta
Sangue escorre pelo vidro

Aviso
aos que enxergam longe

(Miodrag Pávlovitch – trad. Aleksandar Jovanovié)

Miodrag escritor, nascido em 1928, é contista, dramaturgo e um dos maiores nomes da poesia sérvia contemporânea.

terça-feira, 17 de março de 2009

Diário de um ano ruim

Lembro-me que, em 1990, publiquei uma coletânea de ensaios sobre a censura. Não causou grande impressão. Um comentarista qualificou-a de irrelevante para a nova era que apenas começãva, e era inaugurada pela queda do Muro de Berlim e pela fragmentação da União Soviética. Com a democracia liberal global ali virando a esquenia, disse ele, o Estado não terá razão para interferir em nossa liberdade de escrever e falar o que quisermos; e, de qualquer forma, a nova mídia eletrônica impossibilitará o monitoiramento e o controle das comunicações.
Bem o que vemos hoje, em 2005? não só a reemeergência das antiquadas restrições do tipo mais raso à liberdade de expressão - vejam-se as legislações dos Estados Unidos, do Reino Unido e agora da Austrália - mas também o monitoramento (por agências escusas) da comunicação telefônica e eletrônica do mundo inteiro. É o déjà vu todo de novo.
Não deve haver mais segredos, dizem os novos teóricos da monitoramento, querendo dizer algo bastante interessante: que a era em que os segredos contavam, em que segredos podiam exercer seu poder sobre a vida do povo (pense no papel dos segredos em Dickens, em Henry JAmes) se acabou; nada que valha a pena saber pode escapar de ser revelado em questão de segundos e sem grande esforço; a vida privada é, sob todos os aspectos e para todos os fins, uma coisa do passado.
(J.M. COETEZEE)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Argentina Fadista

o sopro que emana
do corpo de Argentina Santos
(certamente hão de dizer ser
voz
pois se precisa de sentido)
é vento a brincar
com lençóis brancos
pendurados
vento que vem
e não quer ir embora
de tanto que brinca com as dobras
dobraduras
que ele mesmo cria
ou do corpo de Argentina.


(Elesbão Joaquim)

domingo, 15 de março de 2009

nebulosas

3
nebulosas

fez silenciarem as possibilidades de seu grito
athur que andava como um lêmure que voava
como uma mosca; arthur, aquele do mundo o
que propôs nebulosas nos garfos nas canecas

um desconhecido universo uma desconhecida
aptidão para erros garfo entregue à desmesura
do acerto retilíneo das paixões – árcade poeta
dos objetos de velas pandas arbítrio da lógica

que fez navegaram os veleiros nos carros nas
asas das canecas como se nos mares de antes
como se anfíbios passaportes interrogassem o
ambíguo doesto suspenso pelas rodas do mar

que navegam rodas quando feitas de madeira
que navegam palavras quando creem imagens
que navegam imagens quando o mar não-ser
de mim que navega o eu quando se fecha o a

navegar

(oswaldo martins)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Poema do dia

ELEGIA

Cada momento do meu coração
bebe a memória do teu morto nome,
e este meu resto, em fuga, se consome
entre musgos de cinza e escuridão;

nem a memória só do morto nome,
mas o calado rosto, a inútil mão,
a voz, o peito, a prematura fome
da vida no menino (e homem) de então.

Meu lembrar-te, buscando-te sem onde,
caminha, e amargamente sobe a rua
e o seu silêncio palido de cal.

Sobe, e na triste pedra que te esconde
deixa apagada flor, antiga lua,
póstumo olhar sem tempo, de água e sal.

(Abgar Renault - A lua sob a lápide)

terça-feira, 3 de março de 2009

azul


as bailarinas de degas

3

as narinas fremiam de arrancá-las
dos quadros

supunham cheiro de tinta
almíscar

sombras de divãs
nos camarins

roupas deixadas
aos pés

da bailarina


8

o pano que recobre o divã
é um movimento

contínuo

do corpo que se dobra
até a ponta dos pés

segunda-feira, 2 de março de 2009

Dois cavalos

1 De Os Sertões

Morrera no assalto de 18 de julho. A coronha da mannlicher estrondada, o cinturão e o boné jogados a uma banda, e a farda em tiras, diziam que sucumbira em luta corpo a corpo com adversário possante. Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada que lhe sulcara a fronte, manchada de uma escara preta. E ao enterrar-se, dias depois, os mortos, não fora percebido. Não compartira, por isto, à vala comum de menos de um côvado de fundo em que eram jogados, formando pela última vez juntos, os companheiros abatidos na batalha. O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de um fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses -- braços largamente abertos, rosto voltado para os céus, para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas fulgurantes...

E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos, de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranqüilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um verme -- o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria -- lhe maculara os tecidos. Volvia ao turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluto, mas sugestivo, a secura extrema dos ares.

Os cavalos mortos naquele mesmo dia semelhavam espécimens empalhados, de museus. O pescoço apenas mais alongado e fino, as pernas ressequidas e o arcabouço engelhado e duro.

À entrada do acampamento, em Canudos, um deles, sobre todos, se destacava impressionadoramente. Fora a montada de um valente, o alferes Wanderley; e abatera-se, morto juntamente com o cavaleiro. Ao resvalar, porém, estrebuchando malferido, pela rampa íngreme, quedou, adiante, à meia encosta, entalado entre fraguedos. Ficou quase em pé, com as patas dianteiras firmes num ressalto da pedra... E ali estacou feito um animal fantástico, aprumado sobre a ladeira, num quase curvetear, no último arremesso da carga paralisada, com todas as aparências de vida, sobretudo quando, ao passarem as rajadas ríspidas do nordeste, se lhe agitavam as longas crinas ondulantes . . .

Quando aquelas lufadas, caindo a súbitas, se compunham com as colunas ascendentes, em remoinhos turbilhonantes, à maneira de minúsculos ciclones, sentia-se, maior, a exsicação do ambiente adusto: cada partícula de areia suspensa do solo gretado e duro irradiava em todos os sentidos, feito um foco calorífico, a surda combustão da terra.

Fora disto -- nas longas calmarias, fenômenos óticos bizarros.

(Euclides da Cunha)


2 de Pedro Páramo


Um caballo pasó AL galope donde se cruza la calle real com El camino de Contla. Nadi elo vio. Sin embargo, uma mujer que esperaba em lãs afueras Del pueblo conto que havia visto El caballo corriendo com lãs piernas dobladas como si fuera a ir de bruces. Reconoció El alazan de Miguel Páramo. Y hasta penso: “esse animal se va a romper la cabeza.” Luego vio cuando enderezaba el cuerpo y, sin aflojar la carrera, caminaba com el pecueza echado hacia atrás como si viniera asustado por algo que había dejado Allá atrás.

(Juan Rulfo)