Mariinha contava casos. Um dos mais célebres de sua longa experiência se deu ali pela década de 50, quando ela ainda se preparava para ser a grande dama que é. A graça e riso contido sempre faziam parte de suas histórias.
Havia na cidade um relojoeiro manco e solteiro, que freqüentava a Casa toda quinta-feira, ali pelas oito horas da noite, quando as últimas pessoas se recolhiam a seus lares ou buscavam o aconchego que lhes faltava. Tal senhor cumpria seu périplo, disfarçava, lentamente olhando para aqui e ali, parando nas janelas da rua principal para um dedo de prosa. Não percebia que este era o aviso. Quanto mais disfarçava, mais atiçava o riso quieto das senhoras e a assuada da garotada, que ia se ajuntando, formando um distanciado, mas atento grupo. Dirigia-se, após essas delongas, manquitolando à augusta casa de Mariinha.
Chegava, olhava mais uma vez em torno de si, e entrava. Aflito que estava, não percebia a meninada que esperava na esquina. Após alguns minutos, tomava uma senhora já meio entrada em anos, mas ainda em suas funções, e se dirigia ao quarto três, que ficava na lateral da construção. Uma janela fechada, com cortinas simples, uma cama e a bacia com água para os testes de saúde e lavagem posterior. O quarto era franciscano. Havia outros melhor decorados, mas o dele devia imitar os quartos conventuais, com o toque inusitado das bacias de bentas águas.
Tinha, dizia a Mariinha, uma peculiaridade. Gostava de gritar na hora do gozo. Gritava, mas não como se costuma gritar os sem-sentidos do prazer, quando se é tomado pela animalidade dos sons. Gritava, correto. Evocava Deus, Jesus, a santíssima trindade toda! Os “ai meu Deus”, “ai Jesus” e os “meu espírito santinho”. Era o sinal para a algazarra da meninada. Vaiavam, gritavam reproduziam o pobre senhor. Macaqueavam, anunciando a famosa trepada pela cidade afora.
Saía após se arrumar. Ganhava a rua em direção a sua moradia que ficava perto. O rapsodo de sua façanha corria a cidade, enquanto ele, recolhido, dormia o sono dos justos.
As versões eram tantas e cada vez mais escabrosas que os – digamos – responsáveis pelos usos e costumes da cidade buscaram intervir. Foram o Padre, o Doutor para persuadir e o Chefe de Polícia para ordenar. Mariinha os recebeu no seu salão. Conhecia de cada um deles os desejos, as manias. Ameaças de uns e de outros, acordaram. O infeliz do homem não seria mais recebido. Aquilo era um assunto privado e não um espetáculo público.
“Acordos são acordos devem ser cumpridos ou burlados”, dizia a sábia senhora. Na quinta seguinte, o relojoeiro apareceu e, ao invés de se deparar com Zínia, sua amante, deparou-se com Mariinha, que o chamou para uma conversa. Acordaram. Não mais a gritaria seria ouvida, sob pena de as portas se fecharem. Mariinha instruiu. Nada de dedo de prosa, sorrisos. Isso apenas criava expectativas e a cidade nada tinha a ver com isso.
Fora a garotada esperava ansiosa. Já se passara mais tempo que o costume e nada, nada, nada. A decepção aumentou quando o viram sair da Casa e dar-lhes uma sonora banana. Depois manquitolar até a porta de casa. Os episódios serenaram. A garotada o seguiu mais umas duas quintas e foram rareando, rareando até sumirem-se. Estava limpa a cidade. Mariinha, percebendo que sua Casa e reputação não mais corriam perigo chamou o relojoeiro:
__ Vossemecê, já pode gritar. Agaranto a paz. Mas, veja, nada de sorrisos, conversas. De hoje em diante só os gritos. E chamou:
__ Zínia! Zínia! O senhor Napoleão. Deixe-o gritar.
E Napoleão gritou feliz seus ais que ecoaram sobre a cidade. Ai, meu Deus, como é bom. Ai Jesus, que eu morro. Zínia, Zínia ai que vou gritar.
(oswaldo martins)
Havia na cidade um relojoeiro manco e solteiro, que freqüentava a Casa toda quinta-feira, ali pelas oito horas da noite, quando as últimas pessoas se recolhiam a seus lares ou buscavam o aconchego que lhes faltava. Tal senhor cumpria seu périplo, disfarçava, lentamente olhando para aqui e ali, parando nas janelas da rua principal para um dedo de prosa. Não percebia que este era o aviso. Quanto mais disfarçava, mais atiçava o riso quieto das senhoras e a assuada da garotada, que ia se ajuntando, formando um distanciado, mas atento grupo. Dirigia-se, após essas delongas, manquitolando à augusta casa de Mariinha.
Chegava, olhava mais uma vez em torno de si, e entrava. Aflito que estava, não percebia a meninada que esperava na esquina. Após alguns minutos, tomava uma senhora já meio entrada em anos, mas ainda em suas funções, e se dirigia ao quarto três, que ficava na lateral da construção. Uma janela fechada, com cortinas simples, uma cama e a bacia com água para os testes de saúde e lavagem posterior. O quarto era franciscano. Havia outros melhor decorados, mas o dele devia imitar os quartos conventuais, com o toque inusitado das bacias de bentas águas.
Tinha, dizia a Mariinha, uma peculiaridade. Gostava de gritar na hora do gozo. Gritava, mas não como se costuma gritar os sem-sentidos do prazer, quando se é tomado pela animalidade dos sons. Gritava, correto. Evocava Deus, Jesus, a santíssima trindade toda! Os “ai meu Deus”, “ai Jesus” e os “meu espírito santinho”. Era o sinal para a algazarra da meninada. Vaiavam, gritavam reproduziam o pobre senhor. Macaqueavam, anunciando a famosa trepada pela cidade afora.
Saía após se arrumar. Ganhava a rua em direção a sua moradia que ficava perto. O rapsodo de sua façanha corria a cidade, enquanto ele, recolhido, dormia o sono dos justos.
As versões eram tantas e cada vez mais escabrosas que os – digamos – responsáveis pelos usos e costumes da cidade buscaram intervir. Foram o Padre, o Doutor para persuadir e o Chefe de Polícia para ordenar. Mariinha os recebeu no seu salão. Conhecia de cada um deles os desejos, as manias. Ameaças de uns e de outros, acordaram. O infeliz do homem não seria mais recebido. Aquilo era um assunto privado e não um espetáculo público.
“Acordos são acordos devem ser cumpridos ou burlados”, dizia a sábia senhora. Na quinta seguinte, o relojoeiro apareceu e, ao invés de se deparar com Zínia, sua amante, deparou-se com Mariinha, que o chamou para uma conversa. Acordaram. Não mais a gritaria seria ouvida, sob pena de as portas se fecharem. Mariinha instruiu. Nada de dedo de prosa, sorrisos. Isso apenas criava expectativas e a cidade nada tinha a ver com isso.
Fora a garotada esperava ansiosa. Já se passara mais tempo que o costume e nada, nada, nada. A decepção aumentou quando o viram sair da Casa e dar-lhes uma sonora banana. Depois manquitolar até a porta de casa. Os episódios serenaram. A garotada o seguiu mais umas duas quintas e foram rareando, rareando até sumirem-se. Estava limpa a cidade. Mariinha, percebendo que sua Casa e reputação não mais corriam perigo chamou o relojoeiro:
__ Vossemecê, já pode gritar. Agaranto a paz. Mas, veja, nada de sorrisos, conversas. De hoje em diante só os gritos. E chamou:
__ Zínia! Zínia! O senhor Napoleão. Deixe-o gritar.
E Napoleão gritou feliz seus ais que ecoaram sobre a cidade. Ai, meu Deus, como é bom. Ai Jesus, que eu morro. Zínia, Zínia ai que vou gritar.
(oswaldo martins)
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