quarta-feira, 20 de março de 2013

Pilulinha 30


Tempos difíceis foram vividos pela juventude, quando a repressão recrudesceu. As opções libertárias estavam fechadas, sobretudo nas gerações de 60 e 70. Diversos relatos e mesmo obras ficcionais dão conta deste período negro, em que os meninos e meninas se punham, como dava, na vida.

O romance de Ronaldo Correia de Brito, Estive lá fora, deslocado dos humores das cidades que requerem para si o ufanismo dos tempos difíceis, faz um corte radical e repropõe a leitura do significado dos tempos de repressão e tortura, descentrado da visão viciada seja dos militantes seja dos desbundados da contracultura. Ao centrar sua narrativa em Recife e nas lutas citadinas de quem vem do interior do estado, inaugura uma reflexão pouco usual na literatura contemporânea brasileira.

O mundo urbano é circundado pela percepção conservadora – que se desfaz com o contato com a sibila da morte e do esquecimento – que atinge tanto os personagens envolvidos na trama quanto os que, à sombra da decadência de um mundo que já não há, temem pelo desaparecimento de uma maneira de saber a vida.

É sabido que o regime militar – via atuação midiática – destruiu os valores da diferença e igualou as condutas morais e imorais num mesmo pacote de desejos e consumo. O romance do escritor cearense, ao calar sobre a invasão das novas formas de consciência, traduz, com precisão e com um rendimento crítico profícuo, esta destruição, quando nos apresenta personagens que agem como zumbis inquietados numa sociedade que os produziu quietos e conformes.

O grande mérito de Estive lá fora é tomar não o ponto de vista histórico para relatar um mundo pasmado em um país destroçado, mas, pelo caminho da dobra ficcional da palavra, permitir perceber que o aetismo cultural e político se intensifica num momento chave da história nacional e produz – como bem o sabemos – no presente, um deslocamento radical entre sociedade e sua representação política e cultural.

(oswaldo martins)

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