sexta-feira, 15 de maio de 2009

PREGÕES

para Álvaro Moreyra e Maria Helena Silveira *


Moro também numa vila de casas. Por rabugice dos moradores mais ao fundo, a vila não tem portão. Por sorte, a minha casa não tem campainha. Quando alguém se põe a gritar moça! moça! moça! eu me escondo no lugar mais recôndito. Certa vez, levantei-me irritado e da poltrona à janela, já fui avisando: aqui, não tem moça nenhuma, bradei. Era uma vizinha, moradora nova na vila, veio dizer que o pneu do meu carro estava arriado. Por sorte minha, ela achou graça. Se, ao contrário, ouço: casa 2, Cedae; casa 2, Light, visto a camisa e ponho-me a postos.

Ainda hoje varrendo a casa, bateram à janela. Fiz-me surdo. Mas o pobre bateu tanto, que me venceu. Era uma senhora com um guarda-chuva- chovia. Não tenho nenhum trocado, disse-lhe e pensei: se dou esmola a esta mulher, ela não me sai mais da janela.

Mas como de esmolas, nada sabemos- e é sempre melhor dar do que ter de pedir- fui ao portão com duas moedas, mas a mulher já não me ouvia. Passou uma vizinha lá dos fundos, e eu, meio sem jeito, e ela também, combinamos dela levar as moedas pra aquela pobre. Ainda vai dizer que a esmola é ela quem dá, pensei. Pouco depois, veio a senhora pobre agradecer as moedas que lhe enviara.

Há ainda o padeiro, aquele rapaz que carrega um cesto com pães sobre o guidom de uma bicicleta. A este, quando muda o rapaz, tenho sempre de dizer que não precisa buzinar tanto nem tão alto.

Há ainda o estardalhaço do papagaio, da arara, da araponga ou sei lá de que pássaro da casa em frente. Mas se a buzina do padeiro rouba-me a sesta, o arrulho, a algazarra do pássaro embala-me o sono da tarde.

Estando a casa a precisar duma vassoura. Escolhi uma dentre as três que tenho. Fui fazendo um ou dois montinhos em cada cômodo que varria. Depois fui recolhendo-os com pá e escova. Lembrei-me de um amigo que quando queria beber sem que a mulher o aborrecesse, encerava o chão da casa.

De repente, ouço um pregão: vassouureiiiiiiro! Corri para a porta e o rapaz me ouviu. Comprei-lhe uma vassoura. Não precisava dela, mas preciso do pregão. Quantas vassouras você vende num dia? Vinte. Comprei-lhe uma, para que ele não deixasse de apregoar. Nem ele precisava que lhe comprasse uma vassoura, nem eu precisava da vassoura que lhe comprava, mas preciso do pregão.

De quando em quando me pergunto se existe mesmo o mundo virtual. Existe. Sei que existe. Por isso preciso comprar uma vassoura, ainda que dela não precise, para me perceber em mundo real.

(Elesbão Ribeiro)

* para Álvaro Moreyra, pela crônica Pregões musicavam a rua; para Maria Helena pela seleção da crônica em um de seus livros didáticos.

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