terça-feira, 31 de março de 2020

Poesia estadunidense.

Poem

on getting a card
long delayed
from a poet whom I love
but

with whom I differ
touching
the modern poetic
technique

I was much moved
to hear
from him if
as yet he does not

concede the point
nor is he
indeed conscious of it
no matter

his style
has other outstanding
virtues
which delight me



Poema

ao receber um cartão
com muito atraso
de um poeta que amo
mas

com que eu divirjo
no tocante
à moderna técnica
poética

eu fiquei muito feliz
por saber
dele, ainda que
até agora ele não

tenha recuado em seu ponto
nem ele esteja
de fato consciente disso
não importa

seu estilo
tem outras notáveis
virtudes
que me extasiam

(William Carlos Williams tradução  André Caramuru Aubert)

segunda-feira, 30 de março de 2020

desimitação de tennyson



o homem de comum senso atura a febre
mal vinda as monarquias modernas
caçam as lebres nos bosques das ruas
os sobreviventes dos subterrâneos
acuam-se ante a lei geral dos parlamentos
os tambores inflamam os brônquios
sob a bandeira da lei o tempo exara
uma constituição a qualquer desoras
os encapuçados rondam desatentos
se aprontam para os raios da tormenta

(oswaldo martins)

Prophecy / Profecia - Tennyson / José Lino Grünewald


Profecia

Porque imergi no futuro, até onde o olho humano pode ver,
Vislumbrei a Visão do mundo, e todo o encanto que podia ser;
Vi os céus cheios de naus, corsários, velas de magia,
Pilotos do crepúsculo rubro tombando em cargas de valia;
Ouvi os céus cheios de gritos, e lá choveu um lívido orvalhar
Das vistosas esquadras das nações no azul central a atacar;
Bem longe, o murmurar no mundo inteiro do vento sul nesse ímpeto que esquenta,
Com os emblemas dos povos mergulhando nos raios da tormenta;
Até que o tambor de guerra não soasse e bandeiras ao reverso
No Parlamento do homem, Federação de todo este universo.
Lá o senso comum da maioria suporta um febril reino em sobressalto,
E a benévola terra dormirá envolta em norma universal.

( tradução José Lino Grünewald)

Prophecy

For I dipt into the future, far as human eye could see,
Saw the Vision of the world, and all the wonder that would be;
Saw the heaven fill with commerce, argosies of magic sails,
Pilots of the purple twilight, dropping down with costly bales;
Heard the heavens fill with shouting, and there rain`d a ghastly dew
From the nation’s airy navies grappling in the central blue;
Far along the world-wide whisper of the south-wind rushing warm,
With the standards of the people plunging thro’ the thunder storm;
Till the war-drum throbb’d no longer, and the battle flags were furl’d
In the Parliament of men, the Federation of the world.
There the common sense of most shall hold a fretful realm in awe,
And the kindly earth shall slumber, lapt in universal law.

(Alfred, Lord Tennyson,)

domingo, 29 de março de 2020

Douglas Dunn, poeta escocês

ON ROOFS OF TERRY STREET

Television aerials, Chinese characters
In the lower sky, wave gently in the smoke.

Nest-building sparrows peck at moss,
Urban flora and fauna, soft, unscrupulous.

Rain drying on the slates shines sometimes.
A builder is repairing someone’s leaking roof,

He kneels upright to rest his back.
His trowel catches the light and becomes precious'.


 NOS TELHADOS DE TERRY STREET

Antenas de televisão, caracteres chineses
Contra o céu, abanam ao fumo suavemente.

Pardais fazendo ninho bicam musgo,
Flora e fauna urbanas, macias e sem escrúpulos.

A chuva a secar nas telhas de lousa brilha às vezes.
Um pedreiro repara um telhado que tem fendas;

Ajoelha-se, aprumado, para repousar as costas,
A luz que a trolha colhe torna-a preciosa.

sábado, 28 de março de 2020

Michael Hartnett, poesia irlandesa


(De A farewell to English)

5

I say farewell to English verse,
to those I found in English nets:
my Lorca holding out his arms
to love the beauty of his bullets,
Pasternak who outlived Stalin
and died because of lesser beasts;
to all the poets I have loved
from Wyatt to Robert Browning;
to Father Hopkins in his crowded grave
and to our bugbear Mr Yeats
who forced us into exile

on islands of bad verse.

Among my living friends
there is no poet I do not love
although some write
with bitterness in their hearts;
they are one art, our many arts.

Poets with progress
make no peace or pact.
The act of poetry
is a rebel act.

*
5

Eu digo adeus ao verso inglês,
que achei, por certo, em rede inglesa:
meu Lorca estendendo seus braços
a fim de amar a beleza das balas,
Pasternak, que sobreviveu a Stálin
e morreu devido a menores bestas;
a todos os poetas que amei,
de Wyatt a Robert Browning;
ao Padre Hopkins na tumba sempre cheia
de gente, e ao nosso bicho-papão Yeats,
que nos impôs o exílio

em ilhas de maus versos.

Entre os meus amigos vivos
não há poeta que eu não ame,
ainda que alguns escrevam
com seus corações tão acres;
eles são uma arte, nossas muitas artes.

Poetas que prosseguem
não fazem paz nem pacto.
O ato da poesia
É rebelde de fato.

(Tradução Marcelo Tápia)

sexta-feira, 27 de março de 2020

geografia de espantos


o tempo sopra silêncio
as liras do eu
tangem neblinas

das ruas soturno
caos celebra
o letes

talvez seja óbvio
que águas acorram
às pedras

o muro o ruído
frangem a encosta
dos corpos

a foda alucina
as sintaxes
e  o quadro

revela nos músculos
vadios a execução
da música

(oswaldo martins)

Ler é sempre por trás


quinta-feira, 26 de março de 2020

Elegia de Coimbra

Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram casas e os homens
nas colinas da vida.

Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.

Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.

(Mário de Carvalho)


A maior patente no blog.

terça-feira, 24 de março de 2020

Homenagem a Oswaldo Goeldi


Oswaldo gravas:
A ti mesmo fiel, ao teu ofício,
Gravas a pobreza, o vento, a dissonância,
A rude comunhão dos homens no trabalho.
Gravas o abandonado, o triste, o único,
O peixe que te mira quase humano
— É hora de morrer —
No preto e branco, no vermelho e verde.
Qualquer traço perdido,
A casa que espia pelo olho-de-boi
Testemunha de drama anônimo.
Gravas a nuvem, o balaio,
O geleiro e seus estilhaços.
O choque em diagonal de guarda-chuvas,
Tudo o que é rejeitado, elementos marginais,
A metade dum astro que se despe
Amado só do penúltimo vadio.
Oswaldo gravas,
Gravas qualquer solidão.
Os peixeiros que partilham peixe e onda,
Pássaros de solidões de água e mato,
O sinaleiro do temporal próximo,
A barca puxada pela sirga,
O bêbedo e seu solilóquio,
A chuva e seus túneis,
O mergulho em tesoura da gaivota.
És do sol posto, da esquina,
Do Leblon e do uivo da noite.
Não sujeitas o desenho à gravação:
Liberaste as duas forças.
Atingindo agora a unidade,
Pela natureza visionária
E pelo severo ofício
A tortura dominando,
Silêncio e solidão
Oswaldo gravas.

Três poemas de Ungaretti

Eterno
Tra un fiore colto e l’altro donato
l’inesprimibile nulla
Eterno
Entre uma flor colhida e o dom de outra
o nada inexprimível
*
Noia
Anche questa notte passerà
Questa solitudine in giro
titubante ombra dei fili tranviari
sull’umido asfalto
Guardo le teste dei brumisti
nel mezzo sonno
tentennare
Tédio
Também esta noite passará
Esta solidão em torno
sombra titubeante de fios viários
sobre o úmido asfalto
Olho como os cocheiros
a meio-sono
cabeceiam
*
Tappeto
Ogni colore si espande e si adagia
negli altri colori
Per essere più solo se lo guardi
Tapete
Cada cor se expande e demora
nas outras
Para ficar mais só basta mirá-lo
*
(

segunda-feira, 23 de março de 2020

O Picasso de Bambila

O Picasso Bambila

A pintura é a minha paixão
e de meus sonhos
expresso cores e texturas.

Ninguém sabe como levo
mel aos lábios,
às mãos cálida pele
e aos olhos luz.
Minhas pinturas respiram
no contato do pincel amoroso
e as pinceladas de sangue.

Meus retratos têm mais vida
que muitos neste lugarejo,
no entanto,
insistem para que eu pinte Juárez,
Hidalgos e Morelos.

El Picasse Brambila

La pintura es mi pasión
y de mis sueños
exprimo colores y texturas.

Nadie sabe cómo otorgo
miel a los lábios,
a las manos cálida piel
y a los ojos luz.
Mis pinturas respiran
al contacto del pincel amoroso
y los brochazos de sangre.

Mis retratos tienen más vida
que muchos en este pueblo,
sin embargo,
insisten en que pinte Juárez,
Hidalgos y Morelos.

(CASTILLO UDIARTE, Roberto.  Tradução: Antônio Miranda)

domingo, 22 de março de 2020

Quem vai beber

Quem vai beber

cerveja esta noite?
Ou vinho ou cachaça ou chá de gengibre
temperado com vodca e gelado?

Meus amigos se despedem
da tarefa de despejar a dor
sem poder abraçar quem a carrega.

Tenho saúde até quando
tudo isso se for.

E enquanto repasso
por todos os cantos onde o amor
foi vivido ou imaginado
em ruas reais ou só de sonhos
pavimentadas,
seguro nas mãos um sustento
que espalho pelos cômodos,
sem sapato.

Acendo uma vela para que tudo
se ilumine como deve,
o que basta.

(Lúcia Leão)

sábado, 21 de março de 2020

desimitação caolha para camões


das parcas e dos cantões cativos
que da puta madre lusitana
de almas minhas gentis tão cedo
de belém partiste esforçado
nuns versinhos tolos de brado
a caolha gente como em fado
cantaste, velho aedo, as armas
afiadas e prontas do massacre

esperam-te em angolas, brasis,
nas moçambiques ou moçárabes
terras para comerem tua língua
com línguas de veneno e fel
até que do lácio soçobre o palor
da morte lenta e despistada
de ti, vate, sem língua mais
outra que a da velha lápide

(oswaldo martins)


Fractais

Pelo mergulho

das sombras

calculo o itinerário da luz.

Meço

os contornos de nossas ruínas

na matemática particular

dos desesperos.

Abro a janela

Da página do sonho:

Soletro devagar, o Aywu rapitá:

o ser do ser da palavra

(flor pronunciada

entre as estrelas.)



A noite

Desaba sobre as telhas

Na explosão de um meteoro.

Conto estilhaços,

recomponho parábolas:

um mínimo do que sou

lembra as fronteiras

do Universo.

(Everardo Norões)

quarta-feira, 18 de março de 2020

Três poemas de Bo Carpelan

Quién ha dicho…


Quién ha dicho
que el silencio testimonia
sobre el impronunciado.
La ausencia de palabras
es solo ausencia.
Habla pues
en proporción a lo que
tú no puedas decir.
Nada
puede dejarse impronunciado
a no ser por torpeza
o
sabiduría

El árbol


El árbol,
la luz
ramificada.


El manantial


A distancia, cruzando los campos
se oye, débil pero nítidamente
el manantial de primavera.
Escucho,
me acerco.
Por los bosques estivales,
perfumados de sol y frescor,
suenan los ecos del agua cantarina.
Sigo mi camino,
buscando.
Ya se vislumbra
por entre las copas de los árboles otoñales
el valle donde susurra
el escondido arroyo.
Tengo que descansar.
Como si hubiese nieve en el aire,
como si los pasos fuesen infinitos.
Escucho, estoy cerca.
La voz del manantial, más débil,
continuamente allí,
invisible.

(BO CARPELAN)

sexta-feira, 13 de março de 2020

Poesia russa Vera Pavlova

I. СЧАСТЬЕ

Стал каждый миг густым, как мед,
Лучистым, как янтарь.
Часам давно потерян счет
И изгнан календарь.
Как ненавистен мне расчет
И чувства про запас!
Свой годовой любви доход
Я прокучу за час.

I. FELICIDADE

Denso como o mel, cada momento,
Raiando como o âmbar.
Há muito perdi a noção do tempo
E exilei o calendário.
Odeio a contagem do que for
E a idéia de poupança!
Meu anual crédito de amor
Dissipo numa andança.
II.
Не хочу кирпича с крыши –
Я хочу умирать долго.
Я хочу умирать, наблюдая,
Как тело, капля по капле,
Выделяет уставшую жизнь.
Пропустить ее сквозь себя,
как сквозь мелкое-мелкое сито,
И – не скоро – вздохнуть с облегчением,
Не увидев на дне ничего.
II.
Não quero cair, telha do telhado –
Quero morrer pouco a pouco.
Quero morrer observando
Como o corpo, gota a gota,
Se destaca da vida já cumprida.
Deixar que ela de mim se esvaia,
Como de uma peneira muito fina,
E – não tão logo – suspirar de alívio,
Por nada ver no fundo.
III.
Соблюдайте мою тишину.
III.
Guardai minha tranqüilidade.
IV.
Тебя я потеряла где-то здесь.
Я помню, что отсюда никуда
Не выходила, и никто не выходил,
И надо только вспомнить, где, когда
Я видела тебя последний раз
Любимым.
IV.
Perdi a você por aqui, n’ algum lugar.
Lembro que daqui eu não saí para
Lugar algum, e que ninguém saiu.
É preciso apenas recordar por onde, e quando,
Eu vi você pela última vez,
Querido.
V.
Давай друг друга трогать,
Пока у нас есть руки:
Ладонь, предплечье, локоть…
Давай любить за муки,
Давай друг друга мучить,
Уродовать, калечить,
Чтобы запомнить лучше,
Чтобы расстаться легче.
V.
Vamos um ao outro nos tocar
Enquanto temos mãos:
Palma, antebraço, cotovelo…
Vamos nos amar pelo tormento
Vamos um ao outro machucar,
Mutilar, deformar, adulterar
Para que melhor nos lembremos
Para que mais nos afastemos.
VI.
Когда бы ни маска, лицо
Давно бы утратило форму.
Когда бы ни это кольцо,
Ни благословленная норма,
Ни светлая эта тюрьма,
Ни вольная эта неволя,
Давно сошла бы с ума
От страха, сомнений и боли…
VI.
Se não houvesse máscara, o rosto
Há tempo teria perdido a forma.
Se não houvesse este anel,
Não haveria a benemérita norma,
Não seria  iluminada esta prisão,
Nem voluntária esta preguiça,
Há tempo teria saído da razão,
De medo, de dúvida e aflição…
Tradução: Aurora Bernardini

quarta-feira, 11 de março de 2020

terça-feira, 10 de março de 2020

ad vinhos

andei por califórnias ródanos douros
sonhei ânforas do antanho
deusas etílicas taças de âmbar
poetei absintos versejei labirintos
naveguei pessoas & nerudas
tive orgasmos a imaginar borges
acordei diante de brancos secos
amei com os tintos maduros
encorpados lambruscos
alentejos chãs
ad eternum
ou aqui
agora...

(Filinto Elisio)

segunda-feira, 9 de março de 2020

Estrambólico


Isso de misturar
azeite, mel e mostarda
enfeite, pedra e palavra
Isso de escrever
Isso de fazer salada
Isso de banho e tosa
tudo invenção nossa
Um modo de fazer crível
a viagem no quarto
a bonança na tempestade
e a liberdade no vício

(Ana de Santana)

sexta-feira, 6 de março de 2020

civilização



1

qualquer pedaço de carvão
mesmo o corpo incinerado
do menino

um risco no correr do pátio
caderno de muitas vozes
no limite

entre a fumaça e o tiro
a loja cheira a canela
em suspensão

2

duas burguesas andam
sapato sobre as peles de lagarto
o casaco a naftalina

trazem pela coleira
um esquisito cão
tem como elas

pernas bunda unha
adutores bíceps
corpo

3

mesmo na rua
próximos aos chafarizes
sob as marquises

tecem na casca grossa
o tesão e lavam
as xoxotas

a roupa suja
e a pica mole
do marido cabrão

(oswaldo martins)

Os inquietantes desenhos de Bruno Shulz





segunda-feira, 2 de março de 2020

distopia


a dor consentida em abertura
medeia o risco a boca estática
nela se perde o outrora fado
de assassinar os filhos e a si

penhasco ou veneno desafia
a quem o tecer dos artelhos
punge ponta de cigarro pua
a brocar desvios de pingentes

pelos ais dos corpos a nudez
total em cujos vértices gemem
as meninas atras o perfuro
a morder o cós da pele-rua

se de medéia fossem os nus
como o prazer dos piercings
que lhes rompessem a pele
como se a palo seco fixassem

o sexo da dor

(oswaldo martins)

Piet Hein poesia dinamarquesa

Revelação à Meia-Noite

Toda a gente
pensa no Infinito
como um oito
deitado.
Mas de repente
apercebo-me
de que o oito é
o Infinito levantado.

(Piet Hein)