XLVIII
O Senhor, por cortesia,
Males ao corpo me envia!
Me venha a febre quartã,
Febre contínua e treçã,
Febre à noite e de manhã
E uma grande hidropisia.
Que me venha dor de dente,
Dor de cabeça e do ventre,
Arda a garganta atrozmente,
E o estômago tenha azia;
Os olhos doam e o flanco,
E um abscesso que não ‘stanco;
Que eu fique tísico e manco,
Sofra sempre de anemia.
Fique o fígado inflamado,
Podre o baço, o ventre inflado;
O pulmão em mau estado
Com tosse e paralisia.
Me venham cancros minúsculos
E milhares de furúnculos,
Fistulas como carbúnculos,
Sem parar, a cada dia.
Me venha grave podagra,
Cílios doentes eu traga,
E hemorróida em rubra chaga
De tanta desinteria.
Que eu tenha a boca ulcerosa
E cólica impiedosa;
Uma angina dolorosa
No peito, asma e asfixia.
Que o mal-caduco eu apanhe,
No fogo e na água, inane,
Eu desfaleça e me banhe,
Sem descanso ou melhoria.
Venham cegueira, surdez,
Venha depois a mudez,
Venha miséria e escassez,
Penas que nada alivia.
Que meu fedor afugente
Todo e qualquer ser vivente,
Que eu siga enfermo e dolente
Por uma estrada vazia.
No fosso horrível jogado
Que Regoverci é chamado,
Me consuma abandonado
Sem uma só companhia.
Neve, granizo, mau tempo,
Raio e treva, trovão, vento:
Não me poupe um contratempo,
Nem se vá se me assedia.
Demônios do negro inferno
Me tenham sob o seu governo,
Que seja um suplício eterno
Meu lucro após a folia.
Neste mundo sem guarida
Vá durando toda vida,
Mais tarde enfim, na partida,
Me aguarde morte sombria.
Seja um lobo a sepultura
Que me roa a ossada impura,
E relíquia a bosta escura
Caída entre a ramaria.
Os milagres ‘pós morte:
Com visões de toda sorte
Se aflija o incauto sem norte
que acaso tome esta via.
E sempre que eu for lembrado,
Sinais-da-cruz afobados
Sejam a medo esboçados,
Ou um desgraça viria.
Senhor, o castigo é nada,
Branda apena reclamada:
Tua cria bem-amada,
Te matei por vilania.
(Jacopone da Todi – século XIII)
Para estudar Jacopone:
Em português:
Ungaretti, Giuseppe: Invenção da poesia moderna: lições de literatura no Brasil, 1937 – 1942. São Paulo. Ática, 1996, p. 42-74.
Auerbach, Erich. Mímesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo. Perspectiva, 1987, p. 147-150.
Spina, Segismundo. Manual de versificação românica medieval. São Paulo: Ateliê, 2003, p. 88-95.
Falbel, Nachman. Os espirituais franciscanos. São Paulo. Perspectiva, 1995
Souza, Marcelo Paiva. Traduzir Jacopone da Todi, in: Revista eletrônica de Estudos Literários. UFES. www.ufes.br/~mlb/>.
Em inglês:
Dronke, Peter. Medieval Lyric. Cambridge: D.S. Brewer, 2002
Peck, George T. The fool of God: Jacopone da Todi. Alabama. The University of Alabama Press, 1980.
As fontes de pesquisa, assim como o poema que aqui se lê, são de livro editado pela Editora UnB. Assina a seleção, a tradução e organização Marcelo Paiva de Souza.
A coleção chamada poetas do mundo edita diversos poetas de diversas nacionalidades Vale a pena conferir para que se possa conhecer e estudar essa produção, que para nós soa ainda como marginal. Encontrei os livrinhos na Arlequim, agora livraria, café e loja de CDs.
Para apreciação de vocês, um poema da japonesa Yosano Akiko, que viveu entre 1878 e 1942.
cabelo solto
espalha-se no quarto
perfume de lis
lentamente esvaece
a noite de amor rosa
(Yosano Akiko)
O Senhor, por cortesia,
Males ao corpo me envia!
Me venha a febre quartã,
Febre contínua e treçã,
Febre à noite e de manhã
E uma grande hidropisia.
Que me venha dor de dente,
Dor de cabeça e do ventre,
Arda a garganta atrozmente,
E o estômago tenha azia;
Os olhos doam e o flanco,
E um abscesso que não ‘stanco;
Que eu fique tísico e manco,
Sofra sempre de anemia.
Fique o fígado inflamado,
Podre o baço, o ventre inflado;
O pulmão em mau estado
Com tosse e paralisia.
Me venham cancros minúsculos
E milhares de furúnculos,
Fistulas como carbúnculos,
Sem parar, a cada dia.
Me venha grave podagra,
Cílios doentes eu traga,
E hemorróida em rubra chaga
De tanta desinteria.
Que eu tenha a boca ulcerosa
E cólica impiedosa;
Uma angina dolorosa
No peito, asma e asfixia.
Que o mal-caduco eu apanhe,
No fogo e na água, inane,
Eu desfaleça e me banhe,
Sem descanso ou melhoria.
Venham cegueira, surdez,
Venha depois a mudez,
Venha miséria e escassez,
Penas que nada alivia.
Que meu fedor afugente
Todo e qualquer ser vivente,
Que eu siga enfermo e dolente
Por uma estrada vazia.
No fosso horrível jogado
Que Regoverci é chamado,
Me consuma abandonado
Sem uma só companhia.
Neve, granizo, mau tempo,
Raio e treva, trovão, vento:
Não me poupe um contratempo,
Nem se vá se me assedia.
Demônios do negro inferno
Me tenham sob o seu governo,
Que seja um suplício eterno
Meu lucro após a folia.
Neste mundo sem guarida
Vá durando toda vida,
Mais tarde enfim, na partida,
Me aguarde morte sombria.
Seja um lobo a sepultura
Que me roa a ossada impura,
E relíquia a bosta escura
Caída entre a ramaria.
Os milagres ‘pós morte:
Com visões de toda sorte
Se aflija o incauto sem norte
que acaso tome esta via.
E sempre que eu for lembrado,
Sinais-da-cruz afobados
Sejam a medo esboçados,
Ou um desgraça viria.
Senhor, o castigo é nada,
Branda apena reclamada:
Tua cria bem-amada,
Te matei por vilania.
(Jacopone da Todi – século XIII)
Para estudar Jacopone:
Em português:
Ungaretti, Giuseppe: Invenção da poesia moderna: lições de literatura no Brasil, 1937 – 1942. São Paulo. Ática, 1996, p. 42-74.
Auerbach, Erich. Mímesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo. Perspectiva, 1987, p. 147-150.
Spina, Segismundo. Manual de versificação românica medieval. São Paulo: Ateliê, 2003, p. 88-95.
Falbel, Nachman. Os espirituais franciscanos. São Paulo. Perspectiva, 1995
Souza, Marcelo Paiva. Traduzir Jacopone da Todi, in: Revista eletrônica de Estudos Literários. UFES. www.ufes.br/~mlb/>.
Em inglês:
Dronke, Peter. Medieval Lyric. Cambridge: D.S. Brewer, 2002
Peck, George T. The fool of God: Jacopone da Todi. Alabama. The University of Alabama Press, 1980.
As fontes de pesquisa, assim como o poema que aqui se lê, são de livro editado pela Editora UnB. Assina a seleção, a tradução e organização Marcelo Paiva de Souza.
A coleção chamada poetas do mundo edita diversos poetas de diversas nacionalidades Vale a pena conferir para que se possa conhecer e estudar essa produção, que para nós soa ainda como marginal. Encontrei os livrinhos na Arlequim, agora livraria, café e loja de CDs.
Para apreciação de vocês, um poema da japonesa Yosano Akiko, que viveu entre 1878 e 1942.
cabelo solto
espalha-se no quarto
perfume de lis
lentamente esvaece
a noite de amor rosa
(Yosano Akiko)
Eis um belo texto..
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