segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O caga-teses

O Caga-teses pontifica como um papa. Desde a existência de Deus até as novíssimas invenções humanas, o Caga-teses tem sempre uma opinião balizada pela fina observação do mundo ou pelos anos de estudos . Não tem idade definida, pode tanto ser um caga velho quanto um caga novo, dizem mesmo que seu rosto é desconhecido, nunca podendo ser reconhecido pelas feições, posto que muda sempre de característica, ficando como única possibilidade de reconhecê-lo a certeza com que diz suas verdades. Encontra-se com ele nas redes televisivas, nas rádios, nos jornais, em qualquer meio de divulgação midiática; também nas universidades e nas conversas informais ou mesmo nos tribunais da justiça e nas igrejas de qualquer religião e nas academias de letras brasileira, estadual ou municipal.

Embora muito ocupado, o Caga- teses sempre tem um tempinho que utiliza para fazer com que seu interlocutor fique a par das últimas novidades da ciência, da literatura, do modo de plantar tomate ou de colher frutas, das verdades, escondidas da patuleia, que desvenda com amplo e rigoroso raciocínio sobre, por exemplo, a forma que tomam as nuvens quando sobre elas intervém a aragem que sopra a partir do Polo Norte ou dos Andes ou da Patagônia.

Sua mais intensa arma é a retórica. E que retórica, meus queridos! Cícero e Barbozinha são nada frente à capacidade de convencimento do Caga-teses, que usa uma linguagem tão perfeita que parece mesmo que está usando outro idioma. Melódica e transparente parece-se à música que toca nas rádios, mas dela difere pelo alto grau de informação sobre os fenômenos naturais, humanos e sobre-humanos que acometem o nosso sistema solar.

O quadro político se delineia com tal precisão que não temos mais que prestar atenção a ele, já que o Caga tem na ponta da língua – da sua língua, divina e maravilhosa – todas as soluções, todas as variações possíveis para explicar, por exemplo, a razão pela qual Jânio Quadros renunciou ou qual velocidade atingiu a carreta que matou o JK no momento da colisão. O Caga-teses é intimo de todos os que vivem ou já viveram um dia. Andou de Romiseta, varreu a corrupção com a vassourinha e ultimamente vocifera naquele seu estilo tonitruante contra as conquistas populares.


(oswaldo martins)

nelson cavaquinho

para oswaldo martins
  
de nariz envernizado
não sou cartola
de sapato novo
não toco viola
de terno branco
não sou ismael
sem camisa com violão no peito
à mesa de um botequim
sou eu sim

elesbão  ribeiro

28/12/14

domingo, 28 de dezembro de 2014

Os melhores livros lidos em 2014

1 – O Mestre e a Margarida – Mikhail Bulgakov – Alfagara
2 – Por escrito – Elvira Vigna – Cia das Letras
3 – 1Q84 – Murakami –  Alfaguara
4 – Mil rosas roubadas – Silviano Santiago – Cia das Letras
5 – Como se – Cláudia Chigres – TextoTerrotório
6 – O bebedor noturno – Herberto Helder – Assírio e Alvim
7 – Adonis (poemas) – Adonis – Cia das letras
8 – Páginas sem gloria – Sergio Santana – Cia das Letras
9 – Sukiyaky de Domingo – Bae Su-há – Estação Liberdade
10 – Livro das Mil e Uma Noites – tradução Mamede Mustafá Jarouche – Editora Globo


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

vênus

o mar revolto diria da beleza clássica
enquanto poseidon naufraga a moça
olha a displicente cena segura de si a
ressaltar curvas do corpo nos círculos

da água em que se abandona surgida
das arestas que se faz água em torno
do corpo que ressalta a imagem água
do corpo que distinto flutua como se

dela o corpo fosse a parte mais aguda
da beleza que as deusas anadiômenas
constroem cientes do rito instantâneo
do presente cujo tempo é movimento


(oswaldo martins)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

os desenganos da poesia metaforicamente

cabeleira extensa possuem os heróis perdidos
o amor livre de bocas de fogo tresandam nulas
que se haviam aos mares às montanhas na rua
deixavam nos deslugares as sementes e o gozo

poetas cujos umbigos – os maiores do mundo –
pendem da mesada do estado cachos de uvas
verdes dicionários tranquilos de mesmada voz
do contra pelo ao pelo dos ai jesus da piada de

50 anos idolatram os gurus indianos os lamas
tibetanos e os franciscos vaticanos e os ramos
adjetivos à pequena voz dos profissionais dos
mercados paranasianos das livrarias travessas

inventores de jargões bra brô brum das areias
e dos advérbios tão sublimes do cá e lá de 150
aninhos como se fossem penha nau tarde rosa
ferro planta os desenganos metaforicamente


(oswaldo martins)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

era poeta

para álvares de azevedo

era poeta
poeta e professor
ganhava pouco
ainda assim escrevia seus versos
à luz de velas em sua mansarda
numa noite percebeu que o olhava
com aptidão a diarista
que passava roupas na casa em frente à mansarda
em que morava
cerrou as cortinas da janela

de tísico me basto

elesbão ribeiro

12/12/14

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

soneto imperfeito a gentil descortesia

com seu vestido grená a vizinha
passava ao largo da praça castro
alves sem ligar pra ninguém e como
o céu era do condor a terra do avião

o vento com gentil descortesia bulia
pelas entre-coxas da quase-cachorra
que bamboleando o balaio mole se ia
lépida a dançar o samba o rap e o funk

os olhos de nós outros seguiam com ela
mas caluda toda aproximação daria em
cadeia surra ou quiçá enfezado vizinho

a brandir ao léu as modas da moda
que não e não e com as mãos em chifre
ecoava o tal politicamente correto


(oswaldo martins)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

off lapa






Murilo Mendes

Juan Miró

Soltas a sigla, o pássaro e o losango.
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real – este obscuro mito.


(Murilo Mendes – Antologia poética – Cosac&Naif)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Sarau de Manguinhos



TODOS LÁ!!!

TextoTerritório

Prezados amigos,

está no ar o novo site TextoTerritório - Lugar para criação de textos. Textos para criação de lugares.

Dividido em 3 setores, Textos, Oficinas, e Loja, vejam as novidades:

Em Textos, aceitaremos sugestões e colaborações de textos poéticos, ficcionais e críticos - da literatura e da contemporaneidade. Confira nossa seleção de abertura:

- Taoísmo Aplicado, poema de Daniel Mansur Valentim
(http://www.textoterritorio.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=950%3Ataoísmo-aplicado&catid=137%3Averso);

- Receita, poema de Laura Assis;
(http://www.textoterritorio.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=951%3Areceita&catid=137%3Averso)

- A poesia pode (ou não pode) ser uma ação entre amigos?, por Alexandre Faria
(http://www.textoterritorio.pro.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=952%3Aa-poesia-não-pode-ser-uma-ação-entre-amigos&catid=12%3Aopiniao&Itemid=4);

- A poesia contra a motosserra, por Eduardo Tollendal
(http://www.textoterritorio.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=949%3Aa-poesia-contra-a-motoserra2&catid=33%3Aapontamento&Itemid=217).

Em Oficina, lançamos a Oficina CorpoTerritório. Convidamos poetas a escolherem partes do corpo sobre as quais escrevam poemas. Será publicado apenas um poema por autor inscrito. Escolha a sua o quanto antes! Envie seu seu poema para contato@textoterritorio.pro.br

Em Loja, inauguramos a plataforma de vendas dos livros da editora TextoTerritório.

Confira, navegue, explore, comente!

Equipe TextoTerritório

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

fesceninos

1

a baronesa
a socialite
a senhora dona teresa

a mulher do padre
a condessa du barry
as de henrique oitavo

a bovary
manôn margô e frufru
a da carriola, beatriz

a cega
a manca
a troncha

a inglesa
a romana
as sem eira nem beira

essas
estas
aquelas

louvam extasiadas
de casanova
a peia


2

por cima
por baixo

de quatro
ou em frango assado

aretino os modos
trabalha

3

máxima liberal

os sátiros querem foder as ninfas
as ninfas querem foder os sátiros
os deuses, que afinal nos fodem,
fodem sátiros e ninfas e também
fodem dos papais e das mamães

o saco


(oswaldo martins)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

89

Sou tão velha que meus amantes já são nomes de ruas
Sou tão velha que minhas vontades já estão nuas
Sou tão velha que minhas verdades já são as suas.

Eu sou do tempo em que se fumava no cinema.

Sou tão velha que minha voz agora é boa para ler um poema.

Sou livre:
Posso fazer o que quiser que ninguém liga.

Parte de mim
Mora numa foto antiga.


(Greta Benitez)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O MUNDO INIMIGO

O cavalo mecânico arrebata o manequim pensativo
que invade a sombra das casas no espaço elástico.
Ao sinal do sonho a vida move direitinho as estátuas
que retomam seu lugar na série do planeta.
Os homens largam a ação na paisagem elementar
e invocam os pesadelos de mármore na beira do infinito.
Os fantasmas vibram mensagens de outra luz nos olhos,
expulsam o sol do espaço e se instalam no mundo.


(Murilo Mendes) 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Lição das coisas

(diante do desespero que brota no céu-da-boca
quando por uma fresta a dor se apresenta e
se assenta ao pé da mesa).

na oficina da vida – retífica dos dissabores sentimentais –
o amor mutuca entulhos, becos e febres irreais.

contudo

feito cavalo que jamais incorpora o enfadonho caboclo das lamentações diária.

penso, que,

a ETERNA lição-das-coisas, encontra-se em:

embrenhar-se numa floresta de sonhos e sonhos e sonhos.

(diante do velho oleiro distraído
apreciador da cerveja de milho)

o sonho é um périplo infinito.


(Rogério Batalha)

Ateliê Ferrugem: Comer cru também é parte do regalo

Ateliê Ferrugem: Comer cru também é parte do regalo: Há poesias que te pegam logo de início, talvez por serem “pop” demais. Nada que também comprometa a sua qualidade. Mas há outras poesias qu...

Rumo a 2022: apontamentos sobre alguma poesia, brasileira, contemporânea | Alexandre Faria*

Falação

Contra o artista serviçal escravo da vaidade (…) A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza (Vaz, 2011, p. 51).

É à fala que nos referimos, por ela nos pautamos ao criar métodos de aproximação da poesia que vem falando, nos últimos 10 anos, das periferias urbanas brasileira (a preposição, aqui, é ambígua e demarca simultaneamente assunto e origem). Conceber poesia a partir da longa tradição ocidental e escrita e apor ao termo o gentílico brasileira são estratégias de pensamento que desconsideram que a sociedade desse país se organiza a partir de complexas raízes da escravidão, do racismo e do analfabetismo. Caetano Veloso, numa famosa canção alardeava: “deixem os portugais morrerem à míngua / minha pátria é minha língua / Fala Mangueira”. Mais à frente, na mesma canção (“Língua”, do disco Velô, de 1986), concluirá: “A língua é minha pátria e eu não tenho pátria, tenho mátria e quero frátria”.


Caetano Veloso fala de uma mesma frátria órfã (Khel, 2003), que vai se afirmando no canto-falado de manos e minas. Um desses manos, Dugueto Shabazz (ou Ridson Dugueto), diferentemente do “latim em pó” do baiano, falará de um “latim afrofavelizado” (Ferréz, 2005, p. 83). As afirmações de identidades culturais contemporâneas, especialmente as de minorias étnica, social e economicamente discriminadas, tensionam as afirmações de uma identidade nacional monolítica, ainda que pautada pela diversidade. Menos que a unidade macunaímica, o que a fala de Dugueto Shabazz demarca é a diferença. A vontade de ser diferente. É como se, glosando a canção de Veloso, o poeta da favela perguntasse como pode Mangueira falar, se o lema é tão pessoal, luso pessoano e nacionalista – minha pátria é minha língua? E concluísse: “mas minha língua não é essa, a do colonizador. Cansei de ser mulato sabido!”

Leia o resto do texto no link abaixo:

dilúvio geral depois de ler Fernão de Oliveira



nações de homens
vivem nesta terra
bárbaros
viciosos
outras vezes
apenas gente
de gloriosas
patranhas

com muita verdade
boas doutrinas
ainda sucedem

não fabulizemos

grande vento
se acendeu nos
matos

examinemos
a melodia
da nossa língua
tomando todas
as vozes e cada
uma por si

(Dora Ribeiro)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Dois poemas de Virginia Grütter, poeta de Costa Rica

LA VENTANA

Tenías dos pechos igual que yo
Y el pelo negro igual que yo
Y la boca pintada como yo la queria
Y usabas falda igual que yo
De tela floreada igual que yo
Y llevabas sandalias como yo
Y te arrastraban dos policias
Y dabas gritos en mitad de la calle
Y llevabas de rastras las sandalias
Y te sangraban los pies
Y desde adentro me llamó mi abuela
Y vino
Y cerró la ventana
Y me arrastró del pelo
Hasta lo más oscuro de la sala.



A JANELA

Tinhas dois seios como eu
E cabelo negro como eu
E a boca pintada como eu a queria
E usavas saia igual à minha
De pano florido igual meu
E calçavas sandálias como eu
E te arrastravam dois policiais
E gritavas no meio da rua
E arrastravas as sandálias
E sangravam os pés
E de dentro de casa a avó me chamou
E veio
E me puxou pelos cabelos
Até o mais escuro da sala.


TU LLEGARÁS OLIENDO A MADRUGADA

Tu llegarás oliendo a madrugada
a musgo y a caminho.
Traerás aún hojas desconocidas
enredadas al pelo
Y no estarás cansado
Pero yo besará tus ojos de águila
hasta secar la última lágrima
La última gota de sangre
E com ramas de veranera y de belíssima
Limpiaré la pólvora
Que aún quede entre tus dedos.



TU CHEGARÁS CHEIRANDO A MADRUGADA

Tu chegarás com cheiro de madrugada
a musgo e a caminho.
Trarás ainda folhas desconhecidas
metidas no cabelo
E não estarás cansado
Mas eu beijarei teus olhos de águia
até secar a última lágrima
A última gota de sangue
E com os ramos de buganvília, belíssima.
Limparei a pólvora
Que reste ainda em teus dedos.


(Trad; Antônia Miranda)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

bandida

cortaram o cabelo da despudorada
trincharam lhe o rosto a navalha
mijaram lhe o corpo
com raiva

quando veio ter comigo
estava mais bela
que sulamita

(oswaldo martins)

Inquirições

quando acontece baita silêncio
às nove da noite de uma segunda-feira
o que as pessoas estarão fazendo?

vendo novela, talvez
ou fodendo
esculhambando a vida alheia
enchendo a cara
falando ao telefone

escrevendo poema a respeito
só eu  


(Ricardo Tollendal)

filha de maria

filha de maria também

ninfomaníaca por questão genética
só entre putas
encontrou o seu lugar


(Elesbão Ribeiro)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Por escrito, um romance da linguagem

Por escrito, de Elvira Vigna é um romance da linguagem. Em meio à trama, desenvolvida pela narradora, o contar se problematiza mesmo antes de se anunciar. Não por ser uma linguagem complexa, mas por, na sua simplicidade de quase oralidade, dar a ver um mundo que o tempo todo se constrói e se destrói. Romance feito de simplicidades complexas, paradoxo que cabe não só à linguagem, mas na própria vida, o novo livro da autora é um correlato mesmo das possibilidades humanas inconclusas.

É um belo livro sobre a solidão humana, sobre a incapacidade de a linguagem dar conta das relações que devem ser procuradas fora dela. Feita de silêncios, a narrativa deixa que cacos perdurem aqui e ali e preencham com este movimento de subtração o que a linguagem não dá conta de atestar.

O prazer da leitura de Por escrito se deve ao fato de que a incomunicabilidade se constrói a partir de outros vieses, como, por exemplo, a construção a que se presta a narradora –  quando a realidade ou os dados da realidade são insuficientes para aplacar os desejos, tão pouco freudianos aqui – se encontra na fabulação do real e toma aspectos tão densos e descontínuos como um espelho da realidade, que se amplia em um sem-número de possibilidades. Neste sentido leiam-se, com o cuidado que a linguagem requer, as referências à morte de Aleksandra, cujas versões são muitas e inconclusas.

Há também no romance de Elvira uma premência do falar feminino, sem as amarras que este falar, classicamente, sempre teve em nossa literatura. A voz de Valderez é sempre afirmativa, mesmo que a notícia que dá do mundo esteja repleta de negatividades. São negatividades afirmativas.

A construção de Por escrito se delineia nesta multiplicidade de paradoxos. Percebê-la é ao mesmo tempo dar conta de nossa multiplicidade frente o mundo e descobrir a potência que a narrativa, essa, a de Elvira Vigna, cria, com seus silêncios, de preenchimentos amplos e diretos.


(oswaldo martins)

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Poesia de Puerto Rico

Somos

Del otro lado de la ciudad nos proponemos festejar con chiffon y seda,
es decir, con la frivolidad de un inglés en época de guerra.

Somos miles de escombros con ropa elegante en el medio de la humareda,
un pueblo con celulares y sin poder adivinatorio.

(LOURDES VÁZQUEZ)

Somos

Do outro lado da cidade nos dispomos a festejar com chiffon e seda,
quero dizer, com a frivolidade de um inglês em época de guerra.

Somos milhares de escombros com roupa elegante no meio da fumaça,
gente com celulares e sem capacidade da adivinhar.      


(Trad. Antônia Miranda)

Poesia do Haiti

Un jour rappelle-toi
cette ville dépécée
entre le bruit la bêtise et la douleur.
On a créé l’infidélité,
le bleu des trottoirs d’un autre continent.
La folie est devenue utile.
Nous nous appliquons à dessiner
des portes de sortie

Depuis tes yeux
le vide est à réinventer.

Écoute la prière de nos sexes
étouffée par le poids des mots
le trou de votre blue jean
est la seule fenêtre
qui donne sur l’espoir

On rêve tous de trottoirs.
Les cris de notre nudité
sont sans issue
comme vos silences.


Recorda-te um dia
desta cidade despedaçada
entre o barulho a besteira e a dor.
Criamos a infidelidade
o azul dos trottoirs de outro continente.
A loucura se tornou útil.
Dedicamo-nos a desenhar
portas de saída.

Desde teus olhos
o vazio está por reinventar.

Escuta a prece de nossos sexos
abafada pelo peso das palavras
o buraco de vosso blue jean
é a única janela
que dá para a esperança.

Todos sonhamos com trottoirs.
Os gritos de nossa nudez
são sem saída
como vossos silêncios.    

(EMMELIE PROPHÉTE)


Traduzido por Anderson Braga Horta

Outro de Herberto Helder

a faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam,
no mundo há poucos fenómenos do fogo,
água há pouca,
mas a língua, fia-se a gente dela por não ser como se queria,
mais brotada, inerente, incalculável,
e se a mão fia a estriga e a retoma do nada,
e a abre e fecha,
é que sim que eu amava como bárbara maravilha,
porque no mundo há pouco fogo a cortar
e a água cortada é pouca.
que língua,
que húmida, muda, miúda, relativa, absoluta,
e que pouca, incrível, muita
e la poésie, cést quand le quotidien devient extraordinaire, e que música
que despropósito, que língua língua,
disse Maurice Lefèvre, e como rebenta na boca!
queria-a toda


Herberto Helder
A Faca Não Corta o Fogo

2008

Se houvesse degraus na terra

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.


(Herberto Helder)

Portátil

à minha volta o bar urrava
e saí para a rua sentindo frio
ao celular a voz cobria-me de veludo
quisera varar a fibra ótica
para ávido beijar sua boca
que continuava fustigando  sinapses
e os peixes de sua língua
saltavam convexos
o frio se dissipava
os peixes pulavam ainda na onda


Luiz Fernando Medeiros
Setembro, 2014

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

sem título

conto nos dedos da menina de rua
os abraços que nunca recebeu
nos vãos que as mãos criam
no ar
quando ela brinca perto do chafariz

há estatísticas para quase tudo

mas eu preciso achar o cacho de cabelo
que a mãe nunca cortou nem colocou
num álbum de fotografias

há estatísticas para quase tudo

e empobrecer
é feito um nascer do sol
que nunca veio

a falta de banho  que talha
o acúmulo
de camada após camada
de sujeira
própria e outra
gera uma casca que em certa medida
em madrugadas empoeiradas e bêbadas
em reuniões em volta do fogo
– ou da lareira –
seria considerada
– por um louco –
e sentida dentro do oco da noite
como riqueza.

(Lúcia Leão)

Clinamen

Na escuridão

Estava em queda livre

Não sentia força puxando
Nada tocando no vazio

Estava em queda livre

Vários anos de aperfeiçoamento na yoga
Concentrar na respiração
Não inspirava nem expirava
Não havia vento da resistência do ar

Estava em queda livre

Como se daria o baque final do choque das costas contra o chão?
Caía de costas ou de frente?
Ia para baixo ou para cima?

Estava livre

Augusto Ferreira Ramos)

terça-feira, 30 de setembro de 2014

O GÊNIO DA RAÇA

Eu vi o gênio da raça!
(Aposto como vocês estão pensando que eu vou falar de Rui Barbosa).
Qual!
O gênio da raça que eu vi
Foi aquela mulatinha chocolate
Fazendo o passo do siricongado
Na terça feira de carnaval!


(Ascenso Ferreira)

OS EPIGRAMAS ERÓTICOS DE MARCIAL (40 a.C – 104 d.c)

A CLOÉ

Eu bem que podia passar sem o teu rosto,
Sem teu pescoço, tuas pernas, tuas mãos,
Sem tuas nádegas, teus seios, tuas ancas,
E, para não me fatigar enumerando,
Bem podia passar sem ti, Cloé, inteira.

A FAIXA PEITORAL

Comprime, de minha amante, os dois seios em botão
Para que caibam sempre no oco de minha mão.

Corre o rumor, Quione: nunca foste fodida,
e nada mais puro existe que tua cona.
Nessa parte (por vestes velada) nem te lavas.
Se é pudor, desnuda a cona e vela a face.

Safo Fr. 31

φαίνεταί μοι κῆνος ἴσος θέοισιν
ἔμμεν’ ὤνηρ, ὄττις ἐνάντιός τοι
ἰσδάνει καὶ πλάσιον ἆδυ φονεί-
σας ὐπακούει

καὶ γελαίσας ἰμέροεν, τό μ’ ἦ μὰν
καρδίαν ἐν στήθεσιν ἐπτόαισεν•
ὠς γὰρ ἔς σ’ ἴδω βρόχε’, ὤς με φώναί-
σ’ οὐδ’ ἒν ἔτ’ εἴκει,

ἀλλά κὰμ μὲν γλῶσσα μ’ἔαγε, λέπτον
δ’ αὔτικα χρῷ πῦρ ὐπαδεδρόμηκεν,
ὀππάτεσσι δ’ οὐδ’ ἒν ὄρημμ’, ἐπιρρόμ-
βεισι δ’ ἄκουαι,

κὰδ’ δέ μ’ ἴδρως κακχέεται, τρόμος δὲ
παῖσαν ἄγρει, χλωροτέρα δὲ ποίας
ἔμμι, τεθνάκην δ’ ὀλίγω ‘πιδεύης
φαίνομ’ ἔμ’ αὔτᾳ.

Ele me parece ser par dos deuses,
O homem que se senta perante ti
E se inclina perto pra ouvir tua doce
Voz e teu riso

Pleno de desejo. Ah, isso, sim,
Faz meu coração ‘stremecer no peito.
Pois tão logo vejo teu rosto, a voz eu
Perco de todo.

Parte-se-me a língua. Um fogo leve
Me percorre inteira por sob a pele.
Com os olhos nada mais vejo. Zumbem
Alto os ouvidos.

Verto-me em suor. Um tremor me toma
Por completo. Mais do que a relva estou
Verde e para a morte não falta muito –
É o que parece.


Tradução: Leonardo Antunes

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Voto em Dilma

O voto em Dilma é um dever da consciência.

As questões colocadas durante seu primeiro mandato estão longe de estarem todas resolvidas; muito há que se fazer ainda, para que a autonomia dos cidadãos se torne plena, para que as cidades cingidas possam ser compartilhadas de igual maneira por todos os seus habitantes, para que o acesso aos bens de consumo, para que o acesso às ruas, para que o acesso aos bens culturais, educacionais e de saúde se tonem eles também plenos.

Os avanços sociais que os últimos governos alcançaram devem ser mantidos e não podemos esperar mais quinhentos anos para que a revolução silenciosa – mas não muito – se cumpra e para que todos possamos, de chinelos e bermudas, tomarmos nossos lugares nos aviões.  Não podemos esperar mais quinhentos anos para que o nariz levantado de nossas elites desapareça e passe a cheirar como todo nariz cheira. As oportunidades históricas passam por nossas portas e não devemos recusá-las, sob pena de retrocessos desastrosos par auto estima das pessoas que compõem a nação.

Vivemos nestes doze anos de governo petista uma série de transformações culturais que, na verdade, só serão percebidas pelas próximas gerações. A transformação econômica retira dos bolsões miseráveis um enorme contingente da população que vai se educando para cobrar seus direitos, para participar das decisões nacionais, sem que se perca nas maquinações midiáticas que a todo tempo dizem “não, não avance”.

Avançar hoje no Brasil é necessariamente manter as conquistas adquiridas – e não doadas. A chegada de um operário à presidência do país, de uma ex-guerrilheira à presidência do país cobra séculos de esquecimento a que foram relegados os que como eles participaram da subsistência em tempos áridos como o sertão, áridos como a espoliação mediada pelo capital estrangeiro que nos escravizou, com dívidas quase eternas na cultura, na saúde e na educação.

Haveria, de fato, outra opção? Votar contra o aborto, votar contra a eutanásia, votar contra as  pesquisas de ponta que tratam da vida enquanto ciência,  votar contra os homossexuais, votar contra as cotas, para quem acredita no estado laico e independente, não é uma opção válida.

Avançar hoje significa votar na Presidenta. Votar na consciência que tenho do que é política.


(oswaldo martins)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Edu Lobo - Camaleão (1978) - Completo/Full Album

Cabriola

1

educadas
na palma da mão
- dedurando celulares -

nas praças

vrianças veem
mas não sacam

(André Capilé -  Rapace - TextoTerritório)

Poemas eslavos

2

Amo os grandes vagabundos

os maravilhosos vagabundos

os vagabundos que planam pelas ruas das periferias

com asas sumptuosas

com pombas na cabeça

com o próprio coração,

como uma pedra, atado entre as mãos

amo os grandes vagabundos

os maravilhosos vagabundos

que , como martelos delirantes,

quebram a astúcia dos espelhos

e dizem

naquela sua gíria dura e estranha,

mas bela,

que deus também se revela

entre as pernas das prostitutas.


(Luís Costa)

domingo, 21 de setembro de 2014

fome

1 os ingredientes

cozinhou  batatas
cozinhou ovos
cozinhou couves
cozinhou bacalhau

2 o molho

cozinhou em azeite rodas de cebola
com azeitonas pretas
e um esguicho de vinagre

3 o vinho

abriu uma garrafa de maduro
verteu-o com cuidado na taça

4 o almoço

levantou-se da mesa
deixando prato e taça intactos
era outra a fome que tinha


elesbão ribeiro

21/09/14

Mímesis: desafio ao pensamento


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

duas do memorabilia

1

nas estradas batiam as mãos: um assalto,
um lugar chamado kindberg  e um carro
que se sacudia como uma locomotiva.

depois é que inventaram
a aids
e o politicamente correto.


4

era preciso ler cortázar
era preciso ler drummond

era preciso solfejar na física
era preciso calejar na língua

quando vinícius
deixou crescer o cabelo
e passou a usar suas guias

para mandar tudo e todos
a puta que o pariu

e foder à noite
as meninas do lugar.

(oswaldo martins)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

falo

de priapo o deus potente
o falo
uma flor desusada
no quintal rubro das virgens
do ainda não

(oswaldo martins)

terça-feira, 9 de setembro de 2014

The Anna Akhmatova File (1989)- English Subtitles

MASAOKA SHIKI

Um cão morto
É arrastado
Pela corrente gelada


Meia-noite –
A Via Láctea
Inclina-se sobre um bambu


Debaixo do mosquiteiro
Ela dorme

No meio da luz dos pirilampos

Estatua de mármol.../

Estatua de mármol
De piedra o de esmeraldas,
De gente que no conoce sentidos,
Estatua de ángeles que no vuelan
Por que se les acabó la gasolina,
De magia congelada por patadas grises,
Estatua de música muda, ciega y sorda,
Estatua de seres que olvidaron vivir.


(Lina Peralta)

LOT

Ya lo veo salir triunfante,
entre la muchedumbre, en el puerto
con el ademán desmañado y silencioso de aquel que se despide
para volver en la tarde o en la noche,
con la misma mujer
al mismo bar
o al mismo muelle.

Anudo fuerte el alma al cuerpo,
y con el soplo gélido
-dibujando estelas en la madrugada-
empujo su barca,
que se abra la vela, y no le devuelva el tiempo.
Partieron las gaviotas en silencio.

Que vuele al fin, cimarrón,
sin volver atrás la vista:
Yo le salvo.

Plantaré para otros días
rosas de rizos blancos en mi tumba.


Para Samuel (1982- 2003)

(Laura Luna)

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

País

Tus ojos son de donde
la nieve no ha manchado
la luz, y entre las palmas
el aire
invisible es de claro.

Tu deseo es de donde
a los cuerpos se alía
lo animal con la gracia
secreta
de mirada y sonrisa.

Tu existir es de donde
percibe el pensamiento,
por la arena de mares
amigos,
la eternidad en tiempo.


(luis cernuda)

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Mariinha das bacias

Vivia-se sob o império das bacias. A água corria abundante sobre o corpo. Espremia-se a glande para saber das gonorreias. Mariinha, a grande mestra, pontificava sobre suas pupilas. Im antes de, água e sabão. Sobre filho, recomendava água fervente. Fio de puta é fio do mundo e minha casa não é paróquia de enjeitados. Dizia, pensando no futuro dela e de suas protegidas. Imaginava qual delas assumiria a casa, quando fosse se entregar aos turíbulos e às hóstias de todo dia.  Faltava pouco. Possuía já duas casas de bom tamanho que o arquiteto comprara no nome dela. Pensava em mais uma, mas o que tinha guardado não daria para tanto, pensava medindo a distância entre o desejo e a precisão.

O doutor aconselhava, o mercado ficava cada vez mais difícil; outras casas se abriam na cidade. Diziam de uma injeção milagrosa para os males do corpo. Será? Estaria passando seu tempo? Deolinda cuidava de sua paróquia com cuidado. Talvez, talvez. Quem sabe? Puta nova, mesmo castelã, ainda tinha algumas ilusões. Iria fazer negócio? Quando se encontravam eram tímidas e precavidas. Mariinha pensava. O que tinha? As melhores meninas da cidade, seu harém era escolhido a dedo, podia vendê-las? Calculava. A ordem de Maria, para seu caso, custava muito. O que apuraria na venda daria para uma vida de méritos? Duvidava.

Sentava na ampla sala, vazia e enorme àquela hora. As meninas preparavam as águas para a noite. Cantarolavam baixinho as músicas de suspiro, tristes sambas-canção. Mariinha matutava. Deolinda?


(oswaldo martins)

beleza

1
coubert

as de chupeta
as do prazer
e do humor

2

a tontura esplêndida
e polida que os ossos
adquirem

3
vasko popa

uma caveira ri
de outros ossos

4
carpe diem

o esqueleto quando em pó
antes da sombra do nada
a cocaína do universo

5
aretino

estranha metafísica
foder adão
foder eva

(oswaldo martins)


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Silencio

Silencio

Así como del fondo de la música
brota una nota
que mientras vibra crece y se adelgaza
hasta que en otra música enmudece,
brota del fondo del silencio
otro silencio, aguda torre, espada,
y sube y crece y nos suspende
y mientras sube caen
recuerdos, esperanzas,
las pequeñas mentiras y las grandes,
y queremos gritar y en la garganta
se desvanece el grito:
desembocamos al silencio
en donde los silencios enmudecen.

Octavio Paz


Silêncio

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra"

Tradução de Luis Pignatelli