quarta-feira, 29 de abril de 2009

RÁDIO RELÓGIO 4

Vamos em frente que atrás vem gente!

19 horas, 34 minutos e 55 segundos.

Dentre as muitas histórias que Macunaíma conta há uma em que o herói nos faz saber porque dentro do mato é sempre escuro mesmo durante o dia.

19 horas e 36 minutos.

...e a tigre preta ficou tão feito fúria. E correu atrás da onça parda. Foi uma chispada mãe por esses matos que chii! Os passarinhos se tornaram pequetitinhos pequetitinhos de medo e a noite levou um susto tamanho que ficou paralítica. Por isso que quando faz dia em riba das árvores, dentro do mato é sempre noite. A coitada não pode mais andar.
Mário de Andrade, Macunaíma

Você sabia?
19 horas e 40 minutos.Vamos em frente que atrás vem gente!
19 horas e 41 minutos.
Você saberia o que o herói "dizeria" se ele soubesse que atrás da gente está o LEÃO ?

(Elesbão Ribeiro)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

1

construir o caos
um antídoto para as indagações

como um desver da cidade

em suas ruas
a infecção dos becos

a cidade
e a geometria

de suas tristezas infinitas


(oswaldo martins)

Recomendando Leitura 14

1 – As nuvens – Juan José Sauer. Cia. das Letras. 2008. Tradução Eloisa Jahn. Literatura argentina.
2 – O Esquadrão Guilhotina – Guilhermo Arriaga. Gryphus. 2008. Tradução Carla Branco. Literatura mexicana
3 – A Viagem do Elefante – José Saramago. Cia das Letras. 2008. Literatura portuguesa.
4 – O Controle do Imaginário e a Afirmação do Romance – Luiz Costa Lima – Cia das Letras. 2009. Teoria da Literatura.
5 – Nostromo – Joseph Conrad – Cia das Letras. 2007. Tradução José Paulo Paes. Literatura inglesa.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

o estandarte da sensatez

Para Cesar Cardoso e Cibele


quem este de imagens descritivas carrega nas mãos o mundo
o mundo cabe num pedaço tênue da voz quem vocifera pano
e arruma arrojos dispõe a ordem da sibila e do caos este que
sopra desavindo personagem dos sertões conselheiro ébrio o

que navegante da solidão troca silêncios enternecido quase
a ponto de verter ingente o mundo o mundo como não este
quem em si a disposição se faz por ordem de palavras e reta
traços e pano e cama e voos dispostos do navegante ébrio o

quem de ameias e muralhas ensandecido obriga nos desvãos
do pensamento o certeiro construir do cheiro do pespego do
azul onde brilham sóis e a translúcida forma de pensar este
azul a arte como se faz retalhar o mundo e surgir um outro

em seu lugar

(oswaldo martins)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Rádio Relógio 3

Num de seus assédios à Marília, disse Dirceu,as glórias que vêm tarde, já vêm frias

16 horas, vinte e 5 minutos e nove segundos

Você sabia que a folhagem de urtiga é um eficaz afrodisíaco?

16 horas, 20 e cinco minutos e 40 segundos

Você sabia que era com folhagem de urtiga que Ci, Mãe do Mato, reanimava Macunaíma quando ela cansava o herói de tanto brincar?

16 horas, 20 e seis minutos e vinte e 8 segundos.

"- Você não continua?- Continua o quê!- Pois, meus pecados, a gente está brincando e vai você pára no meio!
- Ai! que preguiça...Macunaíma mal esboçava de tão chumbado. E procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia feliz.
Então para animá-lo Ci empregava um estratagema sublime. Buscava no mato a folhagem de fogo da urtiga e sapecava com ela uma coça no chuí do herói e na nalachítchi dela. Isso Macunaíma ficava um lião querendo. Ci também. E os dois brincavam que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso.Mas era nas noites de insônia que o gozo inventava mais".



Mário de Andrade, Macunaíma
16 horas e...
(Elesbão Ribeiro)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Radio relógio 2

zero hora(s) e 12 minutos.

Você sabia que carrapato já foi gente?

zero hora(s), 12 minutos e 45 segundos.

Carrapato já foi gente que nem nós... Uma feita botou uma vendinha na beira da estrada e fazia muitos negócios porque não se incomodava de vender fiado. Tanto fiou tanto fiou, tanto Brasileiro não pagou que afinal carrapato quebrou e foi posto pra fora da vendinha. Ele agarra tanto na gente porque está cobrando as contas.

Mário de Andrade, Macunaíma*

zero hora(s), 15 minutos e 20 e sete segundos.

você sabia que...

* um livro para crianças com qualquer idade.

(Elesbão Ribeiro)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Eugênio Hirsch

Ontem, dia 15, fui ao lançamento do livro do Luiz Costa Lima. Encontrei amigos que não via há um bom tempo. Com um deles, o Cláudio Leitão, passei pelo Mama Rosa, para um papo. Entre as lembranças e algumas apreciações do mundo, lembramos o Eugênio, amigo mais que cem por cento. Talvez o único a quem obedecia quando falava-me para colocar um capote, por causa do frio. Punha-o e curtia o calor que o casaco causava.

Eugênio foi conviva de minha família nos seus últimos anos de vida. Walnice, os meninos, assim como eu, gostávamos da presença dele, ouvíamos com prazer renovado as histórias que brotavam ininterruptas das histórias do Eugênio. Vivemos algumas e pudemos desfrutar do inusitado que elas continham.

De uma feita, Walnice, a quem Eugênio chamava Walquiria, havia combinado de ir a uma exposição com ele. Marcaram hora para que passasse aqui em casa. Por um desses acasos curiosos, que ilustram as várias possibilidades da vida, perto da hora marcada, Wal subiu à casa da vizinha para uma conversa rápida. Neste meio tempo, bateu na porta de casa o Eugênio e, à moça que trabalhava para nós, perguntou pela Walquiria. Como a pessoa que o atendeu lhe dissesse que ali não morava Walquiria alguma, Eugênio voltou para casa. Walnice/Walquiria ficou esperando por ele e a exposição, ora, essa ficou para outro dia.

(oswaldo martins)

Rádio relógio 1

São 14 horas, 16 minutos e 30 segundos.

Você sabia: ... que não se deve acender três cigarros com um só fósforo. o que pode ocasionar a morte do terceiro fumante. Voce sabia que essa crendice tem duas interpretações: a primeira seria propaganda indireta das fábricas de fósforos, forçando maior consumo do artigo; a outra pretende remontar à guerra de 1914: enquanto o fósforo permanecesse aceso, o inimigo fixava o alvo e matava o dono do terceiro cigarro.
São 14 horas, 17 minutos e 13 segundos.
Você sabia que...
Ps- o texto acima, levemente modificado, é do Cavalcanti Proença, Roteiro de Macunaíma.
(Elesbão Ribeiro)

Poema Para a Nudez de Ítala Nandi

Ítala Nandi despiu-se
Tirou suas roupas desnecessárias
E não conseguiu ficar nua:
Sua bunda, seus seios minúsculos, sua babaca pequenina,
São as mesmas da primeira nudez em que nasceu.

Apenas ficou lisa
Apenas entrou na periferia
De um corpo nu pintado: de Cranach ou de Balduing.
- Nudez de Eva, a primeira mulher.

Ítala Nandi, porque escondeste
Por tanto tempo a todos nós
Tua santa e secreta nudez?
Tua nudez sagrada
Nudez para ser beijada

Com esse nu, tão assim de superfície
Todo o teu esforço no sentido da arte erótica
Onde a platéia e os atores são os mesmos,
Dás apenas o efeito tátil de pouca penetração

Com essa primeira e indígena nudez
Ítala Nandi, é quando te vestes
Que ficas nua

(Joaquim Cardozo)

Este poema ditado pelo Cláudio Leitão vai em homenagem a uma Tatiana, ao Joaquim e à nudez sem pejo da beleza.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Dois poemas de Cesar Cardoso

1.
lutefisk corta essa
& costura umas cuecas
com minha bandeira vermelha
a revolução do corpo & o q der na telha
vamos para beltranópolis
vender drops risadas
levo minha banheira cheia de panfletos
dois gatos no gueto
você não vem comigo lutefisk?
Vamos ser felizes pra caralho
lutefisk
a revolução & nossas cuecas vermelhas
refazer a grande marcha
traz os adidas
não esquece de nada lutefisk
vamos ter um sono morno
nossas cabeças juntinhas
enfiadas no forno


2.

clic

ontem te vi na tevê
no meio de cores & caras
triscateiros vendendo sagüitarras
naturânios babaquários
bostentavam descrediários
cremes & massacrários
falsérios rififando garimpérios
urbelas nosferas maninfetas
fiofóruns frutas trutas & mamutretas
tremilicos bocalculavam
glamores dó-ré-mi-fatais
margente como o quê
o erre o esse & o tê
ontem te vi na tevê
o enterro tava um luxo
& o defunto era você

Estes dois poemas fazem parte do livro A Nossa Moranguíssima Paixão, publicado pela Editora da UERJ, em 1994. O livro está esgotado e o autor também.


(Cesar Cardoso)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Um Rebolado no Meio do Caminho

Em Marrakesh
uma mulher me pegou pela mão:
guiava-me
nos vapores (sem ardores) do banho coletivo.

Nunca me esquecerei desse acontecimento:
o mistério desse espaço
fechado – mas difusamente iluminado,
onde corpos femininos,
diferentes de todos os que eu antes conhecera,
descansavam
depois da ablução.

Corpos reais:
curvas, banhas, tempo neles tatuado.
Corpos nus, corpos corpos,
corpos de mulher
por outras mulheres – e só por elas – vistos.

Naquele espaço fumoso e velado
onde se adentra com as retinas
reduzidas
pela luz inclemente do deserto:
o sol lá fora sempre (esse deus tão masculino)...

Lá dentro, protegidas, purificadas
e nuas,
as mulheres
percebem da vestida estrangeira
o espanto,
o medo talvez.

Uma delas - a mais velha - lhe oferece a mão,
como a dizer:
- Aqui estamos! És uma de nós, se achegue...

Nas minhas retinas
e no meu corpo fatigado
esse acontecimento
nunca será esquecido.

As mulheres de Marrakesh
estavam ali relaxadas.
Como também relaxam quando dançam.
Contorcionistas
de si mesmas e de sua espécie.

Fechei os olhos e as vi:
bailavam com esses mesmos corpos
- inusitados -
em diáfanos trajes,
com rebolados que em minha terra
também há
(mas diferentes).
Em círculos completos,
ou desenhando o infinito
(sem os pezinhos marcados da minha terra,
por exemplo).

Mas, por exemplo,
a sabedoria,
essa não diverge.

(Dizem que também há homens
contorcionistas no baile oriental.
Mas esses vão aos banhos em outras horas:
não os vi, nem me seria permitido).

Fico então
com o rebolado que conheco e reconheço
em corpos semelhantes ao meu.
Tentada a concluir
que requebros e rebolados
são artes femininas.

Mas a metáfora gasta não me satisfaz.
Se assim o fosse,
porque aquele homem sentado na porta dos públicos banhos,
em Marrakesh me disse:
- Entre, essa hora é para mulheres...
Ou porque esse amigo, homem bem homem
propõe o desafio do rebolado?

O grande mistério
é apenas quebrar-se o corpo que não requebra,
seja ele de homem,
seja ele de mulher.

(Não era uma pedra,era um rebolado mo meio do caminho).

(Lídia V. Santos

Um livro fenomenal

Acabei de ler o DIÁRIO DE UM ANO RUIM de J. M. Coetzee. O livro – como a testar os limites da narrativa – desenvolve-se numa trama em que as opiniões do narrador vão se colocando e se modificando a partir do momento em que a segunda narrativa dá conta da relação entre o narrador e a digitadora de seus textos. Há um segundo desdobramento que vem a ser a terceira narrativa na qual a digitadora e seu companheiro conversam sobre o que escreve o narrador e digita a secretária. Homens de épocas diferentes, os dois duelam pela simpatia da Filipina. O que um diz, diz a respeito do que o outro desdiz. De uma escrita clássica sobre diversos temas, passa-se para a percepção do imediatismo econômico da contemporaneidade, para a percepção do que se deveria dizer a partir do senso-comum. Cada plano narrativo se desenvolve na página mesma em que um e outros se escrevem. Como ler? Devem-se seguir as opiniões até o final? Deve-se seguir a narrativa da Filipina? Seguir a o diálogo da digitadora e seu companheiro? Deve-se ler o livro três, quatro vezes? A escrita de Coetzee brinca com as opções do leitor.

(oswaldo martins)

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O CONTROLE DO IMAGINÁRIO & A AFIRMAÇÂO DO ROMANCE


Luiz Costa Lima vem desenvolvendo, ao longo dos anos, um projeto de estudo da literatura único. Desde o princípio de sua trajetótia, Costa Lima busca definir o poético e suas relações com o saber. Mergulhado nas questões que definem o poético, o longo trajeto teórico que empreendeu e empreende tem-nos ensinado ser possível não só a coerência das ideias, mas sobretudo, que o pensar sobre poético é uma tarefa de desvendamento da capacidade intelectiva do homem. Incansável, Luiz, para além de seus livros e aulas, permitiu que várias gerações tivessem contato com não menos diversos pensadores de também diversas partes do mundo. Se alguns escritores nos tiraram do isolamento autocontemplativo de nós mesmos, Luiz nos permitiu o contato com o que de novo e consistente se produzia no mundo acerca da teoria literária, sem abdicar do diálogo crítico que implica em discussão e discordância.
(oswaldo martins)