domingo, 6 de abril de 2008

ORFEU ELÉTRICO

O que mais me impressionou no filme de Scorcese foi esta ultrapassagem do documentário como observação muitas vezes distanciada (sem, no entanto, querer aqui traçar paralelo com os geniais documentaristas brasileiros). Trata-se de uma poética do documentário em que a tensão do ficcionista invade o palco junto com os atores fazendo o filme acontecer, mas sempre correndo o risco das perdas de prováveis tomadas que não foram planejadas nem calculadas e que angustiam o diretor, mas que se tornam por isso mesmo a meta da narrativa. A banda até o último instante não entrega a seqüência de músicas. Está lançado o motor do filme. Isto que acontece nos instantes iniciais se contrapõe com as remissões ao passado da banda em que se vê como a expectativa dos que estão de fora os (ouvintes ou a mídia em geral) aguarda a paralisia, a parada, o encerramento geral da explosão dos Stones. Esse contraponto do discurso verbal contrasta com a resposta que os corpos elétricos dão num palco que se transforma em cenário de exibição das sinapses neurônicas e de suas metamorfoses em imagens do movimento. Só Scorcese - acostumado a nos proporcionar o susto e a surpresa ao cortar o esperado das seqüências narrativas tradicionais - chega junto e interpreta com luz hiperbólica o que é da ordem do pensamento enquanto fluxo que desliza do córtex e percorre o corpo todo do cantor Mick até a ponta dos dedos, como se eles fossem a voz e a extensão toda do corpo se afinando na ponta e falando intensamente pelas unhas. A banda não parou aos dois anos, como se esperava, os rapazes não param agora e as treze câmeras não param de comover nessa celebração do movimento. O corpo plástico e a perda da unidade provocada pela imagem consagram o instante como lugar do pensamento que está sempre indo mais além da percepção.
(Luiz Fernando Medeiros de Carvalho)

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