Falação
Contra o artista serviçal escravo
da vaidade (…) A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza (Vaz, 2011,
p. 51).
É à fala que nos referimos, por
ela nos pautamos ao criar métodos de aproximação da poesia que vem falando, nos
últimos 10 anos, das periferias urbanas brasileira (a preposição, aqui, é
ambígua e demarca simultaneamente assunto e origem). Conceber poesia a partir
da longa tradição ocidental e escrita e apor ao termo o gentílico brasileira
são estratégias de pensamento que desconsideram que a sociedade desse país se
organiza a partir de complexas raízes da escravidão, do racismo e do
analfabetismo. Caetano Veloso, numa famosa canção alardeava: “deixem os
portugais morrerem à míngua / minha pátria é minha língua / Fala Mangueira”.
Mais à frente, na mesma canção (“Língua”, do disco Velô, de 1986), concluirá:
“A língua é minha pátria e eu não tenho pátria, tenho mátria e quero frátria”.
Caetano Veloso fala de uma mesma
frátria órfã (Khel, 2003), que vai se afirmando no canto-falado de manos e minas.
Um desses manos, Dugueto Shabazz (ou Ridson Dugueto), diferentemente do “latim
em pó” do baiano, falará de um “latim afrofavelizado” (Ferréz, 2005, p. 83). As
afirmações de identidades culturais contemporâneas, especialmente as de
minorias étnica, social e economicamente discriminadas, tensionam as afirmações
de uma identidade nacional monolítica, ainda que pautada pela diversidade.
Menos que a unidade macunaímica, o que a fala de Dugueto Shabazz demarca é a
diferença. A vontade de ser diferente. É como se, glosando a canção de Veloso,
o poeta da favela perguntasse como pode Mangueira falar, se o lema é tão
pessoal, luso pessoano e nacionalista – minha pátria é minha língua? E
concluísse: “mas minha língua não é essa, a do colonizador. Cansei de ser mulato
sabido!”
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