Mariinha recebia em seus domínios a vasta rede de relações humanas da cidade. Velhos coronéis, médicos, professores, amanuenses, alguns padres e os bêbados contumazes que ali iam ter um pouco de proteção e carinho. Suas meninas serviam, sentavam-se para um dedo de prosa desinteressado, que sempre terminava num dos quartinhos, reservados para a boa companhia. Os moradores tinham em sua casa aconchego e paz.
O Padre José Maria, que do púlpito de sua igreja, vociferava contra os desregramentos – comparando a cidade à Sodoma, à Gomorra – ameaçava com o sal, com a chaga, com a lepra. Apontava o caminho do Carmo, o leprosário que era mantido pela irmandade órfã das carmelitas. Tantas fez o padre que acabou sendo chamado a descanso e oração por seus superiores. Do que não se sabia era a razão da volta triunfal de José Maria à cidade.
Fanfarras, prefeito municipal e até o capitão, que comandava o destacamento local, acorreram na demonstração de apreço e laços de amizade. José Maria sorria, feliz.
No quinto dia, após o beija-mão das beatas, convocou Mariinha para uma conversa na casa paroquial. Aí havia de – ah, se não havia – remoía nossa grande dama. Quando o coroinha, menino de uns doze anos, levou-lhe o recado, esquecera-se de dizer o dia em que o padre a esperava. Pensou em chamá-lo, mas esperou e em seu lugar gritou por Gracinha, mulata nova e sorridente.
Gracinha, que tinha do nome a leveza e os atributos que levaram o Doutor a apelidá-la assim, acorreu.
__ Dona?
A papisa estendeu a mão e convidou-a a sentar. Gracinha, com os peitos meio a descoberto, brejeira, sorrindo, sussurrante, fala aos ouvidos de Marrinha:
__ Doutor?
Sorri, passa a mão sobre a cabeça de Gracinha e espera. Olha a seu redor, a casa estava bonita, pintada de nova, com cadeiras e poltronas confortáveis – a mesa era farta, as meninas, escolhidas a dedo. Diligenciara a decoração da casa – a cor penumbrosa, convidativa, lembrava os meios tons de uma sacristia. Fizera de propósito, sua experiência mostrava que os homens gostavam de gozar e depois se arrepender. As mulheres de seu tempo, em sua casa, sempre conheceram o recato da sala e soltura da cama – entre a santa que sabia ouvir e a puta que pedia mais e deixava-se bater. Agora José Maria, voltado em triunfal volta e poder.
__ Gracinha, vá e diga ao padre que de uns dois dias estarei lá, que boa devota sou e não posso recusar o chamado de meu pastor. Mas, óia, faz com que ele te bata. Se voltar sem ter apanhado uma surra, esquece minha casa.
Recompôs os peitos para dentro da roupa, foram para dentro de casa e voltaram, com Gracinha pronta para cumprir seu dever. Em sua bolsa levava algumas outras pequenas coisas, além de uma espórtula para as obras da igreja. Saiu sorridente – sua carreira de puta começava bem. Primeiro o Doutor, agora o padre.
__ Vim a mando de dona Mariinha, seu padre.
Com o cenho fechado, o padre hesitou. Aparentava uns quarenta e poucos anos e tinha a tez dos morenos de além mar. De boa compleição, mesmo bonito podia dizer-se que o padre era. Ao ameaçar fechar a porta, encontrou meio corpo da mulata já em sua casa, que, rápida, pulou pra dentro. José Maria tremia, o rosto cada vez mais fechado.
__ Dona Mariinha, manda que eu vince vê o pastô. E descuidadamente faz um gesto de retirar algo dos seios. Com molícia falava e esperava, aturdia o padre.
__ Dona Mariinha...
José Maria não pensava, apenas via, em seus domingos gloriosos de púlpito, beatas vestidas, vestidas. Entrara cedo para o seminário e o mundo para ele havia sido desde então aquelas mulheres de roupas enegrecidas. Odiava-as. Mas essa parecia diferente, lembrou-se do capeta.
__ Dona Mariinha pediu... e esperava. Pediu que entregasse pra ocê, sinhô.
E enfiava a mão nos seios, cada vez mais os descobrindo. Num gesto meio estabanado, de quem sente vergonha, Gracinha toca as mãos do padre, que recua. Lembra-se das duras noites de frio do seminário. Sorri para o padre. Retira um papel e o movimento se faz de tal jeito que, ao mesmo tempo em que ela desaba sobre o padre, seus seios pulam para fora do vestido. O padre a empurra, ela se abandona sobre ele, que se enfurece e a empurra com mais vigor. As mãos da mulata apertam seus braços contra o chão. Os joelhos dela se dobram ao longo da cintura do padre, que não se mexe. A voz de Gracinha soa fresca, feliz:
__ Dona Mariinha, mandou que eu vince, eu vim para dizê pru sinhô que dispois de manhã pela tardinha estaria aqui pro mode de falar com o pastor.
Sente o corpo do padre enrijecer, depois relaxar e, lentamente, solta as mãos de José Maria que se mantém crucificado no chão. Com certo receio, passa a mão sobre o rosto, os dedos tocam os lábios e inesperadamente começa a bater no rosto do padre devagar, devagar. Seus seios balançam. José Maria fecha os olhos e os abre, quando sente a mão de Gracinha descair de encontro a sua face com uma força cada vez maior. Grita. Em vão. Gracinha continua a espancá-lo. José Maria sente-se como que espetado pelo tridente do demônio. Derruba-a de cima de si. Ela luta. Seu vestido se desfaz cada vez mais. Suas pernas enroscam-se às pernas de Maria. O padre busca puxar-lhe os cabelos. Gracinha ri. Rolam pela antecâmara do quarto.
Após a noite do padre, Gracinha procura recompor-se – assim como o Doutor e Mariinha lhe ensinaram algumas das artes de sua profissão, fizera ao José Maria sua iniciação como instrutora e amante. Sabia que Mariinha ficaria satisfeita – galgara um degrau na hierarquia das putas.
Recolheu suas coisas, beijou o padre na testa, em gesto maternal e falou:
__ José, dona Mariinha pediu pra avisar que vem, mas me mandou antes para falar com o sinhô.
O padre respirou lentamente. Pensava.
__ Diga à dona Mariinha que a espero na igreja, no próximo domingo.
Alguns anos depois, quando viajamos de férias para o litoral, encontramos Mariinha numa praia quase deserta, esquentando ao sol. Acompanhava-a a divina Graça, com seu sorriso. Sentamos ao lado das duas.
__ Doutor, vou ficando velha. A arte de domar meus cabritinhos, de conduzir a sociedade, com segurança e tranqüilidade, passo a outras mãos, querendo dispor. E riu apontando Gracinha. Para mim, entre convidativa e festeira:
__ E o menino, quando aparece?
Ao nos afastarmos, o Doutor certo de que seu tempo havia chegado junto ao de Marrinha; eu, louco para que acabassem as férias, percebemos ao longe a figura de um velho padre que nos acenava, reintegrado à vida.
(oswaldo martins)
O Padre José Maria, que do púlpito de sua igreja, vociferava contra os desregramentos – comparando a cidade à Sodoma, à Gomorra – ameaçava com o sal, com a chaga, com a lepra. Apontava o caminho do Carmo, o leprosário que era mantido pela irmandade órfã das carmelitas. Tantas fez o padre que acabou sendo chamado a descanso e oração por seus superiores. Do que não se sabia era a razão da volta triunfal de José Maria à cidade.
Fanfarras, prefeito municipal e até o capitão, que comandava o destacamento local, acorreram na demonstração de apreço e laços de amizade. José Maria sorria, feliz.
No quinto dia, após o beija-mão das beatas, convocou Mariinha para uma conversa na casa paroquial. Aí havia de – ah, se não havia – remoía nossa grande dama. Quando o coroinha, menino de uns doze anos, levou-lhe o recado, esquecera-se de dizer o dia em que o padre a esperava. Pensou em chamá-lo, mas esperou e em seu lugar gritou por Gracinha, mulata nova e sorridente.
Gracinha, que tinha do nome a leveza e os atributos que levaram o Doutor a apelidá-la assim, acorreu.
__ Dona?
A papisa estendeu a mão e convidou-a a sentar. Gracinha, com os peitos meio a descoberto, brejeira, sorrindo, sussurrante, fala aos ouvidos de Marrinha:
__ Doutor?
Sorri, passa a mão sobre a cabeça de Gracinha e espera. Olha a seu redor, a casa estava bonita, pintada de nova, com cadeiras e poltronas confortáveis – a mesa era farta, as meninas, escolhidas a dedo. Diligenciara a decoração da casa – a cor penumbrosa, convidativa, lembrava os meios tons de uma sacristia. Fizera de propósito, sua experiência mostrava que os homens gostavam de gozar e depois se arrepender. As mulheres de seu tempo, em sua casa, sempre conheceram o recato da sala e soltura da cama – entre a santa que sabia ouvir e a puta que pedia mais e deixava-se bater. Agora José Maria, voltado em triunfal volta e poder.
__ Gracinha, vá e diga ao padre que de uns dois dias estarei lá, que boa devota sou e não posso recusar o chamado de meu pastor. Mas, óia, faz com que ele te bata. Se voltar sem ter apanhado uma surra, esquece minha casa.
Recompôs os peitos para dentro da roupa, foram para dentro de casa e voltaram, com Gracinha pronta para cumprir seu dever. Em sua bolsa levava algumas outras pequenas coisas, além de uma espórtula para as obras da igreja. Saiu sorridente – sua carreira de puta começava bem. Primeiro o Doutor, agora o padre.
__ Vim a mando de dona Mariinha, seu padre.
Com o cenho fechado, o padre hesitou. Aparentava uns quarenta e poucos anos e tinha a tez dos morenos de além mar. De boa compleição, mesmo bonito podia dizer-se que o padre era. Ao ameaçar fechar a porta, encontrou meio corpo da mulata já em sua casa, que, rápida, pulou pra dentro. José Maria tremia, o rosto cada vez mais fechado.
__ Dona Mariinha, manda que eu vince vê o pastô. E descuidadamente faz um gesto de retirar algo dos seios. Com molícia falava e esperava, aturdia o padre.
__ Dona Mariinha...
José Maria não pensava, apenas via, em seus domingos gloriosos de púlpito, beatas vestidas, vestidas. Entrara cedo para o seminário e o mundo para ele havia sido desde então aquelas mulheres de roupas enegrecidas. Odiava-as. Mas essa parecia diferente, lembrou-se do capeta.
__ Dona Mariinha pediu... e esperava. Pediu que entregasse pra ocê, sinhô.
E enfiava a mão nos seios, cada vez mais os descobrindo. Num gesto meio estabanado, de quem sente vergonha, Gracinha toca as mãos do padre, que recua. Lembra-se das duras noites de frio do seminário. Sorri para o padre. Retira um papel e o movimento se faz de tal jeito que, ao mesmo tempo em que ela desaba sobre o padre, seus seios pulam para fora do vestido. O padre a empurra, ela se abandona sobre ele, que se enfurece e a empurra com mais vigor. As mãos da mulata apertam seus braços contra o chão. Os joelhos dela se dobram ao longo da cintura do padre, que não se mexe. A voz de Gracinha soa fresca, feliz:
__ Dona Mariinha, mandou que eu vince, eu vim para dizê pru sinhô que dispois de manhã pela tardinha estaria aqui pro mode de falar com o pastor.
Sente o corpo do padre enrijecer, depois relaxar e, lentamente, solta as mãos de José Maria que se mantém crucificado no chão. Com certo receio, passa a mão sobre o rosto, os dedos tocam os lábios e inesperadamente começa a bater no rosto do padre devagar, devagar. Seus seios balançam. José Maria fecha os olhos e os abre, quando sente a mão de Gracinha descair de encontro a sua face com uma força cada vez maior. Grita. Em vão. Gracinha continua a espancá-lo. José Maria sente-se como que espetado pelo tridente do demônio. Derruba-a de cima de si. Ela luta. Seu vestido se desfaz cada vez mais. Suas pernas enroscam-se às pernas de Maria. O padre busca puxar-lhe os cabelos. Gracinha ri. Rolam pela antecâmara do quarto.
Após a noite do padre, Gracinha procura recompor-se – assim como o Doutor e Mariinha lhe ensinaram algumas das artes de sua profissão, fizera ao José Maria sua iniciação como instrutora e amante. Sabia que Mariinha ficaria satisfeita – galgara um degrau na hierarquia das putas.
Recolheu suas coisas, beijou o padre na testa, em gesto maternal e falou:
__ José, dona Mariinha pediu pra avisar que vem, mas me mandou antes para falar com o sinhô.
O padre respirou lentamente. Pensava.
__ Diga à dona Mariinha que a espero na igreja, no próximo domingo.
Alguns anos depois, quando viajamos de férias para o litoral, encontramos Mariinha numa praia quase deserta, esquentando ao sol. Acompanhava-a a divina Graça, com seu sorriso. Sentamos ao lado das duas.
__ Doutor, vou ficando velha. A arte de domar meus cabritinhos, de conduzir a sociedade, com segurança e tranqüilidade, passo a outras mãos, querendo dispor. E riu apontando Gracinha. Para mim, entre convidativa e festeira:
__ E o menino, quando aparece?
Ao nos afastarmos, o Doutor certo de que seu tempo havia chegado junto ao de Marrinha; eu, louco para que acabassem as férias, percebemos ao longe a figura de um velho padre que nos acenava, reintegrado à vida.
(oswaldo martins)
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