sexta-feira, 1 de maio de 2009

antiode para sara shiva

para alexandre faria que me deu o mote
e também desdenhar das saras shivas
da troca de nomes
da troca de papéis
ou, como chamar urubu de meu louro,
preferir o insosso da inevitável marola
às cores psicodélicas das rirocas
às cores fortes – não matizadas – das roupas da aurora mochila, chinela às cores das estradas cumpridas ao acaso da lua ao acaso das borboletas ao acaso
do que desse e viesse.

e mesmo que shivas ou saras – tantas as tradições – o apelo das rirocas da graça indizível da cócega da risada fincada no corpo que ri
se perde para sempre

a nova nomeação da falsa índia
trava a língua uma outra índia – edênica –
sonhada?

e deixa passar o tédio deixa
dormir o insensato
deixa cair o pano / naufragar o barco

fechem-se as cortinas da constipação
as saras shivas são limpas
não possuem narizes que escorrem
não possuem o feliz catarro das crianças
no barro na terra
passam longe das tosses passam longe
do corte de luz
do corte de água
do corte da vida

redomadas
essas saras shivas
têm nojo
são ceteíticas, entubáveis
os balões de oxigênio são sua morada
como os altares assépticos são a morada
dos deuses inconsúteis

ao não me toque dessas moças shivas
à descrença no tabaco
à descrença na tabaca
ergo cicuta e despudor

a mão trocada de velásquez o bobo anão
a imagem em movimento pelas ruas lamacentas
pelo brim sujo de bandeira

ante as virgens cem por cento
as tabelas de cosseno ergo a pluriface
periódica do amor sujo e combinável

através do vento

(oswaldo martins)

2 comentários:

  1. Querido Oswaldo:

    Imagino que esse poema lhe tenha sido sugerido pela biografia da Baby Consuelo, cuja referência andei lendo nas edicoes de nossos jornais pela Internet.

    Conheci Riroca menina: era colega de turma de minha filha na saudosa escola Senador Correa, onde tambem estudavam, ja no segundo grau, os filhos de Gil e Caetano.

    Acompanhei, como outras mães de alunos, a surpreendente mudanca de nome da menina, por sua própria escolha, para Sara Shiva. Ou seja, de hipismo para exotismo, mas na mesma area. Mas tambem me lembro que uma colega de trabalho, que não era cantora nem famosa tambem tinha uma filha de nome incomum (o nome de uma tribo de índios brasileiros) e que ficou feliz em encontrar uma Riroca como colega: pela primeira vez tinha encontradso um nome mais estranho que o dela e ninguem mais ia rir dela quando o pronunciasse.

    A Baby era um mãe legal: convidava a turma inteira pro sitio deles em Penedo, quando Riroca / Shara Shiva fazia aniversário. As criancas adoravam. E era legal te-la como participante nas reunioes de pais e alunos. E a escola tambem: umapena que tenha desaparecido, inclusive fisicamente. O predio era uma maravilha e dava um ar mais nobre a Praca São Salvador.

    Não sei qual eh o tom da noticia, mas, como "hippie velha"(assim uma colega classificou certo tipo de intelectual que circula em certas partes dos Estados Unidos), acho que a Baby e sua filha merecem um tratamento pelo menos saudoso: de um tempo em que havia esperanca de que seriamos capazes de encontrar alternativas - nem que fossem apenas de hábitos e comportamento - à alienante sociedade capitalista. Tienhamos razão: deu no que deu...

    Gosto do poema, de toda maneira.

    Grande abraco da,

    Lidia

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  2. Olá, Lidia,

    Acho que há, nas antiode não só um saudosismo, como até certa nostalgia, a dor da perda de um processo libertário político e comportamental, identificado com os revolucionários anos 60, que as contastações e os ícones ilustrados nos poemas levam a crer que se estagnou, ou simplesmente foi cooptado pelo capital. Aqui fica meio evidente que a troca de nome da personagem ilustra esse movimento e, como diz o poema, recoloca o comportamento contemporâneo a partir de outras e tantas tradições.

    PS: Um curiosidade sobre a gênese do poema: Apontava eu ao Oswaldo (e daí a dedicatória que muito me honrou) como, entre os nomes das crianças de hoje, aumentou a frequência daqueles de inspiração bíblica ou religiosa, como os apóstolos, os evangelistas, ou os anjos e arcanjos: mateus, tiago, lucas, gabriel etc. E que isso indicava certa tendência ao conservadorismo na sociedade de hoje.

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