Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
domingo, 31 de março de 2013
quarta-feira, 27 de março de 2013
Eugênio Hirsch
O austro-portenho
Eugênio Hirsch tinha um sentido de Brasil muito agudo. Sua fala – se traía suas
origens – denunciava também uma compreensão do país bem mais intensa do que a
de muitos que aqui nasceram. Tanto que, para os que com ele privaram, sua voz,
que nos interpretava como bem poucos, dando-nos uma dimensão maior, se
transforma numa voz mítica, macunaimaica.
(oswaldo
martins)
Breve abecedário da mulher
E
Amor,
escravidão servida livre
em cântaros eternos.
F
A aurora enfeita seu corpo
seu corpo enfeita a noite.
G
Seu perfume são acentos
no livro de seu corpo
(Adônis)
terça-feira, 26 de março de 2013
Jocelena
minha manicure me tira do sério
ela cantarola enquanto trabalha
assobia se comete um erro
as pessoas parecem não saber
a diferença entre
inocência e imaturidade
eu não sabia
até que encontrei a jô
e sua cantoria toda.
(Lúcia Leão)
poste em matéria para o desassossego
para
elvira vigna
se iluminam
a rua
se do céu
partem
o ocre
dos mapas
se da terra
a cidade
mapeada
(oswaldo martins)
Brincanagem 6
nestes versos devo declarar
que de boa-fé apanhei muito
de onde menos esperava
também nestes versos direi
ainda em boa-fé e de mãos postas
que de hoje em diante ocultarei as cicatrizes
de nada importa exibir tais flagelos
se o barco singra enseada mansa e acolhedora
ainda que rente ao ocaso fatal
(Ricardo Tollendal)
Breve abecedário da mulher
c
a luz tremeu nas paredes de sua casa
quando me atingiu em cheio:
sim,
não é o espírito que lembra
mas o corpo.
d
amor
peito aberto
mas o peito tem uma voz
que lembra língua extinta.
(Adônis)
a luz tremeu nas paredes de sua casa
quando me atingiu em cheio:
sim,
não é o espírito que lembra
mas o corpo.
d
amor
peito aberto
mas o peito tem uma voz
que lembra língua extinta.
(Adônis)
Sessão Taoísta
para Paulo
Coelho
o mestre disse a seu discípulo
o verde não é verde
o verde é amarelo
o azul não é azul
o azul é branco
de que cor é o amarelo
perguntou o mestre
o discípulo deu-lhe uma bofetada na cara
erraste disse o mestre
essa é a cor do azul.
elesbão ribeiro
25/03/13
sábado, 23 de março de 2013
Bricanagem 5
desde cedo me diverte
um faniquito de vizinhas arreliadas
sucedido pela ira santa
do sujeito encanecido
que deixou de arrebanhar certa merreca
tudo isso se soma
aos acidentes do feriadão
mentira política e familiar
pancadaria no futebol
ao noticiário alarmista
a guerras feitas para acabar com a guerra
ao restante do desacerto humano
aqui nos puseram para sobreviver
com mínimo esforço e desfrutar
do que ainda presta
daí ficar pasmo de haver criaturas
exasperadas
aturdidas
torturadas
por não compreenderem a dita realidade
até perderem noite de sono
com a insanidade dos semelhantes
(Ricardo Tollendal)
Poesia 2013 Adônis
BREVE ABECEDÁRIO DA MULHER
A
Ela
começou a vida como um fogo único
e sem igual serão suas cinzas.
B
Se amor, forma passada,
só dialoga com o futuro.
(Adônis)
A
Ela
começou a vida como um fogo único
e sem igual serão suas cinzas.
B
Se amor, forma passada,
só dialoga com o futuro.
(Adônis)
sessão
sessão
para charles bukovski
a minha amada é mesmo uma mulher inpagável
trouxe-me pra casa do hospital
tinha operado o joelho
abriu uma garrafa de vinho
acendeu um charuto
abriu as pernas
vamos cuidar desse joelho.
elesbão ribeiro
22/03/13
para charles bukovski
a minha amada é mesmo uma mulher inpagável
trouxe-me pra casa do hospital
tinha operado o joelho
abriu uma garrafa de vinho
acendeu um charuto
abriu as pernas
vamos cuidar desse joelho.
elesbão ribeiro
22/03/13
sexta-feira, 22 de março de 2013
Poesia 2013 Síria
A sibila
Sibila acendeu na minha testa
o incenso e ao sonho se entregou
como se as pálpebras fossem leito
Ó sibila dos séculos diga-nos
algo sobre o deus que agora nasce
__ Há mesmo o que adorar em seus
olhos?
(Adônis)
Espelho do
corpo do outono
Você já viu como a mulher
carrega o corpos do outono?
Primeiro ela mistura o rosto e a
calçada
depois tece um vestido com os fios
da
chuva
as pessoas
na
cinza da rua
são brasa apagada.
(Adônis)
(trad. Michel Sleiman)
quinta-feira, 21 de março de 2013
CONSTATAÇÕES IRREFUTÁVEIS E OUTRAS MERRECAS
Não deve haver luta entre
piano e orquestra. Seria um combate desigual. Mas o concertista também não deve
pôr as manguinhas de fora.
Narizes foram feitos para
servir de obstáculo ao beijo. Até a natureza conspira contra o prazer.
Desfile de escola de samba
guarda alguma parecença com eleição de papa: mesmo não sendo adepto, todos
querem saber quem vencerá.
Me interessa o número de
voltas ao redor do mundo, constituídas por tudo o que humanos já puseram no
papel. Para não encompridar, tento ser morigerado e conciso.
Imaginação é o maior atributo
da criatura humana quando não tenta transpô-la para a realidade. Torná-la real
inevitavelmente resultará em desastre.
Todas as coisas prazerosas são
condenadas: o gole, o coito e a mentira. Trata-se de um complô.
Se você não identifica na
realidade um colossal bolo de merda, esse bolo cairá sobre sua cabeça.
Ideologia burguesa é a que
propõe imobilizar todos os semoventes como se fossem estátuas.
O homem comum se contenta com
o que lhe passa debaixo do nariz. Os dotados de inventiva – poetas da palavra
ou de outro instrumento – desconfiam do que se oculta sob as aparências.
Aponte aos semelhantes um
caminho que sejam incapazes de trilhar, e eles o matarão.
Tamborete não é parente de
pandeiro nem de tamborim. Ele não produz som. Serve apenas para descansar a
bunda, que é um verdadeiro instrumento sonoro e involuntário.
Taverna é nome composto.
Designa távolas apinhadas na caverna.
O papel registra sublimidades
tediosas ou abobrinhas elementares. Mas não fui eu quem cortou a árvore.
Turista é o cara que toda
noite mergulha os pés numa bacia de água morna e sal.
Já que o gelo polar se
derrete, nada de pânico. Falta somente lhe adicionar algum teor alcoólico.
(Ricardo Tollendal)
quarta-feira, 20 de março de 2013
Pilulinha 30
Tempos difíceis foram vividos
pela juventude, quando a repressão recrudesceu. As opções libertárias estavam
fechadas, sobretudo nas gerações de 60 e 70. Diversos relatos e mesmo obras
ficcionais dão conta deste período negro, em que os meninos e meninas se punham,
como dava, na vida.
O romance de Ronaldo Correia de
Brito, Estive lá fora, deslocado dos humores das
cidades que requerem para si o ufanismo dos tempos difíceis, faz um corte
radical e repropõe a leitura do significado dos tempos de repressão e tortura,
descentrado da visão viciada seja dos militantes seja dos desbundados da
contracultura. Ao centrar sua narrativa em Recife e nas lutas citadinas de quem
vem do interior do estado, inaugura uma reflexão pouco usual na literatura contemporânea
brasileira.
O mundo urbano é circundado pela
percepção conservadora – que se desfaz com o contato com a sibila da morte e do
esquecimento – que atinge tanto os personagens envolvidos na trama quanto os
que, à sombra da decadência de um mundo que já não há, temem pelo desaparecimento
de uma maneira de saber a vida.
É sabido que o regime militar –
via atuação midiática – destruiu os valores da diferença e igualou as condutas
morais e imorais num mesmo pacote de desejos e consumo. O romance do escritor
cearense, ao calar sobre a invasão das novas formas de consciência, traduz, com
precisão e com um rendimento crítico profícuo, esta destruição, quando nos
apresenta personagens que agem como zumbis inquietados numa sociedade que os
produziu quietos e conformes.
O grande mérito de Estive lá fora é tomar não o ponto de vista histórico
para relatar um mundo pasmado em um país destroçado, mas, pelo caminho da dobra
ficcional da palavra, permitir perceber que o aetismo cultural e político se
intensifica num momento chave da história nacional e produz – como bem o
sabemos – no presente, um deslocamento radical entre sociedade e sua representação
política e cultural.
(oswaldo martins)
Jesus Orta Ruiz poesia cubana
Una parte consciente del
crepusculo
EI tiempo cae sobre nosotros, pero
no se siente caer mientras la vida
va ruidosa, embriagada, enloquecida,
como el andante que no ve el sendero.
EI tiempo cae sobre nosotros, pero
mientras hay una meta prometida
no se siente el gotear de su caída
ni consulta relojes el viajero.
Arrobados de sueños y paisaje
creemos infinito nuestro viaje,
pero ¡ay! El viaje es demasiado breve.
En vísperas del fin) viene la calma
y se siente caer — cernida nieve —
el tiempo gota a gota sobre el alma.
(Jesus Orta Ruiz)
Uma parte consciente do
crepúsculo
o tempo cai sobre nós, mas
não se sente cair enquanto a vida
vai ruidosa, embriagada, enlouquecida,
como o andarilho que não vê o trilho.
O tempo cai sobre nós, não obstante
enquanto haja uma prometida meta
não se sente o gotejar de sua queda
nem consulta relógios o viajante.
Arrebatados por sonhos e paisagem
Achamos infinita nossa viagem,
mas credo! essa viagem é muito breve.
Às vésperas do fim, ocorre a calma
e se sente cair - cernida neve -
o tempo gota a gota sobre a alma.
(Trad. Alai García Diniz, Luizete Guimarães Barros)
Ali Calderón poesia mexicana
Valkirias de venenosas vulvas
probaron la sal de mi entrepiema
En dunas de fina y tersa piel
con la lengua hilaron
mis mas íntimos vestidos
En sus grupas de nao capitana
conocí el amor
y tomé de él
hasta la última fibra.
Siguiendo el cuarto creciente
me cubrió el mar
en marejada.
(Ali Calderón)
Walkirias de vulvas envenenadas
provaram do sal de minhas entrepernas
Em dunas de fina e tersa pele
com língua teceram
minhas mais íntimas vestes
Em suas ancas de nau capitã
conheci o amor
e extraí dele
até a última fibra.
Seguindo o quarto crescente
cobriu-me o mar
em maresia.
(trad. Antônio Miranda)
terça-feira, 19 de março de 2013
Maya Cu Choc poesia guatemalteca
Me Gusta
Me gusta
mirar a la cara
de las gentes
que caminan
sobre la muerte
en las aceras
porque
puedo hacer
una primera lectura
echar una ojeada
en las costras
que sus carnes
les hacen
a los días
—podría decirse
que ya no miro
nada en
tu ojos—
decronstruyo
la historia posible
veo
cómo cargo de repente
todas sus amigas
sus ojeras
y tengo que imaginar
las avellanas listas de tus cuencas
para descansar.
(Maya Rossana Cu Choc)
Gosto
Gosto
de olhar a cara
das pessoas
que caminham sobre a morte
nas calçadas
porque
posso fazer
uma primeira leitura
dar uma olhada
nas crostas
que suas carnes
fazem nelas
dia a dia
poderia dizer
que já não vejo
nada em
teus olhos
desconstruo
a estória possível
vejo
como carrego de repente
todas as suas rugas
suas olheiras
e tenho que imaginar
a avelã pronta em tuas órbitas
para descansar.
(trad. Fernando Mendes Vianna)
Maria Montero poesia da Costa Rica
La única luz del
mundo
(De La mano suicida)
La única luz del cuarto
ilumina la mirada de Oscar Wilde
sentado hace un siglo al lado de su amante.
Mis palabras han muerto.
Nada puede salvarlas ya
de esa arquitectura que pone su
acento en las órbitas vacías.
Donde ellas estuvieron
sólo me queda una pared
iluminada por el tedio.
La única luz del cuarto
no me permite el mundo.
(Maria Montero)
A única luz do mundo
(De La mano suicida)
A única luz do quarto
ilumina o olhar de Oscar Wilde
sentado há um século ao lado de seu amante.
Minhas palavras morreram.
Nada pode mais salvá-las
dessa arquitetura que põe seu
acento nas órbitas vazias.
Onde elas estiveram
só me resta uma parede
iluminada pelo tédio.
A única luz do quarto
não me garante o mundo.
(trad. Antônio Miranda)
segunda-feira, 18 de março de 2013
Made in China
O Macintosh tem sangue chinês
O meu casaco um
peruano fez
E a bicicleta ergométrica
Foi um cigano japonês
A cobertura do bolo holandês
Não está mais ao
gosto do freguês
Minha vizinha senegalinha
Comeu mais um frango xadrez.
Tudo é Made in China
Tudo é medicina e não vai melhorar
Tudo é uma estranheza
Lá em Fortaleza já tem Bagdá
Tudo parece perfeito
Mas o meu prefeito
Não quer trabalhar
Este relógio de marca
Parece não marca
As horas que ele finge marcar.
Não tenho sangue nas veias
E aquela baleia não quero salvar
Já fiz a minha promessa
Não vejo mais peça
Onde não possa atuar
Eu sou um cara nervoso
Não como mais ovo
Que eu não veja botar
Fiquei um pouco assustado
O pessoal de Kosovo
Já pode votar.
(Carlos Careqa)
domingo, 17 de março de 2013
Na boca
Começaram a conversar do nada.
Não se conheciam. Falaram bem à vontade.
Só depois soube que ela era de fazer programas Pedira o número do
telefone dele. No dia seguinte ele viu no celular uma chamada perdida. Era
dela. Estava na caixa postal, não deixou recado. Dizia o nome dela e dizia
fazer tudo, tudo de amor. Ligou outra vez para ter certeza do que ouvira. Não
deixou recado, nada disse. Pelo número registrado do telefone dele, ela saberia
que ele tinha ligado.
Dias depois, ligou. Sugeriu um
encontro que ele recusou. Não estava interessado em fazer programa com ela. Não
quero fazer programa, quero ver você. Você não vai pagar nada. Que mais?
Perguntou ele. Eu deixo você beijar na boca. Eu quero que você me beije na boca
na boca. Na boca, ouviu?
elesbão ribeiro
Catalina Gonzáles poesia boliviana
Vaivem
De tanto vestirnos y desnudarnos
estamos envejeciendo.
Nuestras imágenes em múltiples espejos
se van quebrando lentamente.
¿Qué traje eligiremos hoy,
el de la vida o el de la muerte?
(Catalina Gonzáles)
Vai-e-vem
De tanto vestir-nos e despir-nos
estamos envelhecendo.
Nossas imagens em múltiplos espelhos
vão se rompendo lentamente.
Que roupa usaremos hoje,
a da vida ou a da morte?
(trad. Antônia Miranda)
Alberto Antonio Verón poesia colombiana
Calle de los milagros
Convencer
A mi cuerpo
que no exprese nada,
nada contrario al afán de vivir,
nada distinto a la certeza del deseo.
(Alberto Antonio Verón)
Rua dos milagres
Convencer
meu corpo
que não expresse nada,
nada
contrário ao afã de viver,
nada
diferente da certeza do desejo.
(trad. Antônio Miranda)
Kori Bolivia poesia boliviana
¡ Duele!
Duele mi pueblo hambriento,
el niño con su faz descolorida.
Duele escuchar el viento
solitario de la patria empobrecida.
Esa carcajada misteriosa
hija de la muerte.
(KORI BOLIVIA, La Paz, 24-10-74, do livro Espuma de los
días)
Dói
Dói meu povo faminto,
a criança de rosto descolorido.
Dói escutar o vento
solitário da pátria empobrecida.
Essa gargalhada misteriosa
filha da morte.
(Tradução de
Anderson Braga Horta)
sexta-feira, 15 de março de 2013
Josefina Pla Poesia Paraquaia
TIEMPO VESTIDO DE MUJER
Yo no tuve otro viático
que mi ansiedad de cielos
mi furia por vivir
y ver la espalda esquiva de los sueños
mi ciego anhelo de perder
mi cuerpo
en otro
cuerpo ciego
Yo no tuve jamás sino esa sed
yesca oculta de todos los incendios
en ansia
de alcanzar mis raíces descolgándose adentro
desde este corazón que ya consume
en tizón el cansancio del recuerdo
y en que germina oculto
el musgo del silencio.
(Josefina Pla – La llama y la arena, 1987)
Carmen Martin Poesia Chilena
hay estatuas sin ojos
que miran las ventanas y marcan
con el dorso aflado de tu abrigo
el tiempo que inventas y no logro descifrar
(Carmen Martin)
quinta-feira, 14 de março de 2013
Simón Zavala Guzmán Poesia Equador
La odisea
Busca Ia longitud dei
firmamento
la imagen dei espejo
abre la noche con tu barco a
velas
lanza tu catalejo a perseguir
planetas
si una estrella te guía
muérdele los pezones y seca
Siempre Ia red para mañana.
Encontrarás la llave. Esa costa
imposible que alimenta tu viaje.
ese Ulises que te metiste
adentro
cuando inventaste el muelle.
Aguarda
no te vacíes sobre Ia liquidez
del mar
sigue el itinerário de los peces
el paso de los sueños
el trigo de tu pan. Descubrirás
la ciudad que deshiciste en tu
imaginación
la que ha tendido el límite a tu
brújula.
Cuando regreses junto a la chimenea
ella estará tejiendo la esperanza.
(Simón Zavala Guzmán)
a odisseia
Procura a longitude do
firmamento
a imagem do espelho
abre a noite com teu barco
a velas
lança tua luneta para perseguir
planetas
se uma estrela te guia
morde-lhe os mamilos e seca
a rede para amanhã.
Encontrarás a chave. Essa costa
impossível que alimenta tua viagem.
Esse Ulisses que colocaste por
Dentro
quando inventaste o porto.
Aguarda
não te esvazies sobre a liquidez
do mar
segue o itinerário dos peixes
o passo dos sonhos
o trigo de teu pão.
Descobrirás
a cidade que se desfez em tua
imaginação
a que acrescentou limite à tua
bússola.
Quando regressares junto à chaminé
ela estará tecendo a esperança.
(trad. Nina Reis)
quarta-feira, 13 de março de 2013
Dois poemas de Alejandra Pisarnik
Naufragio inconcluso
Este temporal a destiempo, estas rejas en las niñas
de mis ojos, esta pequeña historia de amor que
se cierra como un abanico que abierto mostraba a la
bella alucinada: la más desnuda del bosque en el
silencio musical de los abrazos.
Amantes
una flor
no lejos de la noche
mi cuerpo mudo
se abre
a la delicada urgencia del rocío
(Alejandra Pizarnik)
teoria três das partes do universo
eu,
o multiplicador de celas
eu,
o inventor da ordem
eu,
o anjo senhor
eu,
desavindo
eu
desalinho
eu,
desacoimado
tomo
os corredores
velho
morador
eu,
o construtor de mundos
eu,
o navegador maluco
eu,
o servo senhor
passeio
os astros
pedra
solto
eu,
arthur
que
assino o mundo
(oswaldo
martins)
Bricanagem 4
conforme entendimento
inda há pouco introjetado
tudo é matéria de poesia
bagaços e miuçalha
mínimas noções fugazes
importa estar atento
para captação
para relacionar
alhos a bugalhos
unhas crescem
molhadas amiúde
poemas fulgem
quando há vigília
(Ricardo Tollendal)
segunda-feira, 11 de março de 2013
Man in a chair
man in a chair
Lucian Freud
Esperar sentado, mas sem
relaxar os músculos. Mãos
tensas nas coxas como quem
prestes a se levantar. Não
como quem, à espera, descansa.
E sim como se encurralado
na cadeira. Sem esperanças
nem expectativas. Sentado
na cadeira como quem não
espera exatamente nada.
sem certezas, com exceção
da única, e indesejada.
(Paulo Henriques Britto – Formas do
nada)
domingo, 10 de março de 2013
Bricanagem 3
nosso universo
melhor: universo que invadimos
vive aprontando alquimias térmicas
pra quebrar monotonias
sol de maio nunca aquece
como em novembro
a luz afeta cores
para felicidade de pintores e fotógrafos
diria mesmo que é regozijo irrestrito
a não ser quando chove
convém não esquecer
- epicuristas desvirtuados -
que água é parte integrante
de todas as tramoias físico-químicas
sábado, 9 de março de 2013
A namorada
Li hoje no facebook
notícia sobre a namorada do ministro do STF. A notícia é meio canalha, que me
desculpem os puros ou os puristas. Alega o blog, que noticia, ter a namorada 24
anos e com ele passear pelas praias de Trancoso de mãos dadas. Como não sou,
como na música de Aldir Blanc, polícia da xereca da vizinha ou do vizinho, o
fato de que o Ministro esteja namorando não me interessa. Que o ministro namore
é lá com ele.
Não pretendo o
conservadorismo dos erráticos. Que todos trepassem muito, que todos namorassem,
se beijassem fora da hipocrisia dos quartos fechados, mas nas repartições e
tribunais, nas praça pública, e não só em Trancoso, no Rio ou Brasília, sem as
liturgias dos cargos, sem o discurso tosco e bacharelesco que sempre dominou as
elites do país e fizeram da linguagem hipócrita um lugar propício às dominações
veladas. A trepada ou mesmo o beijo a céu aberto. Que os presidentes e
presidentas de quaisquer órgãos possam dançar os carnavais com uma bela mulher ou
um belo homem desnudos.
O inaceitável
para mim, no que tange ao Ministro, não é sua conduta privada, mas a presença
de certo traço imperial, certo reacionarismo de opiniões, que no caso de um ministro
pode custar muito ao país. Vejam que não digo ação técnica, derivada dos
estudos, da capacidade intelectual e do pensamento profundo sobre o homem, mas da
opinião raivosa e derivada dos terríveis meios da propaganda, das terríveis
mídias que não informam e conduzem à certeza dos achismos.
As colunas
sociais nunca me interessaram. Paga-se um alto preço, demandado pela
necessidade das fofocas e interesses escusos, para fazer parte delas. A mídia
pode custar, mas sempre cobra seu preço.
(oswaldo martins)
sexta-feira, 8 de março de 2013
Bricanagem 2
antônia reclama
que a cidade é pavorosa
ela se engana
pavoroso é o domingo
todos eles são
dia que se usava para ir à missa
(Ricardo Tollendal)
quinta-feira, 7 de março de 2013
Bricanagem
a palavra protozoário
nem de longe se equipara a munheca
mas ambas vivem soltas pelaí
para nossa eventual degustação
palavras deveriam permanecer
numa caixa de sapatos
amontoadas em ordem alfabética
não faz sentido:
já existe o dicionário e afinal
este mundo se resume a fiapo de linha
que entope a pia dos banheiros
(Ricardo Tollendal)
Por que razão não se deve obedecer ao rei
Alguns episódios
políticos são exemplares. Há poucos anos, o Sr. Juan Carlos, denominado Rei de
Espanha, em uma reunião com representantes legítimos de várias nações refere-se
ao presidente da Venezuela, Hugo Chaves, perguntando por que razão não se
calava. A expressão, além de mal educada, condiz com as relações históricas de
subordinação do povo latino-americano em relação aos países por que foram
dominados. O direito a que se arroga o Sr. Juan – aliás rei por determinação de
um estado facista – tem raízes profundas no traço de dominação que os povos europeus
e seus sequazes latino-americanos impuseram, fazendo com que ficássemos calados
durante cinco séculos – retire-se, por óbvio, o caso cubano que nos antecipa e
emancipa.
Donos de
possessões que se espraiavam muito além dos domínios de suas terras, os
impérios europeus espoliaram as riquezas, a liberdade e destruíram as culturas
autóctones. E nos ensinaram a submissão a seus desejos e ordens imperiais. O
imperativo de valorização das terras longínquas foi se transformando ao longo
da falência do modelo de dominação em uma consciente degradação (preguiça,
odor, cor) que buscou nos tornar exóticos a nossos próprios olhos, fazendo com
que não só nos macaqueássemos à moda dos europeus, mas e sobretudo que
aderíssemos a um padrão de civilização que não escolhêramos.
Algumas consciências
obviamente se levantaram contrárias às amarras que tiveram como resultado a
pobreza, o analfabetismo, a incruenta bestialização das pessoas. Essas consciências
de que era necessário lutar contra as forças adstringentes, que se colaram em nossas
peles, sempre foram massacradas pelo poder real ou de persuasão que séculos e
séculos de investimentos impuseram como naturais.
A voz do Sr. Juan
se replica por toda uma camada da população que se vê ainda atrelada aos ditames
de uma lógica que propicia a divisão da sociedade em camadas sociais bem
distintas e que não podem ou devem se misturar. Os privilégios são claros:
melhores empregos, melhores roupas, imóveis e o odiento sentimento de
superioridade.
A graça e a força
de Hugo Chaves estão em não respeitar os limites que a dita sociedade formal
tentou lhe impor. Suas frases são lapidares e dão orgulho aos povos
latino-americanos, por que a partir de sua posição firme devolve as
malcriações, devolve séculos de humilhação e promovem mudanças não só na forma
de reestruturar a sociedade, mas criando espaços para que nós, latinos
americanos nos orgulhemos do que somos.
(oswaldo martins)
quarta-feira, 6 de março de 2013
desimitação de quintana
quem te feriu menininha
de olhos rubros
foram as buzinas
as sirenas
o escambau
quem te feriu
menina rota
e sem esperanças
o décimo segundo
andar
do ano
ou
o bocó
de pijama
(oswaldo martins)
terça-feira, 5 de março de 2013
RONNY SOMECK
Jasmin. Um Poema na Lixa
Fairuz ergue os lábios
para o céu.
Que chova jasmim
sobre todos que se conheceram
e não sabiam que estavam apaixonados.
Eu a ouvia cantar no Fiat de Muhammad,
ao meio dia na rua Ibn Gabirol:
Uma cantora libanesa a cantar num carro italiano,
conduzido por um poeta árabe de Baqa-al-Gharbiyye,
numa rua com o nome de um poeta hebraico da Espanha
medieval.
E o jasmim?
Se cair dos céus do Armagedom
virará
por um instante
uma verde
luz
no próximo cruzamento.
DAHLIA RAVIKOVITCH (1936 – 2005)
para Itzchak Livni
Nove palavras eu lhe disse.
Você disse isso e aquilo.
Você disse: Você tem um filho,
Tem tempo, tem poesia.
As barras nas janelas ficaram gravadas em minha pele;
não dá para acreditar que aguentei tudo isso.
Eu não precisava, mesmo,
humanamente falando.
No dia Dez de Tevet o cerco começou;
no dia Dezessete de Tamuz a cidade caiu;
no Nono de Ab o templo foi destruído.
Eu suportei tudo isso sozinho.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Poesia 2013 Charles Simic
THE WHITE ROOM
The obvious is difficult
To prove. Many prefer
The hidden. I did, too.
I listened to the trees.
They had a secret
Which they were about to
Make known to me —
And then didn't.
Summer came. Each tree
On my street had its own
Scheherazade. My nights
Were a part of their wild
Storytelling. We were
Entering dark houses,
Always more dark houses,
Hushed and abandoned.
There was someone with eyes closed
On the upper floors.
The fear of it, and the wonder,
Kept me sleepless.
The truth is bald and cold,
Said the woman
Who always wore white.
She didn't leave her room much.
The sun pointed to one or two
Things that had survived
The long night intact.
The simplest things,
Difficult in their obviousness.
They made no noise.
It was the kind of day
People described as "perfect."
Gods disguising themselves
As black hairpins, a hand-mirror,
A comb with a tooth missing?
No! That wasn't it.
Just things as they are,
Unblinking, lying mute
In that bright light —
And the trees waiting for the night.
(Charles Simic)
O QUARTO BRANCO
O óbvio é difícil de
provar. Muitos preferem
o oculto. Eu também preferia.
Eu escutava as árvores.
Elas guardavam um segredo
que estavam prestes
a me revelar —
e não o fizeram.
Veio o verão. Cada árvore
de minha rua tinha sua própria
Xerazade. Minhas noites
faziam parte de suas histórias
selvagens. Entrávamos
em casas escuras,
casas sempre mais escuras,
silenciosas e abandonadas.
Havia alguém de olhos fechados
nos pisos superiores.
O medo e o fascínio me
mantinham bem desperto.
A verdade é nua e crua,
disse a mulher
que sempre se vestiu de branco.
Ela não saiu muito de seu quarto.
O sol apontava uma ou duas
coisas que tinham sobrevivido
intactas na longa noite.
As coisas mais simples,
difíceis em sua obviedade.
Essas não faziam barulho.
Era um dia do tipo
que as pessoas chamam "perfeito".
Deuses disfarçados de
grampos de cabelo, espelho de mão,
um pente com um dente faltando?
Não! Não era isso.
Apenas as coisas como são,
mudas, imóveis, sem piscar,
naquela luz brilhante —
e as árvores esperando a noite.
Tradução: Carlos
Machado
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