quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Sabedoria

Alguns temas da música popular brasileira sempre me intrigaram. Por exemplo, o do desejo de ganhar algum dinheiro nas diversas formas de loteria. Fundado pelo excepcional Etelvina, o tema é um dos mais constantes cânones de diversas músicas de nossa tradição popular.

O desejo de enriquecer tem matizes bastante curiosos. Não significa que o enriquecimento determine a alforria do trabalho, nem um montante de dinheiro capaz de proporcionar ao indivíduo uma forma de vida diferente da que leva. As soluções são mais comezinhas. Pagar o aluguel, as dívidas, ou mesmo permitir que a noitada seja boa, mesmo alguma cantada para impressionar a dama do momento, como na belíssima música, Cabrochinha, interpretada pela Mônica Salmaso, e composta por Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro.

Na contramão do dito, percebe-se como os desejos indicam toda uma carência, toda uma opressão, impressos que estão num cotidiano de dívidas, de amores frustrados. Na vida desglamourizada, sonha-se com um menu “chique”, para a cantada, e com o alívio das prestações, para a descompressão dos salários.

A vida dos magnatas interessa pouco. A ela as pessoas ‘normais’ preferem os botecos, sem que seja necessário pendurar a conta. Aos compromissos, a capacidade de aproveitar a vida. Sonha-se com dinheiro para gastá-lo, como deve ser.

Certa feita, ao ter meu velho carro estragado, no Leblon, – arrebentou qualquer coisa nas rodas – fui buscar o mecânico que cuidava do velho Corcel. Ao passarmos pela Lagoa, Bolinha comentou, numa frase síntese e deliciosa, não saber como as pessoas conseguiam morar naquele lugar, já que lhe faltavam os botequins de esquina.

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