sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Lamento por ser Cesário Verde autor de pequena obra

A mim mesmo, que tenho a pretensão
De ter saúde, a mim que adoro a pompa
Das forças, pode ser que se me rompa
Uma artéria, e me mine uma lesão.

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.

Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!


E as enxós de martelo, que dum lado
Cortavam mais do que as enxadas cavam,
Por outro lado, rápidas, pregavam,
Duma pancada, o prego fasquiado!

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.


Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!


O meu ânimo verga na abstração,
Com a espinha dorsal dobrada ao meio;
Mas se de materiais descubro um veio
Ganho a musculatura dum Sansão!

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.

Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!

E assim - e mais no povo a vida é corna -
Amo os ofícios como o de ferreiro,
Com seu fole arquejante, seu braseiro,
Seu malho retumbante na bigorna!

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.

Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!


E sinto, se me ponho a recordar
Tanto utensílio, tantas perspectivas,
As tradições antigas, primitivas,
E a formidável alma popular!

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.


Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!


Oh! Que brava alegria eu tenho quando
Sou tal qual como os mais! E, sem talento,
Faço um trabalho técnico, violento,
Cantando, praguejando, batalhando!


Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.


Morreu de tísica.

Com menos dez anos
Outros poetas
Escreveram mais!


Aspiro um cheiro a cozedura, e a lar
E a rama de pinheiro! Eu adivinho
O resinoso, o tão agreste pinho
Serrado nos pinhais da beira-mar.



Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.


Morreu de tísica.


Fosse romântico
Escreveria mais.

Que pena
Cesário Verde escrever
Tão pouco.
(Elesbão)

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