sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mariinha

Mariinha, a de saudosa memória, a sábia puta. Lembro-me dela, já velhinha, saracoteando daqui para ali. Um dedo de prosa, um olá simpático, um “como vai o Doutor” marcavam nossa conversa pelas ruas da cidade. Às vezes a acompanhava, às vezes não. A todos reconhecia e cumprimentava, fora de muitos pais alcoviteira; dos avôs, amante. Das esposas era a confidente eterna. Tratava carinhosamente os netos e filhos de seus clientes, via se já estavam taludos e prontos para o ofício da vadiagem, mantinha-se informada sobre a sua descendência.
Conhecia as putas de então, as visitava, aconselhando, assim como aconselhava as senhoras mais antigas sobre a vantagem de manterem os lares intactos e seus esposos cativos. Não chegava a ensinar truques, mas indicava e percebia, num lampejo de felicidade, a alma humana em suas semelhanças.
Uma de suas máximas se aplicava de forma distinta para o mesmo problema. A paixão era sua serva e ensinava a todas serem senhoras de seus amores, que se vedavam às putas e se incentivavam nas mulheres casadas e moças casadoiras. A sábia Mariinha, a mais íntegra e completa senhora que povoou os Gerais.
Num dia em que a acompanhava até sua casa, carregando suas compras, convidou-me para tomar um café. Serviu-me a beberagem rala, como era costume; para si, um bom gole de pinga. Falou para que me sentasse e perguntou à queima roupa:
__ Antão?
Respondi-lhe com minhas dúvidas. Estava apaixonado por uma moça de sua antiga Casa, e minha família queria me encaminhar em direção a certa mocinha da cidade.
__ Adelina e Adélia? Perguntou confirmando o que já sabia. Seu pai tem orgulho de ocê ser com’ele. O mundo não tem pressa, filho. Adélia já sabe, avisei. Puta num tem paixão, num pode ter. Se tem, num chega longe e ocê – encarou-me com rigor e brutalidade – num há de querer, num né?
__ Isso significa que Adélia...
__ Gosta, sim, de seus chamegos. O meu foi o Doutor – sinto seu cheiro até agorinha – ele sabia, gostava de saber. Mas puta que se amasia tem jeito não, abre é espaço para as outras. O Doutor se regalava com os prazeres que eu lhe dava. Eu e as outras. E emendou:
__Os tempos são outros, sei. Já estou velha. O amor mudou e quase já não se ama como antigamente. Cada um quer o seu pra si, uma burrice, pruque assim o amor se vai, some, acaba. Uma burrice, num acha?
Levantou-se, me deu a mão, as faces e abriu-me as portas do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário