A Poesia
A ação da crítica seria sobretudo
eficaz em relação à poesia. Dos poetas que apareceram no decênio de 1850 a
1860, uns levou-os a morte ainda na flor dos anos, como Álvares de Azevedo,
Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, cujos nomes excitam na nossa mocidade
legítimo e sincero entusiasmo, e bem assim outros de não menor porte. Os que
sobreviveram calaram as liras; e se uns voltaram as suas atenções para outro
gênero literário, como Bernardo Guimarães, outros vivem dos louros colhidos, se
é que não preparam obras de maior tomo, como se diz de Varela, poeta que já
pertence ao decênio de 1860 a 1870. Neste último prazo outras vocações
apareceram e numerosas, e basta citar um Crespo, um Serra, um Trajano, um
Gentil-Homem de Almeida Braga, um Castro Alves, um Luís Guimarães, um Rosendo
Moniz, um Carlos Ferreira, um Lúcio de Mendonça, e tantos mais, para mostrar
que a poesia contemporânea pode dar muita coisa; se algum destes, como Castro
Alves, pertence à eternidade, seus versos podem servir e servem de incentivo às
vocações nascentes.
Competindo-me dizer o que acho da
atual poesia, atenho-me só aos poetas de recentíssima data, melhor direi a uma
escola agora dominante, cujos defeitos me parecem graves, cujos dotes —
valiosos, e que poderá dar muito de si, no caso de adotar a necessária emenda.
Não faltam à nossa atual poesia
fogo nem estro. Os versos publicados são geralmente ardentes e trazem o cunho
da inspiração. Não insisto na cor local; como acima disse, todas as formas a
revelam com mais ou menos brilhante resultado; bastando-me citar neste caso as
outras duas recentes obras, as Miniaturas de Gonçalves Crespo e os Quadros de
J. Serra, versos estremados dos defeitos que vou assinalar. Acrescentarei que
também não falta à poesia atual o sentimento da harmonia exterior. Que precisa
ela então? Em que peca a geração presente? Falta-lhe um pouco mais de correção
e gosto; peca na intrepidez às vezes da expressão, na impropriedade das imagens
na obscuridade do pensamento. A imaginação, que há deveras, não raro desvaira e
se perde, chegando à obscuridade, à hipérbole, quando apenas buscava a novidade
e a grandeza. Isto na alta poesia lírica, — na ode, diria eu, se ainda
subsistisse a antiga poética; na poesia íntima e elegíaca encontram-se os
mesmos defeitos, e mais um amaneirado no dizer e no sentir, o que tudo mostra
na poesia contemporânea grave doença, que é força combater.
Bem sei que as cenas majestosas
da natureza americana exigem do poeta imagens e expressões adequadas. O condor
que rompe dos Andes, o pampeiro que varre os campos do Sul, os grandes rios, a
mata virgem com todas as suas magnificências de vegetação, — não há dúvida que
são painéis que desafiam o estro, mas, por isso mesmo que são grandes, devem
ser trazidos com oportunidade e expressos com simplicidade. Ambas essas
condições faltam à poesia contemporânea, e não é que escasseiem modelos, que aí
estão, para só citar três nomes, os versos de Bernardo Guimarães, Varela e Álvares
de Azevedo. Um único exemplo bastará para mostrar que a oportunidade e a
simplicidade são cabais para reproduzir uma grande imagem ou exprimir uma
grande idéia. N'Os Timbiras, há uma passagem em que o velho Ogib ouve
censurarem-lhe o filho, porque se afasta dos outros guerreiros e vive só. A
fala do ancião começa com estes primorosos versos:
São torpes os anuns, que em
bandos folgam,
São maus os caititus que em varas
pascem:
Somente o sabiá geme sozinho,
E sozinho o condor aos céus
remonta.
Nada mais oportuno nem mais
singelo do que isto. A escola a que aludo não exprimiria a idéia com tão
simples meios, e faria mal, porque o sublime é simples. Fora para desejar que
ela versasse e meditasse longamente estes e outros modelos que a literatura brasileira
lhe oferece. Certo, não lhe falta, como disse, imaginação; mas esta tem suas
regras, o estro leis, e se há casos em que eles rompem as leis e as regras, é
porque as fazem novas, é porque se chamam Shakespeare, Dante, Goethe, Camões.
Indiquei os traços gerais. Há
alguns defeitos peculiares a alguns livros, como por exemplo, a antítese, creio
que por imitação de Vítor Hugo. Nem por isso acho menos condenável o abuso de
uma figura que, se nas mãos do grande poeta produz grandes efeitos, não pode
constituir objeto de imitação, nem sobretudo elementos de escola.
Há também uma parte da poesia
que, justamente preocupada com a cor local, cai muitas vezes numa funesta
ilusão. Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes
de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e
nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os
seus toques, e que estes sejam naturais, não de acarreto. Os defeitos que
resumidamente aponto não os tenho por incorrigíveis; a crítica os emendaria; na
falta dela, o tempo se incumbirá de trazer às vocações as melhores leis. Com as
boas qualidades que cada um pode reconhecer na recente escola de que falo,
basta a ação do tempo, e se entretanto aparecesse uma grande vocação poética,
que se fizesse reformadora, é fora de dúvida que os bons elementos entrariam em
melhor caminho, e à poesia nacional restariam as tradições do período
romântico.
(Machado de Assis)
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