sábado, 15 de março de 2008

Balada de Pedro Nava 1º trecho

(O anjo e o túmulo)
I
Meu amigo Pedro Nava
Em que navio embarcou:
A bordo do Westphalia
Ou a bordo do Lidador?

Em que antárticas espumas
Navega o navegador
Em que brahmas, em que brumas
Pedro Nava se afogou?

Juro que estava comigo
Há coisa de não faz muito
Enchendo bem a caveira
Ao seu eterno defunto.

Ou não era Pedro Nava
Quem me falava aqui junto
Não era o Nava de fato
Nem era o Nava defunto?...

Se o tivesse aqui comigo
Tudo se solucionava
Diria ao garçom: Escanção!
Uma pedra a Pedro Nava!

Uma pedra a Pedro Nava
Nessa pedra uma inscrição:
"- deste que muito te amava
teu amigo, teu irmão..."

Mas oh, não! que ele não morra
Sem escutar meu segredo
Estou nas garras da Cachorra
Vou ficar louco de medo

Preciso muito falar-lhe
Antes que chegue o amanhã:
Pedro Nava, meu amigo
DESCEU O LEVIATÃ!

(Vinícius de Moraes)

3 comentários:

  1. Este blog está uma belezura - e uma delícia.

    Parabéns pelo trabalho, que revela sensibilidade, argúcia, criação.Tudo aqui é chique,incensado pela originalidade, que revela a inteligência do blogueiro.

    Aplausos...solenes. cl

    ResponderExcluir
  2. Por Pedro Nava

    O defunto


    Quando morto estiver meu corpo,
    Evitem os inúteis disfarces,
    Os disfarces com que os vivos,
    Só por piedade consigo,
    Procuram apagar no Morto
    O grande castigo da Morte.


    Não quero caixão de verniz
    Nem os ramalhetes distintos,
    Os superfinos candelabros
    E as discretas decorações.


    Quero a morte com mau-gosto!


    Dêem-me coroas de pano.
    Dêem-me as flores de roxo pano,
    Angustiosas flores de pano,
    Enormes coroas maciças,
    Como enormes salva-vidas,
    Com fitas negras pendentes.


    E descubram bem minha cara:
    Que a vejam bem os amigos.
    Que não a esqueçam os amigos.
    Que ela ponha nos seus espíritos
    A incerteza, o pavor, o pasmo.
    E a cada um leve bem nítida
    A idéia da própria morte.


    Descubram bem esta cara!


    Descubram bem estas mãos.
    Não se esqueçam destas mãos!
    Meus amigos, olhem as mãos!
    Onde andaram, que fizeram,
    Em que sexos demoraram
    Seus sabidos quirodáctilos?


    Foram nelas esboçados
    Todos os gestos malditos:
    Até os furtos fracassados
    E interrompidos assassinatos.


    — Meus amigos! olhem as mãos
    Que mentiram às vossas mãos...
    Não se esqueçam! Elas fugiram
    Da suprema purificação
    Dos possíveis suicídios.


    — Meus amigos, olhem as mãos!
    As minhas e as vossas mãos!


    Descubram bem minhas mãos!


    Descubram todo o meu corpo.
    Exibam todo o meu corpo,
    E até mesmo do meu corpo
    As partes excomungadas,
    As sujas partes sem perdão.


    — Meus amigos, olhem as partes...
    Fujam das partes,
    Das punitivas, malditas partes ...


    E, eu quero a morte nua e crua,
    Terrífica e habitual,
    Com o seu velório habitual.


    — Ah! o seu velório habitual!


    Não me envolvam em lençol:
    A franciscana humildade
    Bem sabeis que não se casa
    Com meu amor da Carne,
    Com meu apego ao Mundo.


    E quero ir de casimira:
    De jaquetão com debrum,
    Calça listrada, plastron...
    E os mais altos colarinhos.


    Dêem-me um terno de Ministro
    Ou roupa nova de noivo ...
    E assim Solene e sinistro,
    Quero ser um tal defunto,
    Um morto tão acabado,
    Tão aflitivo e pungente,
    Que sua lembrança envenene
    O que resta aos amigos
    De vida sem minha vida.


    — Meus, amigos, lembrem de mim.
    Se não de mim, deste morto,
    Deste pobre terrível morto
    Que vai se deitar para sempre
    Calçando sapatos novos!
    Que se vai como se vão


    Os penetras escorraçados,
    As prostitutas recusadas,
    Os amantes despedidos,
    Como os que saem enxotados
    E tornariam sem brio
    A qualquer gesto de chamada.


    Meus amigos, tenham pena,
    Senão do morto, ao menos
    Dos dois sapatos do morto!
    Dos seus incríveis, patéticos
    Sapatos pretos de verniz.
    Olhem bem estes sapatos,
    E olhai os vossos também.

    ResponderExcluir
  3. Esse poema dá saudade de Vinicius e cria uma acronia. Parece que Nava morreu antes do poetinha. Lendo assim, istala-se no leitor uma elegia extemporânea e, vamos ser leitores, que beleza!

    ResponderExcluir