sábado, 29 de março de 2008

V. S. Maipaul

Meu pai estava doente. Mas ainda não à beira da morte. Eu costumava visitá-lo nos finais de semana. Sempre me aborrecia ver que a casa - mais um chalé do que uma casa na realidade - estava em péssimo estado de conservação, cheia de poeira e fuligem, as paredes precisando de pintura nova; e isso também aborrecia meu pai. Ele pensava que aquilo era muito pouco para uma vida inteira de trabalho e atribulações.
Eu sentia que meu pai tinha uma visão demasiado romântica de si mesmo. Especialmente quando se punha a falar de sua longa vida de trabalho. Há trabalhos e trabalhos. Criar um jardim, uma empresa, é um tipo de trabalho. É uma aposta em si mesmo . Num trabalho desse tipo, pode-se dizer que a recompensa é o próprio trabalho. Executar tarefas repetitivas na propriedade de alguém ou numa grande empresa é uma outra coisa. Ocupações assim nada têm de sagradas, por mais que, citando a Bíblia, as pessoas digam o contrário. Meu pai descobriu isso na meia idade, quando já era tarde para mudar. De modo que a primeira metade de sua vida foi dominada pelo orgulho, a idéia exagerada que ele fazia de sua empresa e de quem ele próprio era, ao passo que a segunda foi consumida pelo fracasso, pela vergonha, pela raiva, pelo dissabor. A casa sintetizava isso. Tudo nela era metade uma cois, metade outra. Nem cabana nem casa, nem indigente nem próspera. Um lugar abandonado á propria sorte.
(V. S. Maipaul - Sementes mágicas)

Um comentário:

  1. Imagino que o pai que jamais conheci resida em uma casa bastante similar a essa que descreveste: com as coisas pela metade, duais, fragmentadas. Um reflexo da cabeça do pai que não tive.

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