Medir os passos com as mãos espalmadas, pelas paredes laterais, somando os que foram dados para frente. Relativizar a retidão do caminho. Esbanjar luz, economizar em espaço, abrir paredes, enfileirar tijolos, colocar ou não espelhos. Clarear uma sala com uma clarabóia, esticar vidros acima da escada para cortar o ruído do piso inferior. Pedir que as crianças se calem na hora da comida ou levá-las para cima durante as refeições e dormir depois do almoço em um quarto atrás dos corredores estreitos e duros. Um sono de cansaço, de bebida, de ter vivido demais. A casa batendo por dentro, martelando os parafusos ao contrário, cuspindo-os como dentes demasiadamente utilizados. Uma heresia de sensações. A casa quer explodir. Perguntar para quem a construiu qual será, qual terá sido seu nome. E quando eu morrer? Quem vai regar as plantas que tingem de verde a copa onde me sento e leio o jornal aos domingos? Quem vai povoar os primeiros degraus de sapatos abandonados esperando ser levados para cima no final do dia? E se eu não morrer nunca, quem irá desfazer essa casa e pintá-la por cima da cor que escolhi para que continue a recontar o destino de todas as casas, em todas as cidades em todos os cantos do mundo? Eu quero uma casa multicolorida e sobreposta. A morte, no final de tudo. É ela que povoa a minha casa. Abrir uma janela no sótão, vou contratar um pedreiro amanhã mesmo.
(Lúcia Leão)
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