sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um país parnasiano

Um país parnasiano


Os poetas modernistas leram a poesia parnasiana e a condenaram. Procuravam mudar os padrões de leitura do país. Desde os manifestos aos poemas escritos, pode-se ler o desprezo e o combate contra a retórica dos poetas do fim de século. Sabiam os modernistas que a poesia parnasiana, por trás do artesanato correto e erudito, escondia monstros – como os de Goya. O aparente deslocar-se da realidade, para privilegiar a forma poética, escondia o retrato monstruoso do país.

Os movimentos sociais do final do século XIX permitiram uma série de modificações no corpo político da nação. A substituição – da mão de obra escrava pela sub-assalariada; a Monarquia pela República positivista; os cortiços e casas de pensão por uma cidade que se queria asséptica – é apenas um dos índices destas modificações. A poesia parnasiana é outra dessas modificações. Conforme diz Antônio Candido em seu instigante artigo sobre a poesia realista, Os primeiros baudelairianos[1], os seguidores do parnasianismo “não poderiam aceitar Baudelaire, que naquele tempo era sinônimo de revolta, niilismo, neurose e desmando sexual – alimentos fortes demais para os nossos corretos parnasianos, que foram uns verdadeiros campeões de falsas ousadias”. (grifo meu). (Candido: 38 – 1987).

A recusa de Baudelaire faz pensar. Ao se recusarem ir para ruas, como a nação brasileira não foi, quando se anunciaram as modificações políticas a que se refere acima, os parnasianos interpretavam o país asséptico que se confirmava, através do positivismo, com seus lemas inspirados na ordem, na limpeza, na sujeira e miséria varridas para baixo do tapete. A cidade francesa de Haussmann transformou-se na cidade de Passos e deu frutos nação afora. Higienização e pureza d’alma, padrões que se reproduziram durante todo o século XX. Seja no Estado Novo de Vargas, seja na edição golpista de 64. Não se pode esquecer que diversos dos baluartes civis e militares de 64 atuaram no corpo político do governo Vargas. A democracia que surge e se instaura no país, após 64, teria a necessidade de recompor-se contra o autoritarismo. Triste país, que se esconde sob o manto da pureza e do silêncio, quando quaisquer vozes se elevam para discordar, futucar o estabelecido como norma. Ousadias, aqui, só se forem as parnasianas.

Por isso o legado modernista é mal compreendido. Quando Manuel Bandeira escreve seus poemas que incentivam a vida, – ler o Pneumotórax, por exemplo, como um reflexo da tuberculose é de uma incapacidade tola, pois nele o que se lê é o apelo à vida que se esvai, um último desejo que se revela pelo aproveitamento do dia – surgem as marcas sujas da vida, da sordidez, da lama. Diz o poeta, em 1949:

O poeta deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor contente de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e
[as amadas que envelhecem sem maldade.[2]

Parece que os leitores deste nosso século XXI preferem a assepsia dos poetas parnasianos, sua falsa ousadia, a capacidade tola de se comprazer com a emoção fácil das televisões – o que revela um outro dado poético de permanência no universo da escrita brasileira, o apelo romântico, a visão beatífica do paraíso. Por isso buscam esquecer que as meninas da gare – nossas índias, ou seu legado – foram prostituídas e, assim, isoladas pela limpeza que o parnasianismo representou e ainda representa. Daí a necessidade da poesia – e da prosa – suja, em que se mesclam a bunda da miséria e a exploração do universo espantoso da palavra.

Rio, outubro, de 2008

Oswaldo Martins



[1] Candido, Antônio. Educação pela noite. Editora Ática. São Paulo. 1987.
[2] Bandeira, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 1993

4 comentários:

  1. Oswaldo

    continue sendo sempre essa pessoa que você é, apesar de alguns quererem nos podar dentro de moldes. A expressão e as palavras são suas armas contra esses hipócritas ...continue o seu trabalho apesar de tudo ...

    Laura Lo Surdo

    ResponderExcluir
  2. O parnasiano não morreu. Nem Marinetti, nem Menoti com manifestos e conferências avançadinhas, mas cheias de parnaso e inclua-se fascismo, ainda hoje estão aí. Nas escolas, nas faculdades, nas padarias e sobretudo nos partidos políticos. Tá todo mundo fudido, cara.
    Abraço,
    Carlos Vilarinho

    ResponderExcluir
  3. Boa tarde,

    Conheci um pouco do seu trabalho na faculdade. Fui aluno do Alexandre na UFJF.
    Se não se importa, adicionei o link do seu blog no meu.
    Gostei muito do blog, especialmente este texto. Cutuca a chaga que não quer ser curada.
    Muito bom.

    Att

    Giovani Verazzani

    ResponderExcluir
  4. Professor Oswaldo Martins,

    "Não sei escrever". No entanto, cara, sei compreender. Outro dia um professor de uma escola aqui em Minas levou uma "bronca" por trabalhar umas "imagens" do Concretismo numa Feira de Ciências...
    Sei que compreende: o falso-pudor e a pobreza, diria mais, a miséria demoníaca das mentes lavadas pelo ladrão-intelectual dos crimes deste país, suas ações e os resultados são dignos de aplausos. São resultados simplesmente imbecis; que levam nossos alunos à pobreza de espírito e até mesmo fraqueza pessoal e cultural.
    As coisas não param. Eu acredito. Eu, ainda, acho que fazemos a diferença.
    Parabéns pelo trabalho. Também o conheci através de Alexandre Faria, "Lucidez do Oco"...
    Um Abraço.

    Charles Dias Gonçalves.

    ResponderExcluir