Que se inicie o ano com o grito de Lula livre!!!!!
Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Um poema de Mar Becker
Nasci sem olhos
sem língua
com uma cascata de nadas pulsando
no sangue
vejo o mundo por olhos alheios
canto numa língua que herdamos
e sentidos catados nas ruas
caveiras programadas
à sombra da noite transparente.
*
Calçamento de pedras desoladas
da lua
costura de vozes e sombras
nos santos surdos de pedra –
onde falamos.
*
Atrás dos cogumelos de madeira
molhados de sereno –
uma silhueta sem rosto
vela meu sono.
Mar Becker
Réquiem para un país asesinado
No les hablo de un país
Nacido de sueños y quimeras
Les hablo de uma tierra
De barro y resistencia
Con efímeros palacios amassados
De sangre y lágrimas
Con el fuego del cielo
Un duro sol
Sobre la cabeza
De mañanas calmas
Barnabé Laye – Benin
A luz oblíqua
A luz oblíqua da tarde
Morre e arde
Nas vidraças
Nas coisas nascem fundas taças
Para a receber,
E ali eu vou beber.
A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo
A vibração das coisas cresce.
Cada instante
No seu secreto murmurar é semelhante
A um jardim que verdeja e que floresce.
Sophia de Mello Breyner Andresen
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
Leituras
Confira no blog da Editora TextoTerritório as leituras de poemas da grande poeta portuguesa.
TextoTerritório
Sophia de Mello Breyner Andresen
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
Nicanor Parra
A MONTANHA RUSSA
Durante meio século
A poesia foi
O paraíso do bobo solene.
Até que cheguei eu
E me instalei com minha montanha russa.
Subam, se quiserem.
Claro que não me responsabilizo se descerem
Botando sangue pela boca e pelo nariz.
(Tradução: Carlos Machado)
LA MONTAÑA RUSA
Durante medio siglo
La poesía fue
El paraíso del tonto solemne.
Hasta que vine yo
Y me instalé con mi montaña rusa.
Suban, si les parece.
Claro que yo no respondo si bajan
Echando sangre por boca y narices.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
pedra da georgia
1
O
nariz não cheirou as plantas dos hippies da Califórnia. Buscava outras coisas
naquela cidade. Possuía um pequeno galpão no qual a maresia cedia lugar ao
cheiro psicodélico das imagens abandonadas. Enxergava seu dedão que se deixara
ficar em Nova Iorque, as pernas oblíquas à procura de um corpo ou de um
significado oculto nas ruas dos subúrbios do Rio de Janeiro. Os cheiros tinham às
vezes o das sarjetas, às vezes o do chumbo ou dos corpos destroçados no Vietnã.
Ainda estaria por plantar um de seus dedos queimados pelo cheiro de Hiroshima e
Nagasaki. O que mais o impressionara fora então aquele que não se explicava
quando os navios fundeados na baía forçaram primeiro a deposição dos
presidentes eleitos da AL, e dos corpos que se debatiam no fundo do mar,
amarrados por pedras, atirados fora como se cães macilentos e doentes como a
baleia.
sábado, 15 de dezembro de 2018
estudo para êxodo de lasar segall
minha última palavra
abeira lagos
um cadáver boia
aos abraços
quando deveriam ser vários
os ali mergulhados
em amor aberto
ante os ritos sumários
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
estudo para autorretrato de lucian freud
nos festejos
dos andrajos
de um esconso
ecoo
saltam corpos
reflexos
aos poucos
assomam
ao centro do
oco
as muxibas de
um colo
em enfeite
de peles
roncas e o
desafio
do homem em
ruínas
(oswaldo
martins)
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
os fragmentários
1
pratos servem para que se
cuspa em solidões enormes
2
o ano ruim deve ser espargido
com arruda e sal grosso
3
se houve mulheres
num barco no meio do mar
quem as houve em tempestade
tocou o abismo das fossas sublimes
de kant
4
sendo o tempo uno
o tempo que para mim é
constrói um tempo que nega
do próprio tempo o tempo não-é
5
viver o impacto da consciência
é não sucumbir ante a cicuta e a cruz
negar-se ao exílio e à mentira
é antes saber-se cego e
justo como o rei antigo
não abandonar tebas
sábado, 8 de dezembro de 2018
Melhores livros de 2018
Recomendação de livros em 2018
Romance e conto
1 Me. Gwyn – Alessandro Barico
2 Amsterdam- Ian McEwan
3 Dicionário de línguas imaginárias – Olavo Amaral
4 A bela senhora Seidenman – Andrzej Szczypiorski
5 O galo de ouro – Juan Rulfo
6 A valise do professor – Hiromi Kawakami
7 Não me abandone Jamais – Kazuo Ishiguro
8 A vida escolar de Jesus – J. M. Coetzee
9 As formigas da estação de Berna – Bernard Comment
10 Contos – O. Henry
Poesia
1 oourodooutro – Alexandre Faria
2 Árvore de diana – Alejandra Pizarnik
3 Os trabalhos e as noites – Alejandra Pizarnik
4 Sutur – Cândido Rolim
5 Anexo de ecos – Carlos Ávila
6 Indícios flutuantes – Marina Tsvetáieva
7 Poemas – Wislawa Szymborska
8 Os pássaros brancos – W. B. Yates
9 Outro tempo = W.H. Auden
10 Obra poética – Sophia de Mello Breyner Andersen
Releituras
1 Em louvor da sombra – Junichiro Tanizaki
2 Dom Casmurro – Machado de Assis
3 Desonra – J. M. Coetzee
4 Pedro Páramo – Juan Rulfo
5 Marafa – Marques Rebelo
6 O rei de Havana – Juan Pablo Gutierrez
7 Febeapá – Stanislaw Ponte Preta
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
desimitação de christian morgenstern
para eliane brum
no universo
do homem a palavra
se esquiva
irruptiva
um soldado
passa ao largo
com sua
baioneta
cutuca o
ventre de quem dorme
e diz tal
qual um papagaio
algumas
besteiras para apaziguar
de
incertezas o mundo
e lhe oferta
no coco uma bala
como se lhe
varassem laranjas
(oswaldo martins)
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
O Sutur de Cândido Rolim
Tempo
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
As definições da poesia
são várias, demandam uma série ininterrupta de percepções e inovações, que vão
desde o corte rítmico ao corte visual em proveito do sentido – nem sempre
tangível do poema. Em Sutur, o poeta Cândido Rolim apresenta, para além da
acuidade com que enxerga a realidade, uma densidade cujo desdobramento se dá na
forma com que trabalha seus poemas.
Se assíntota é linha que se aproxima indefinidamente de uma curva sem jamais cortá-la, a palavra do
poeta retransfigura a definição e nos entrega, mais que um modo de operação de
suas poesias, a definição que permite ao leitor buscar, nos cortes operados, um
sentido oculto que se desvelará na percepção do leitor como construção das
relações do espaço e do tempo. Senão veja-se:
Assíntota
linha que se
aproxima
indefinidamente de
uma curva sem
jamais
cortá-la
O isolamento dos verbos
aproximar e cortar, entre o curvo e o reto, acerca-se e dá destaque ao modo de
operação dos poemas do livro. Neste entre-lugar, o poema cria como que uma
terceira possibilidade que não é nem o curvo nem o reto, nem mesmo o modo de
operação do pôr o mundo a nu, mas o próprio do mundo repovoado. Essa técnica,
no sentido mesmo de arte, possibilita que se desdobrem inúmeros modos de
aproximação com o sentido e inaugure possibilidades inovadoras de participação
e confecção das suturas expostas pelo poeta.
Veja se, por exemplo,
este outro poema – sábado -, cuja ironia, cáustica, por sua mínima lírica, faz
retroceder toda constatação da ação humana a uma “qualidade negativa”
preenchida dos vazios em que a propulsão dos afetos não encontra respostas
afetivas, como se o sujeito da ação afetiva se permitisse um não-lugar à
satisfação dos desejos e o transmudasse em outro móbile que se conformasse, ao
sabor dos ventos, ao que possa ser apreendido como objeto do desejo. Em outras
palavras: o vazio a ser preenchido só se opera a partir da falta.
SÁBADO
Homens acariciam
carros
carros
O modo de operação dos
poemas vai se construindo aos poucos, complementando ao longo de todo o livro
esse primário dizer que faz com que a poesia de Cândido Rolim se mostre
necessária e pulsante frente a este mundo de construções falseadoras do real,
por ele mundo se contentar com a repetição do mesmo. Se o mundo opera com o
preenchimento dos vazios pela positividade dos sentidos, a falta desta
positividade, em Rolim, pressupõe seu preenchimento a partir dos desdobramentos
dos vazios em mais vazios; como os móbiles de Calder, a construção da poesia de
Sutur se mostra na configuração do momento de leitura. O que, aliás, é mais do
que necessário no panorama da literatura contemporânea.
Oswaldo Martins
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
O fruto / Die frucht
O fruto
Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.
Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.
E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.
.
Die frucht
Das stieg zu ihr aus Erde, stieg und stieg,
und war verschwiegen in dem stillen Stamme
und wurde in der klaren Blüte Flamme,
bis es sich wiederum verschwieg.
Und fruchtete durch eines Sommers Länge
in dem bei Nacht und Tag bemühten Raum,
und kannte sich als kommendes Gedränge
wider den teilnahmsvollen Raum.
Und wenn es jetzt im rundenden Ovale
mit seiner vollgewordnen Ruhe prunkt,
stürzt es, verzichtend, innen in der Schale
zurück in seinen Mittelpunkt.
– Rainer Maria Rilke, em “Quatro Poemas Esparsos” (1924). In: Coisas e
anjos de Rilke – Augusto de Campos [organização e tradução].
sábado, 1 de dezembro de 2018
unha 1
Quando o dedão do pé nasceu, ficou
plantado no meio da sala. Talvez esperasse o resto do corpo vir aos pedaços.
Por pouco ficaria assombrando a memória de sua mãe, se ele não desse alguma serventia
ao que ainda lhe restava de vida. A unha encravada, o aspecto tenebroso daquele
menos que pé constituíram, meio que oracularmente, os percalços de sua vida. Depois
que o corpo veio se juntar ao dedo, JM passaria a vida inteira a buscar com a
obstinação dos atormentados um meio para fazer com que seu dedo, dedão, se
materializasse em todo seu esplendor, por isso o disseminou com o disfarce de
outras partes do corpo nos suportes que viria a utilizar.
Tateio
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
Hilda Hilst
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Benin
1
Os olhos de JM estavam
imersos na máscara dos reis do Benin. Eram apenas os olhos, o resto do corpo
viajava nas caravelas portuguesas. Quando os olhos não viam Benin, plantavam
nas sementes, que ele espalharia/espelharia, uma imagem de pavor e resistência.
Os olhos de um negro retinto retingiria o rio niger de vermelhos rudes e tons
de verdes esquecidos; por mais estranhos que os olhos não se punham nas paisagens,
o horror, o horror era cobrado por aqueles olhos de não estarem, desachegados
aos chás, às cinco horas cujo extermínio soará como um machado cortando
perpendicularmente as cabeças das rainhas de copas.
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
O novo romance brasileiro
João Guimarães Rosa, ao escrever Grande
Sertões: Veredas, revisita toda a tradição brasileira do romance regional, que
se inicia com Alencar, passa pelo Realismo, pelo Sertões, de Euclides, e pela
tradição regionalista de 30. A obra do escritor mineiro é ao mesmo tempo o
ápice e a sepultura de toda esta tradição, de toda uma linguagem. O sertão, que
está em toda parte, se faz mundo, se faz universo e se insere nos voos que a
literatura pós-roseana alça.
Machamba, da escritora Gisele Mirabai,
alça seu voo após a lição de Rosa, isto é, o que há de sertão no romance se
coloca como destituição, vazio a ser preenchido pelas vicissitudes de uma
personagem que deve conviver com a morte deste sertão, por isso ele é uma
presença ausente em toda a narrativa. Uma lembrança que se necessita
confrontar.
As linhas buscadas pela narrativa
levam-na dos belos horizontes à busca incessante de outros horizontes nos quais
se encontra a bifurcação dos amores perdidos, desde a África até as
civilizações antigas. O mundo se divide, nas andanças da personagem, entre o mundo
comezinho das palavras e vivências diárias ao mundo vasto, vasto mundo, em que
se navega, sem se saber porque, pelas esferas universais a abeirarem-se da
percepção do sublime proposta por Kant.
Como um tiro no peito, ou o peso das
patas de um boi no centro do coração, Machamba se propõe discutir essa linha
obscura que nem as ciências, nem os juízos, são capazes de entender e que
apenas a linguagem desprovida de significado neste mundo pequeno pode-se
revelar como entendimento através do silêncio, um silêncio tanto mais curioso
por ser ele, o silêncio, quem narra o mundo denominado grande e por isso
inatingível.
As narrativas, em geral muito
precárias no Brasil, em todos os tempos, excetuando aqui e ali um Machado, um
Graciliano, um Cornélio Pena, um Rosa, sempre contaram demais, permitindo ao
leitor pouca margem de leitura, e com isso fazendo com que o romance fosse uma
dadivosa aula enciclopédica, como em Apesar
de dependente, universal, nos alerta Silviano Santiago, esse grande outro
grande prosador de nossos dias. São, diríamos com Gisele, narrativas do mundo
pequeno.
Em Machamba esse enciclopedismo,
aprendido do pai, está no romance como rota de fuga, como a ironia
constituidora dos sentidos a não serem alcançados ou por impossíveis ou, melhor
hipótese, porque impedem ao leitor as facilidades de um mundo fechado e
autocentrado, como soem ser as narrativas da chamada auto-ficção. Os sentidos,
se os há, estão em outro lugar. Só será capaz de alcançá-los o leitor que
responder ao convite sutil à reflexão feito pela narrativa deste belo romance.
(oswaldo martins)
terça-feira, 20 de novembro de 2018
talvez ainda samba
3
O
requebro agressivo era uma velha canção em seus ouvidos, como se não Chicago, não
Nova Iorque, mas ainda assim a perna requebrava com fúria e plantava pés,
joelhos, mãos e cabeça desconjuntadas pelas ruas de um país que não era o seu,
mas que plantava nas roças de algodão a fúria encapuzada sobre essa música que
ouvia e se havia fruto poderoso cuja seiva escorria pelas valas, pelos filetes
de sangue, pelos corpos torturados e desaparecidos.
matadouro
as despregadas peças do corpo humano
podem ser vistas já postas em exposição
como na prateleira do mercado o frisson
desde um guardanapo à lata de elastano
ataca o frege da beócia beatitude
daqueles que vão ao gozo por uma perna
este petisco sem igual cujas úrsulas
deixam sobrar no que sobeja desta hérnia
uns pelinhos aclarados em tal água
que oxigena e os pentelhos doura
nas gôndolas dos gandolas aos gandulas
da glândula pituitária desregulada
hipófise a oscular tonta de desejos
a satisfação das peças recém obtidas
(oswaldo martins)
podem ser vistas já postas em exposição
como na prateleira do mercado o frisson
desde um guardanapo à lata de elastano
ataca o frege da beócia beatitude
daqueles que vão ao gozo por uma perna
este petisco sem igual cujas úrsulas
deixam sobrar no que sobeja desta hérnia
uns pelinhos aclarados em tal água
que oxigena e os pentelhos doura
nas gôndolas dos gandolas aos gandulas
da glândula pituitária desregulada
hipófise a oscular tonta de desejos
a satisfação das peças recém obtidas
(oswaldo martins)
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
estudo para alguns tons
2
Quando não esteve em
Paris, JM visitou os bairros mais distantes onde recolheu uma série de madeira
de construções devolutas. Viu os realistas da revolução, visitou museus, os
andrajos do braço da vênus e os usou nas séries temáticas de suas composições.
O braço ficou vagando, ora aparecia de cabeça pra baixo, ora de cabeça pro lado,
ora oblíquo ao pano de fundo no qual faltava o corpo da deusa. De Aquiles
roubou o calcanhar. De da Vinci, a máscara mortuária e o estudo da anatomia
humana. De Coubert, a boceta.
Quando voltou da cidade
em que nunca esteve, se pôs a trabalhar tão freneticamente que era possível
àqueles que morte visita cedo enxergá-los dispersos pelos muros contra os quais
se dançava uma coreografia quebrada, ao som do haxixe.
quarta-feira, 7 de novembro de 2018
o sangue e o leite
cena 1
no cárcere as mães
acalentavam os filhos
os algozes vigiavam-lhe os seios
expostos para fora das grades
os pais esperavam híspidos
para levá-los a casa
aguardavam-nos as amas
e a água das sarjetas
cena 2
as mães expunham os seios
por um copo de vinagre
acendiam um mata-rato
para inebriar os sentidos
e se riam máscaras
no teatro de horrores
3
para os homens à sombra
da carceragem dançavam
deusas desdentadas
que o baixo ventre intuía
e os devoravam como se de cronos
esperassem outra ordem
para que pudessem devorá-los
os filhos
(oswaldo martins)
terça-feira, 6 de novembro de 2018
os gorilas também amam
para o guta
os gorilas ocidentais das terras baixas
andam perdendo o sono
não comem mais a folha
nem o sumo dos frutos tragam
os gorilas ocidentais das terras baixas
preferem a canabis
que lhes cura as dores
e os faz escapar à realidade
os gorilas ocidentais das terras baixas
vestem roupas estranhas
um estrondo de cores
que inventa o atual requebro
os gorilas ocidentais das terras baixa
caçados a fuzis e pretzels
invernam nas matas
para voltarem triunfantes
ao azul de suas matas
terça-feira, 30 de outubro de 2018
fantasia sobre um poema de rilke
se grades nos aferram os olhos
se a lâmina seca seu punhal
se os cacos de vidro nos ossos
compõem melodias de atonal
ódio recai sob o horizonte a fera
sinuosa das palavras-ardil
quando longas as primaveras
fecham os olhos em flexível
circunvolução os corpos agem
ante o travo do vinagre e o ácido
do sol despencado na salsugem
se das facas os dentes afincam
oswaldo martins
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
paixão
paixão. até o último minuto. ato de
resistência e fé. afastamento da noite. percepção crítica e convívio. mesmo
quando o convívio tende ao fim, à aniquilação, o cristo de minha paixão é
reativo, não aceita o destino a que os homens o jogaram, é mais um filho de um
beliscão e de uma piscadela, um homem que resiste à morte e que, mesmo morto,
ainda percebe o ardor do corpo das madalenas. um cristo contrário ao luto,
afirmador da vida, um cristo cuja paixão não se deixa enlevar senão pelo signo do
homem apaixonado, até o limite de suas forças. um deus, se deus, fodedor.
paixão. até o limite de mim
mesmo, até o limite da resistência, que reage às torturas, ao ouvir os gritos
desgrenhados das mulheres de jerusalém, os gritos desesperados dos amigos, os
gritos dos barbarizados da humanidade; paixão que reage ao grito da barbárie e do
medo, com o corpo de sangue, com o corpo do tesão e a nudez física dos amores,
tão vastos quanto a possibilidade mesma do amor.
paixão, quando o poema se faz no
limite da compreensão, da sintaxe
paixão, quando os desenhos de
roberto se fazem abstração e concretude
paixão, quando o sentido do pau
de corda se faz nordestino
paixão, quando mandamos à meada
da merda o horror de hyeronimus bosch
paixão, quando, enfim,
celebramos, mesmo torturados e vilipendiados, o nosso quinhão de vida.
quarta-feira, 17 de outubro de 2018
Leitura de romances 3
O objetivo dos encontros busca colocar em circulação
ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura Universal. Serão
quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo do autor, da
época, do significado literário e filosófico em que se insere o livro e dois
romances lidos.
Programação
Livro 1 – Desonra – J. M. Coetzee
Encontro 1 – dia 30/10 – Apresentação do autor e
primeiras questões
Encontro 2 – dia 06/11 – Análise e debate sobre o
livro
Livro 2 – No seu pescoço – Chimamanda Ngozi Adichie
Encontro 3 – dia 13/11 – Apresentação do autor e
primeiras questões
Encontro 4 – dia 27/11 – análise e debate sobre o
livro
Local: Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Horário: das 20:00 às 21:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro encontros
Mediador de leitura: Oswaldo Martins
Contato pelo tel (021) 981439622
Oswaldo Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960,
reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em Letras
(Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira), pela
UERJ. Autor dos livros desestudos (2000
- 7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras /
2015 – TextoTerritório); lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015
– TextoTerritório) cosmologia do
impreciso (2008 – 7 Letras); língua
nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto
(2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de
2018.
Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David Rodigues –
2009); Venta-não, (com Felipe David
Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da TextoTerritório.
sexta-feira, 12 de outubro de 2018
desimitação de bukowski
a conversar com as baratas ler um livro
para que o arrase, caro leitor
trançar metáforas
loucas de bêbedas
caídas no porre
entre a cozinha atulhada de lixo
copos emborcados
corpos pelo sofá da sala
não dar conta de si
como o algodão nas narinas
talvez possa vencer a noite
o tédio o que não fazer da vida
poesia é que não é
nem aqui nem ali
na califórnia
(oswaldo martins)
sábado, 6 de outubro de 2018
Elegia a Emmett Till
A tradução tem quase trinta anos; hoje eu faria outra e não
esta. Reli e publico assim, sem mudanças, para lembrar o que senti enquanto
traduzia e confirmar que ainda sinto a mesma indignação (e porque não teria
tempo de traduzir poesia, algo que me faz falta),
Também vejo que não perdi de vista o que é importante
.
Elegia a Emmett Till
Nicolás Guillém
(Tradução Francisco César Manhães Monteiro)
A Miguel Otero Silva
O corpo mutilado de Emmett Till, 14 anos, de Chicago,
Illinois, foi retirado do rio Tallahatchie, perto de Greenwood, em 31 de
agosto, três dias depois de ter sido raptado da casa de seu tio por um grupo de
brancos armados de fuzis...
The Crisis, New York, outubro de 1955.
Na América do Norte,
tem a Rosa-dos-Rumos
a sua pétala sul rubra de sangue.
O Mississipi passa
ó velho rio irmão dos homens negros!
com as veias abertas entre as águas,
o Mississipi quando passa.
Suspira o amplo peito
e em sua guitarra bárbara
o Mississipi quando passa
chora com intensas lágrimas.
O Mississipi passa
e fita o Mississipi quando passa
árvores silenciosas
que têm pendentes gritos já maduros,
o Mississipi quando passa,
e fita o Mississipi quando passa
cruzes de fogo ameaçador,
o Mississipi quando passa,
e homens de medo e de tumulto,
o Mississipi quando passa,
e a fogueira noturna
cuja luz canibal
alumbra a dança branca,
e a fogueira noturna
com um eterno negro ardendo,
um negro segurando
envolto em fumo o desprendido ventre,
os intestinos úmidos,
o perseguido sexo,
ali no Sul alcoólatra,
ali no Sul de afronta e látego,
o Mississipi quando passa.
Agora, ó Mississipi,
ó velho rio irmão dos homens negros!,
ora um menino frágil,
pequena flor de tuas ribeiras,
não ainda raiz dessas tuas árvores ,
não tronco de teus bosques,
não pedra de teu leito,
não caimão de tuas águas:
menino apenas,
menino morto, assassinado e só,
negro.
Menino com seu pião,
com seus amigos, com seu bairro,
com sua camisa de domingo,
com sua entrada pro cinema,
com sua carteira e quadro-negro,
com seu frasco de tinta,
com sua luva de baseball,
com seu programa de boxe,
· com seu retrato de Lincoln,
com sua bandeira norte-americana,
negro.
Menino negro assassinado e só,
que uma rosa de amor
lançou aos pés de uma menina branca .
Ó velho Mississipi,
ó, rei, ó rio de profundo manto!,
detém aqui tua procissão de espumas,
tua azul carruagem de tração oceânica:
fita este corpo leve
de anjo adolescente que trazia
sequer ainda bem fechadas
s cicatrizes sobre os ombros
onde teve suas asas;
fita este rosto de perfil ausente,
desfeito a pedra e pedra,
a chumbo e pedra,
a insulto e pedra;
fita este aberto peito,
o sangue antigo já de duro coágulo.
Vem e na noite iluminada
por uma lua de catástrofe,
a lenta noite de homens negros
com suas fosforescências subterrâneas,
vem e na noite iluminada,
diz-me tu, Mississipi,
se podes contemplar com olhos de água cega
e braços de titã indiferente
este luto, este crime,
este mínimo morto sem vingança,
este cadáver colossal e puro:
vem e na noite iluminada
tu, repleto de punhos e de pássaros,
de sonhos e metais,
vem e na noite iluminada,
ó velho rio irmão dos homens negros,
vem e na noite iluminada,
vem e na noite iluminada,
diz-me tu, Mississipi...
desimitação de cabral
o poema se faz seta de sal
resseca olhos com vinagre
e o sol nordeste de cabral
ativa por dentro os cristais
dos retirantes o ácido-flor
o estilo das facas factrais
que facas-canudos canecas
facas mais explodem a vida
e suas formas de areia seca
oswaldo martins
quarta-feira, 26 de setembro de 2018
beatriz de quatro
todo prazer
me leva a dante
ao silvarem as
cobras
o ventre
exposto
é selvagem
em seu escorço
o ato osco
dos poetas
desliza na
palavra
entre o
fósforo e o carbono
sob o signo
da cadela do dianho
o fogacho da
língua, que me lambe
(oswaldo
martins)
sexta-feira, 21 de setembro de 2018
a língua come depois despeja flatos (uma desimitação icônica)
se o mundo valesse a pena
e o comerciante o pôs em anúncio
que atrapou do pastor até o núncio
não se salvaria o imundo
não se salvaria raimundo
muito menos o homem
atrás dos olhos
muito menos o poema
atrás do bigode
(oswaldo martins)
terça-feira, 18 de setembro de 2018
Leitura de romances 2
O objetivo dos encontros busca
colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura
Universal. Serão quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo
do autor, da época, do significado literário e filosófico em que se insere o
livro e dois romances lidos.
Programação
Livro 1 – Pedro Páramo – Juan Rulfo
Encontro 1 – dia 02/10 –
Apresentação sobre Juan Rulfo
Encontro 2 – dia 19/10 – Debate
sobre o livro
Livro 2 – Em louvor da sombra – Jun’Ichiro
Tanizaki
Encontro 3 – dia 16/10 –
Apresentação sobre Jun’Ichiro Tanizaki
Encontro 4 – dia 23/10 – Debate
sobre o livro
Local: Rua Pires de Almeida
76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Horário: das 20:00 às 21:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro
encontros
Mediador de leitura: Oswaldo
Martins
Contato pelo tel (021) 981439622
Oswaldo Martins, nascido em
Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em
Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira),
pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000
- 7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras /
2015 – TextoTerritório); lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015
– TextoTerritório) cosmologia do
impreciso (2008 – 7 Letras); língua
nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto
(2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de
2018.
Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com
Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não,
(com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da
TextoTerritório.
quarta-feira, 5 de setembro de 2018
repto
o rosto no sinal impotente
pede aos transeuntes bala
das bexigas que lhe enfeitam
plange lhe na cara o riso torto
os beijos que voam perdidos
em torno de sua perna coxa
(oswaldo martins)
duas desimitações
desimitação de mario de andrade
nos livros encomendados
pelos ancestrais da fiesp
caem – de boca – no amor
das fodidas fräuleins
desimitação de jorge amado
aquela teta a mutreta da treta
não se assume como a boceta
de tieta
(oswaldo martins)
quarta-feira, 15 de agosto de 2018
aforismos circulares
1
a arte é banana de dinamite, explodindo sobre o nada.
2
o nada, um campo aberto sobre o qual há centelhas aleatórias.
3
a junção das fagulhas cria uma explosão que alarga o nada em
outra nada mais amplo.
4
nadificada pelo nada a vida se recoloca trágica e anônima.
5
trágica e anônima a vida tende às fagulhas e ao campo aberto
da aleatoriedade da arte.
(oswaldo martins)
terça-feira, 14 de agosto de 2018
Grupo de Leitura
Grupo de Leitura
O objetivo dos encontros está em
colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura
Universal. Serão quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo
do autor, da época, da série literária em que se insere o livro e dois romances
lidos.
Programação
Livro 1 – Dom Casmurro
Encontro 1 – dia 04/09 –
Apresentação sobre Machado de Assis
Encontro 2 – dia 11/09 – Debate
sobre o livro
Livro 2 – Sonata a Kreutzer – Lev
Tolstói
Encontro 3 – dia 18/09 –
Apresentação sobre Lev Tolstói
Encontro 4 – dia 25/09 – Debate sobre
o livro
Local: Rua Pires de Almeida
76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro
encontros
Horário: das 20:00 h às 21:30 h
Horário: das 20:00 h às 21:30 h
Mediador de leitura: Oswaldo Martins
Inscrições pelo tel 981438622
Inscrições pelo tel 981438622
Obs: O grupo se formará com o
mínimo de 4 pessoas e o máximo de 6 pessoas.
Oswaldo Martins, nascido em
Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em
Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira),
pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000
- 7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras /
2015 – TextoTerritório); lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015
– TextoTerritório) cosmologia do
impreciso (2008 – 7 Letras); língua
nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto
(2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de
2018.
Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com
Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não,
(com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da
TextoTerritório.
terça-feira, 7 de agosto de 2018
desimitação de safo
as moças acorriam aos jardins de
safo
asseguravam-se dos movimentos
dos passos leves
da vinha
nas academias aprendiam
a ardentia de suas rosas loucas
em seus peitinhos safo arranjava
flores de mirto e o sabor da
hortelã
eros então dispunha
águas e temperos aéreos
as moças observavam a lua as
constelações
quase nuas e deitadas a terra
indagavam
da construção de espantos
cedo abandonavam seus pais
por eros
por safo
por lesbos – ilha de amores
(oswaldo martins)
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