terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Averno

1
turva delícia
composição de fados

textura do caos
no limite

deste sorriso
embaciado

2
torpe delícia
do silêncio

a voz nenhuma
o cativeiro

das palavras

3

diriam as palavras
em sua azáfama

a língua vil
engastada

nos dias

4

depois dos dias
a língua

das palavras

vidrenta
para aquém de si

revelaria
o nada

5

as tarefas
e os dias

nada de nada
deixam que reste

soturna
na delícia

das manhãs cavas

6

não vale coisa a coisa
tudo em seu sentido

harpa
delta
corcovados

quando a palavra
sabe de si

e emudece

7

os passantes passam
não há segundo
não há destino

nem quando ela olha
nem quando o outro

averno

olha os passantes
que apenas passam

8

havia
um marchant d’allumets

que olhou
por baixo da saia

da mulher que passava

veio um cão

sarnento cão
que afagou o nada

e se foi


9

um oco
lúcido

a lucidez do oco

a morfina do não
revela

os dias
quando os dias

cessam

10

turva delícia
lábios

ou antes
dentes

ou ainda
antes

a mandíbula
do morto

(oswaldo martins)

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