terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Diálogos com Luiz Fernando

Oswaldo

Veja o que você pode responder, mesmo que às pressas, na lata. Seria bom ler suas respostas e/ ou indagações.

Questões:

1. O efeito da mimesis é o mesmo do esperado na teoria de Iser?

A mimesis, pelo que me parece, como o Costa Lima a apresenta, é um sistema de representação que sofre a intervenção do leitor, isto é, que é produzido quando o leitor atualiza os dados da obra que lê. Neste sentido, o pensamento de Iser, quanto a formulação do fictício, entra em contato com a teoria da mimesis, já que pressupõe o contato entre os três níveis de oposição. O real, o fictício e o imaginário. Entendo assim: a obra, por si só, não é capaz de produzir sentido, ela depende da percepção do leitor. A transgressão de limites que torna o imaginário o “como se” de um real, o real um “como se” do imaginário. A inversão desta polaridade básica só pode ser operada pelo fictício que assim se definiria. Ora, se é produção de um imaginário a partir de um real e ao mesmo tempo a produção de um real a partir de um imaginário, não me parece estarem distantes os conceitos da mimesis de Costa Lima e a Teoria do efeito estético de Iser. Há diferenças, é claro, que se notam a partir da idéia mesma provocada por Iser, ou seja, a partir do momento em que a operação do texto se dá, a construção de sentido se faz. Enquanto que, na mimesis, há a necessidade de uma atitude do leitor, em ser necessariamente crítico. Acho que é isso. Veja lá.

2. Iser inverte o primado de anterioridade do campo de referência. Pela estrutura do "como se" é o campo de referência que passa a ser mostrado ou revelado pelo fictício investido pelo imaginário. Nesse caso entende-se porque Iser possa afirmar ser a sua teoria de base não-mimética, pois a mímesis implica uma disposição para a anterioridade do objeto mimetizado. Haveria outra possibilidade e entendimento? Há somente divergência ou convergência em algum ponto entre as duas teorizações?

Acho que haja outra possibilidade de entendimento, sim. Pois a mimesis se produz em todos os campos da linguagem, neste sentido, tanto o mínimo traço da experiência surge da percepção de uma mímesis que se nega enquanto mímesis, quanto o seu traço máximo – a ficção que se toma como ficção – pode sugerir a capacidade de entendimento não de uma percepção anterior do mundo real, mas da percepção da criação deste mundo que se torna, a partir da mímesis, real. Por exemplo, se um garoto finge ser o super homem ele o é e não é, mas ao sê-lo atualiza a percepção de uma experiência que só pode se dar no nível do imaginário. Isto é, o imaginário passa a ter uma existência palpável. A própria ciência que se quis como interprete do real sofre um revés e se determina a partir de um imaginário que se forma para torná-la real. Neste sentido a teoria da mímesis é necessariamente também não mimética, ou seja, não parte do objeto a ser reproduzido e modificado parte da necessidade de criar um objeto que ao mesmo tempo seja o objeto e sua negação.


3. A noção de jogo em Iser é radicalmente oposta à noção de mímesis?

Não creio. Acho que a mímesis e a teoria da recepção estética se encontram nesta terceira margem – local ao qual apenas a linguagem tem acesso – isto é, mimesis e Iser são teorias da autonomia da arte em relação à postura platônica de sua condenação como simulacro.




4. O capítulo Terra em Os Sertões se mostra mais explanatório do ponto de vista da mímesis ou do ponto de vista do conceito de fictício investido pelo imaginário?(o mesmo se pode dizer para " Meu tio, o iuaretê"?)

A terra em Os Sertões não é simplesmente a terra, mas a cadeia lógica de um raciocínio. Serve para que Euclides possa desenvolver convincentemente seu arrazoado. Se a gente pensar bem, o discurso sobre a terra em Euclides é, de algum ponto de vista, retórico, pois vai ser peça importante para a montagem do argumento de condenação da Guerra de Canudos. Neste sentido sua paisagem seria entendida como uma mímesis clássica. O problema é que, com o suporte da teoria da mimesis, desenvolvida pelo Costa Lima, pode-se perceber que a fantasmagoria da terra – que é a fantasmagoria do Homem e da Luta – é criação não só retórica, mas criação de sentido, o que favorece a percepção da atuação do mimético como formulador que ultrapassa a realidade dada e inamovível, sem que mesmo o escritor se dê conta disso.

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Luiz Fernando: Questões
Oswaldo Martins: Resposta

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