quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Poemas da Invenção de Orfeu

II

A ilha ninguém a achou
porque todos a sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terras e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indicíos de canibais,
sinais de sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa dos ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
dosmingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?


XVIII

Éguas vieram, à tarde, perseguidas,
depositaram bostas sobre as vides.
Logo após borboletas vespertinas,
gordas e veludosas como ortigas

sugar vieram o esterco fugante.
Se as vísseis, vós diríeis que o composto
das asas e dos restos eram flores.
Porque parecem sexos; neste instante,

os mais belos centauros do alto empíreo,
pelas pétalas desceram atraídos,
e agora debruçados formam círculos;
depoisa as beijam como beijam lírios.

(Jorge de Lima - Invenção de Orfeu)

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