Ao se comparar a arte de Tolstói com a de Maupassant, percebe-se que o mestre francês tende a omitir o segundo termo do paralelo. Em um conto de Maupassant, esse elemento - seja o padrão tradicional do conto ou a perspectiva convencional da burguesia francesa - está sempre implícito. Em muitos dos seus contos, Maupassant descreve a morte de um camponês; ele o faz com muita simplicidade, ainda que a torne "estranha": a descrição literária convencional da morte de um habitante de uma cidade funciona, por implicação, como fonte de contrarste, embora tal descrição não apareça, de fato, no conto.
Pode-se dizer que, desse ponto de vista, Tolstói é mais grosseiro que Maupassant. ele precisa de um paralelo explícito, por exemplo, o contraste entre a cozinha e a sala de visitas em Os frutos da ilustração. Isso pode ser explicado pela maior disponibilidade da tradição literária francesa. O leitor francês é mais sensível a uma violação do Cânon, ele identifica os termos do paralelo mais prontamente do que o nosso leitor (o russo), cuja idéia de norma é mais nebulosa.
Diag-se de passagem que, quando falo de tradição literária, não tenho em mente o que um autor toma emprestado de outro. Vejo a tradição de um escritor como sua dependência em relação a um conjunto de normas literárias preexistentes, assim como a tradição de um inventor é a soma total dos recursos técnicos disponíveis em dado momento.
(Chklóvski, Victor - in: Os paralelos de Tolstói por Victor Chklóvski - retirado do livro O diabo e outras histórias)
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