quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Um poema de Mar Becker


Nasci sem olhos
sem língua
com uma cascata de nadas pulsando
no sangue

vejo o mundo por olhos alheios
canto numa língua que herdamos
e sentidos catados nas ruas

caveiras programadas
à sombra da noite transparente.

*
Calçamento de pedras desoladas
da lua
costura de vozes e sombras
nos santos surdos de pedra –

onde falamos.

*
Atrás dos cogumelos de madeira
molhados de sereno –
uma silhueta sem rosto
vela meu sono.

Mar Becker

Réquiem para un país asesinado


No les hablo de un país
Nacido de sueños y quimeras
Les hablo de uma tierra
De barro y resistencia
Con efímeros palacios amassados
De sangre y lágrimas
Con el fuego del cielo
Un duro sol
Sobre la cabeza
De mañanas calmas

Barnabé Laye – Benin


A luz oblíqua


A luz oblíqua da tarde
Morre e arde
Nas vidraças

Nas coisas nascem fundas taças
Para a receber,
E ali eu vou beber.

A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo

A vibração das coisas cresce.
Cada instante
No seu secreto murmurar é semelhante
A um jardim que verdeja e que floresce.

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Nicanor Parra

A MONTANHA RUSSA

Durante meio século
A poesia foi
O paraíso do bobo solene.
Até que cheguei eu
E me instalei com minha montanha russa.

Subam, se quiserem.
Claro que não me responsabilizo se descerem
Botando sangue pela boca e pelo nariz.

(Tradução: Carlos Machado)



LA MONTAÑA RUSA

Durante medio siglo
La poesía fue
El paraíso del tonto solemne.
Hasta que vine yo
Y me instalé con mi montaña rusa.

Suban, si les parece.
Claro que yo no respondo si bajan
Echando sangre por boca y narices.

Leitura do poema sopro

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

pedra da georgia


1

O nariz não cheirou as plantas dos hippies da Califórnia. Buscava outras coisas naquela cidade. Possuía um pequeno galpão no qual a maresia cedia lugar ao cheiro psicodélico das imagens abandonadas. Enxergava seu dedão que se deixara ficar em Nova Iorque, as pernas oblíquas à procura de um corpo ou de um significado oculto nas ruas dos subúrbios do Rio de Janeiro. Os cheiros tinham às vezes o das sarjetas, às vezes o do chumbo ou dos corpos destroçados no Vietnã. Ainda estaria por plantar um de seus dedos queimados pelo cheiro de Hiroshima e Nagasaki. O que mais o impressionara fora então aquele que não se explicava quando os navios fundeados na baía forçaram primeiro a deposição dos presidentes eleitos da AL, e dos corpos que se debatiam no fundo do mar, amarrados por pedras, atirados fora como se cães macilentos e doentes como a baleia.

sábado, 15 de dezembro de 2018

estudo para êxodo de lasar segall


minha última palavra
abeira lagos

um cadáver boia
aos abraços

quando deveriam ser vários
os ali mergulhados

em amor aberto
ante os ritos sumários


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

estudo para autorretrato de lucian freud


nos festejos dos andrajos
de um esconso ecoo
saltam corpos reflexos

aos poucos assomam
ao centro do oco
as muxibas de um colo

em enfeite de peles
roncas e o desafio
do homem em ruínas

(oswaldo martins)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

os fragmentários


1
pratos servem para que se
cuspa em solidões enormes

2
o ano ruim deve ser espargido
com arruda e sal grosso

3
se houve mulheres
num barco no meio do mar
quem as houve em tempestade
tocou o abismo das fossas sublimes

de kant

4
sendo o tempo uno
o tempo que para mim é
constrói um tempo que nega
do próprio tempo o tempo não-é

5
viver o impacto da consciência
é não sucumbir ante a cicuta e a cruz
negar-se ao exílio e à mentira

é antes saber-se cego e
justo como o rei antigo
não abandonar tebas


Minha cidade 2











Minha cidade









sábado, 8 de dezembro de 2018

Melhores livros de 2018


Recomendação de livros em 2018
Romance e conto
1 Me. Gwyn – Alessandro Barico
2 Amsterdam- Ian McEwan
3 Dicionário de línguas imaginárias – Olavo Amaral
4 A bela senhora Seidenman – Andrzej Szczypiorski
5 O galo de ouro – Juan Rulfo
6 A valise do professor – Hiromi Kawakami
7 Não me abandone Jamais – Kazuo Ishiguro
8 A vida escolar de Jesus – J. M. Coetzee
9 As formigas da estação de Berna – Bernard Comment
10 Contos – O. Henry

Poesia
1 oourodooutro – Alexandre Faria
2 Árvore de diana – Alejandra Pizarnik
3 Os trabalhos e as noites – Alejandra Pizarnik
4 Sutur – Cândido Rolim
5 Anexo de ecos – Carlos Ávila
6 Indícios flutuantes – Marina Tsvetáieva
7 Poemas – Wislawa Szymborska
8 Os pássaros brancos – W. B. Yates
9 Outro tempo = W.H. Auden
10 Obra poética – Sophia de Mello Breyner Andersen

Releituras
1 Em louvor da sombra – Junichiro Tanizaki
2 Dom Casmurro – Machado de Assis
3 Desonra – J. M. Coetzee
4 Pedro Páramo – Juan Rulfo
5 Marafa – Marques Rebelo
6 O rei de Havana – Juan Pablo Gutierrez
7 Febeapá – Stanislaw Ponte Preta

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

desimitação de christian morgenstern


para eliane brum

no universo do homem a palavra
se esquiva irruptiva

um soldado passa ao largo
com sua baioneta

cutuca o ventre de quem dorme
e diz tal qual um papagaio

algumas besteiras para apaziguar
de incertezas o mundo

e lhe oferta no coco uma bala
como se lhe varassem laranjas

(oswaldo martins)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Sutur de Cândido Rolim

Tempo

Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.

(Cândido Rolim)



As definições da poesia são várias, demandam uma série ininterrupta de percepções e inovações, que vão desde o corte rítmico ao corte visual em proveito do sentido – nem sempre tangível do poema. Em Sutur, o poeta Cândido Rolim apresenta, para além da acuidade com que enxerga a realidade, uma densidade cujo desdobramento se dá na forma com que trabalha seus poemas.
Se assíntota é linha que se aproxima indefinidamente de uma curva sem jamais cortá-la, a palavra do poeta retransfigura a definição e nos entrega, mais que um modo de operação de suas poesias, a definição que permite ao leitor buscar, nos cortes operados, um sentido oculto que se desvelará na percepção do leitor como construção das relações do espaço e do tempo. Senão veja-se:

Assíntota

linha que se
aproxima
indefinidamente de
uma curva sem
jamais
cortá-la

O isolamento dos verbos aproximar e cortar, entre o curvo e o reto, acerca-se e dá destaque ao modo de operação dos poemas do livro. Neste entre-lugar, o poema cria como que uma terceira possibilidade que não é nem o curvo nem o reto, nem mesmo o modo de operação do pôr o mundo a nu, mas o próprio do mundo repovoado. Essa técnica, no sentido mesmo de arte, possibilita que se desdobrem inúmeros modos de aproximação com o sentido e inaugure possibilidades inovadoras de participação e confecção das suturas expostas pelo poeta.
Veja se, por exemplo, este outro poema – sábado -, cuja ironia, cáustica, por sua mínima lírica, faz retroceder toda constatação da ação humana a uma “qualidade negativa” preenchida dos vazios em que a propulsão dos afetos não encontra respostas afetivas, como se o sujeito da ação afetiva se permitisse um não-lugar à satisfação dos desejos e o transmudasse em outro móbile que se conformasse, ao sabor dos ventos, ao que possa ser apreendido como objeto do desejo. Em outras palavras: o vazio a ser preenchido só se opera a partir da falta.

SÁBADO
Homens acariciam
carros
O modo de operação dos poemas vai se construindo aos poucos, complementando ao longo de todo o livro esse primário dizer que faz com que a poesia de Cândido Rolim se mostre necessária e pulsante frente a este mundo de construções falseadoras do real, por ele mundo se contentar com a repetição do mesmo. Se o mundo opera com o preenchimento dos vazios pela positividade dos sentidos, a falta desta positividade, em Rolim, pressupõe seu preenchimento a partir dos desdobramentos dos vazios em mais vazios; como os móbiles de Calder, a construção da poesia de Sutur se mostra na configuração do momento de leitura. O que, aliás, é mais do que necessário no panorama da literatura contemporânea.

Oswaldo Martins

Marilia Medalha - Estrada Nova

Glória


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O fruto / Die frucht


O fruto

Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.
Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.
E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.

.

Die frucht

Das stieg zu ihr aus Erde, stieg und stieg,
und war verschwiegen in dem stillen Stamme
und wurde in der klaren Blüte Flamme,
bis es sich wiederum verschwieg.
Und fruchtete durch eines Sommers Länge
in dem bei Nacht und Tag bemühten Raum,
und kannte sich als kommendes Gedränge
wider den teilnahmsvollen Raum.
Und wenn es jetzt im rundenden Ovale
mit seiner vollgewordnen Ruhe prunkt,
stürzt es, verzichtend, innen in der Schale
zurück in seinen Mittelpunkt.

– Rainer Maria Rilke, em “Quatro Poemas Esparsos” (1924). In: Coisas e anjos de Rilke – Augusto de Campos [organização e tradução].


sábado, 1 de dezembro de 2018

unha 1


Quando o dedão do pé nasceu, ficou plantado no meio da sala. Talvez esperasse o resto do corpo vir aos pedaços. Por pouco ficaria assombrando a memória de sua mãe, se ele não desse alguma serventia ao que ainda lhe restava de vida. A unha encravada, o aspecto tenebroso daquele menos que pé constituíram, meio que oracularmente, os percalços de sua vida. Depois que o corpo veio se juntar ao dedo, JM passaria a vida inteira a buscar com a obstinação dos atormentados um meio para fazer com que seu dedo, dedão, se materializasse em todo seu esplendor, por isso o disseminou com o disfarce de outras partes do corpo nos suportes que viria a utilizar.

Tateio


Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.

Hilda Hilst

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Benin


1

Os olhos de JM estavam imersos na máscara dos reis do Benin. Eram apenas os olhos, o resto do corpo viajava nas caravelas portuguesas. Quando os olhos não viam Benin, plantavam nas sementes, que ele espalharia/espelharia, uma imagem de pavor e resistência. Os olhos de um negro retinto retingiria o rio niger de vermelhos rudes e tons de verdes esquecidos; por mais estranhos que os olhos não se punham nas paisagens, o horror, o horror era cobrado por aqueles olhos de não estarem, desachegados aos chás, às cinco horas cujo extermínio soará como um machado cortando perpendicularmente as cabeças das rainhas de copas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O novo romance brasileiro



João Guimarães Rosa, ao escrever Grande Sertões: Veredas, revisita toda a tradição brasileira do romance regional, que se inicia com Alencar, passa pelo Realismo, pelo Sertões, de Euclides, e pela tradição regionalista de 30. A obra do escritor mineiro é ao mesmo tempo o ápice e a sepultura de toda esta tradição, de toda uma linguagem. O sertão, que está em toda parte, se faz mundo, se faz universo e se insere nos voos que a literatura pós-roseana alça.
Machamba, da escritora Gisele Mirabai, alça seu voo após a lição de Rosa, isto é, o que há de sertão no romance se coloca como destituição, vazio a ser preenchido pelas vicissitudes de uma personagem que deve conviver com a morte deste sertão, por isso ele é uma presença ausente em toda a narrativa. Uma lembrança que se necessita confrontar.
As linhas buscadas pela narrativa levam-na dos belos horizontes à busca incessante de outros horizontes nos quais se encontra a bifurcação dos amores perdidos, desde a África até as civilizações antigas. O mundo se divide, nas andanças da personagem, entre o mundo comezinho das palavras e vivências diárias ao mundo vasto, vasto mundo, em que se navega, sem se saber porque, pelas esferas universais a abeirarem-se da percepção do sublime proposta por Kant.
Como um tiro no peito, ou o peso das patas de um boi no centro do coração, Machamba se propõe discutir essa linha obscura que nem as ciências, nem os juízos, são capazes de entender e que apenas a linguagem desprovida de significado neste mundo pequeno pode-se revelar como entendimento através do silêncio, um silêncio tanto mais curioso por ser ele, o silêncio, quem narra o mundo denominado grande e por isso inatingível.
As narrativas, em geral muito precárias no Brasil, em todos os tempos, excetuando aqui e ali um Machado, um Graciliano, um Cornélio Pena, um Rosa, sempre contaram demais, permitindo ao leitor pouca margem de leitura, e com isso fazendo com que o romance fosse uma dadivosa aula enciclopédica, como em Apesar de dependente, universal, nos alerta Silviano Santiago, esse grande outro grande prosador de nossos dias. São, diríamos com Gisele, narrativas do mundo pequeno.
Em Machamba esse enciclopedismo, aprendido do pai, está no romance como rota de fuga, como a ironia constituidora dos sentidos a não serem alcançados ou por impossíveis ou, melhor hipótese, porque impedem ao leitor as facilidades de um mundo fechado e autocentrado, como soem ser as narrativas da chamada auto-ficção. Os sentidos, se os há, estão em outro lugar. Só será capaz de alcançá-los o leitor que responder ao convite sutil à reflexão feito pela narrativa deste belo romance.

(oswaldo martins)

terça-feira, 20 de novembro de 2018

talvez ainda samba

3

O requebro agressivo era uma velha canção em seus ouvidos, como se não Chicago, não Nova Iorque, mas ainda assim a perna requebrava com fúria e plantava pés, joelhos, mãos e cabeça desconjuntadas pelas ruas de um país que não era o seu, mas que plantava nas roças de algodão a fúria encapuzada sobre essa música que ouvia e se havia fruto poderoso cuja seiva escorria pelas valas, pelos filetes de sangue, pelos corpos torturados e desaparecidos.

matadouro

as despregadas peças do corpo humano
podem ser vistas já postas em exposição
como na prateleira do mercado o frisson
desde um guardanapo à lata de elastano

ataca o frege da beócia beatitude
daqueles que vão ao gozo por uma perna
este petisco sem igual cujas úrsulas
deixam sobrar no que sobeja desta hérnia

uns pelinhos aclarados em tal água
que oxigena e os pentelhos doura
nas gôndolas dos gandolas aos gandulas

da glândula pituitária desregulada
hipófise a oscular tonta de desejos
a satisfação das peças recém obtidas

(oswaldo martins)

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

estudo para alguns tons


2

Quando não esteve em Paris, JM visitou os bairros mais distantes onde recolheu uma série de madeira de construções devolutas. Viu os realistas da revolução, visitou museus, os andrajos do braço da vênus e os usou nas séries temáticas de suas composições. O braço ficou vagando, ora aparecia de cabeça pra baixo, ora de cabeça pro lado, ora oblíquo ao pano de fundo no qual faltava o corpo da deusa. De Aquiles roubou o calcanhar. De da Vinci, a máscara mortuária e o estudo da anatomia humana. De Coubert, a boceta.

Quando voltou da cidade em que nunca esteve, se pôs a trabalhar tão freneticamente que era possível àqueles que morte visita cedo enxergá-los dispersos pelos muros contra os quais se dançava uma coreografia quebrada, ao som do haxixe.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

o sangue e o leite


cena 1

no cárcere as mães
acalentavam os filhos

os algozes vigiavam-lhe os seios
expostos para fora das grades

os pais esperavam híspidos
para levá-los a casa

aguardavam-nos as amas
e a água das sarjetas

cena 2

as mães expunham os seios
por um copo de vinagre

acendiam um mata-rato
para inebriar os sentidos

e se riam máscaras
no teatro de horrores

3

para os homens à sombra
da carceragem dançavam

deusas desdentadas
que o baixo ventre intuía

e os devoravam como se de cronos
esperassem outra ordem

para que pudessem devorá-los
os filhos

(oswaldo martins)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

os gorilas também amam



para o guta

os gorilas ocidentais das terras baixas
andam perdendo o sono
não comem mais a folha
nem o sumo dos frutos tragam

os gorilas ocidentais das terras baixas
preferem a canabis
que lhes cura as dores
e os faz escapar à realidade

os gorilas ocidentais das terras baixas
vestem roupas estranhas
um estrondo de cores
que inventa o atual requebro

os gorilas ocidentais das terras baixa
caçados a fuzis e pretzels
invernam nas matas
para voltarem triunfantes

ao azul de suas matas

terça-feira, 30 de outubro de 2018

fantasia sobre um poema de rilke


se grades nos aferram os olhos
se a lâmina seca seu punhal
se os cacos de vidro nos ossos
compõem melodias de atonal

ódio recai sob o horizonte a fera
sinuosa das palavras-ardil
quando longas as primaveras
fecham os olhos em flexível

circunvolução os corpos agem
ante o travo do vinagre e o ácido
do sol despencado na salsugem
se das facas os dentes afincam

oswaldo martins


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

paixão


paixão. até o último minuto. ato de resistência e fé. afastamento da noite. percepção crítica e convívio. mesmo quando o convívio tende ao fim, à aniquilação, o cristo de minha paixão é reativo, não aceita o destino a que os homens o jogaram, é mais um filho de um beliscão e de uma piscadela, um homem que resiste à morte e que, mesmo morto, ainda percebe o ardor do corpo das madalenas. um cristo contrário ao luto, afirmador da vida, um cristo cuja paixão não se deixa enlevar senão pelo signo do homem apaixonado, até o limite de suas forças. um deus, se deus, fodedor.
paixão. até o limite de mim mesmo, até o limite da resistência, que reage às torturas, ao ouvir os gritos desgrenhados das mulheres de jerusalém, os gritos desesperados dos amigos, os gritos dos barbarizados da humanidade; paixão que reage ao grito da barbárie e do medo, com o corpo de sangue, com o corpo do tesão e a nudez física dos amores, tão vastos quanto a possibilidade mesma do amor.
paixão, quando o poema se faz no limite da compreensão, da sintaxe
paixão, quando os desenhos de roberto se fazem abstração e concretude
paixão, quando o sentido do pau de corda se faz nordestino
paixão, quando mandamos à meada da merda o horror de hyeronimus bosch
paixão, quando, enfim, celebramos, mesmo torturados e vilipendiados, o nosso quinhão de vida.

paixão


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Leitura de romances 3



O objetivo dos encontros busca colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura Universal. Serão quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo do autor, da época, do significado literário e filosófico em que se insere o livro e dois romances lidos.

Programação

Livro 1 – Desonra  – J. M. Coetzee
Encontro 1 – dia 30/10 – Apresentação do autor e primeiras questões
Encontro 2 – dia 06/11 – Análise e debate sobre o livro
Livro 2 – No seu pescoço – Chimamanda Ngozi Adichie
Encontro 3 – dia 13/11 – Apresentação do autor e primeiras questões
Encontro 4 – dia 27/11 – análise e debate sobre o livro

Local: Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Horário: das 20:00 às 21:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro encontros
Mediador de leitura: Oswaldo Martins
Contato pelo tel (021) 981439622

Oswaldo Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira), pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000 -  7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório);  lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório) cosmologia do impreciso (2008 – 7 Letras); língua nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto (2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de 2018.

Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não, (com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da TextoTerritório.


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

desimitação de bukowski


a conversar com as baratas ler um livro
para que o arrase, caro leitor

trançar metáforas
loucas de bêbedas
caídas no porre

entre a cozinha atulhada de lixo
copos emborcados
corpos pelo sofá da sala

não dar conta de si
como o algodão nas narinas

talvez possa vencer a noite
o tédio o que não fazer da vida

poesia é que não é
nem aqui nem ali

na califórnia

(oswaldo martins)

sábado, 6 de outubro de 2018

Elegia a Emmett Till


A tradução tem quase trinta anos; hoje eu faria outra e não esta. Reli e publico assim, sem mudanças, para lembrar o que senti enquanto traduzia e confirmar que ainda sinto a mesma indignação (e porque não teria tempo de traduzir poesia, algo que me faz falta),
Também vejo que não perdi de vista o que é importante
.
Elegia a Emmett Till
Nicolás Guillém
(Tradução Francisco César Manhães Monteiro)

A Miguel Otero Silva

O corpo mutilado de Emmett Till, 14 anos, de Chicago, Illinois, foi retirado do rio Tallahatchie, perto de Greenwood, em 31 de agosto, três dias depois de ter sido raptado da casa de seu tio por um grupo de brancos armados de fuzis...
The Crisis, New York, outubro de 1955.

Na América do Norte,
tem a Rosa-dos-Rumos
a sua pétala sul rubra de sangue.

O Mississipi passa
ó velho rio irmão dos homens negros!
com as veias abertas entre as águas,
o Mississipi quando passa.
Suspira o amplo peito
e em sua guitarra bárbara
o Mississipi quando passa
chora com intensas lágrimas.
O Mississipi passa
e fita o Mississipi quando passa
árvores silenciosas
que têm pendentes gritos já maduros,
o Mississipi quando passa,
e fita o Mississipi quando passa
cruzes de fogo ameaçador,
o Mississipi quando passa,
e homens de medo e de tumulto,
o Mississipi quando passa,
e a fogueira noturna
cuja luz canibal
alumbra a dança branca,
e a fogueira noturna
com um eterno negro ardendo,
um negro segurando
envolto em fumo o desprendido ventre,
os intestinos úmidos,
o perseguido sexo,
ali no Sul alcoólatra,
ali no Sul de afronta e látego,
o Mississipi quando passa.

Agora, ó Mississipi,
ó velho rio irmão dos homens negros!,
ora um menino frágil,
pequena flor de tuas ribeiras,
não ainda raiz dessas tuas árvores ,
não tronco de teus bosques,
não pedra de teu leito,
não caimão de tuas águas:
menino apenas,
menino morto, assassinado e só,
negro.

Menino com seu pião,
com seus amigos, com seu bairro,
com sua camisa de domingo,
com sua entrada pro cinema,
com sua carteira e quadro-negro,
com seu frasco de tinta,
com sua luva de baseball,
com seu programa de boxe,
· com seu retrato de Lincoln,
com sua bandeira norte-americana,
negro.

Menino negro assassinado e só,
que uma rosa de amor
lançou aos pés de uma menina branca .

Ó velho Mississipi,
ó, rei, ó rio de profundo manto!,
detém aqui tua procissão de espumas,
tua azul carruagem de tração oceânica:
fita este corpo leve
de anjo adolescente que trazia
sequer ainda bem fechadas
s cicatrizes sobre os ombros
onde teve suas asas;
fita este rosto de perfil ausente,
desfeito a pedra e pedra,
a chumbo e pedra,
a insulto e pedra;
fita este aberto peito,
o sangue antigo já de duro coágulo.
Vem e na noite iluminada
por uma lua de catástrofe,
a lenta noite de homens negros
com suas fosforescências subterrâneas,
vem e na noite iluminada,
diz-me tu, Mississipi,
se podes contemplar com olhos de água cega
e braços de titã indiferente
este luto, este crime,
este mínimo morto sem vingança,
este cadáver colossal e puro:
vem e na noite iluminada
tu, repleto de punhos e de pássaros,
de sonhos e metais,
vem e na noite iluminada,
ó velho rio irmão dos homens negros,
vem e na noite iluminada,
vem e na noite iluminada,
diz-me tu, Mississipi...

desimitação de cabral


o poema se faz seta de sal
resseca olhos com vinagre
e o sol nordeste de cabral

ativa por dentro os cristais
dos retirantes o ácido-flor
o estilo das facas factrais

que facas-canudos canecas
facas mais explodem a vida
e suas formas de areia seca


oswaldo martins

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

beatriz de quatro


todo prazer me leva a dante
ao silvarem as cobras
o ventre exposto

é selvagem em seu escorço
o ato osco dos poetas
desliza na palavra

entre o fósforo e o carbono
sob o signo da cadela do dianho
o fogacho da língua, que me lambe

(oswaldo martins)

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

a língua come depois despeja flatos (uma desimitação icônica)


se o mundo valesse a pena
e o comerciante o pôs em anúncio
que atrapou do pastor até o núncio

não se salvaria o imundo
não se salvaria raimundo

muito menos o homem
atrás dos olhos

muito menos o poema
atrás do bigode

(oswaldo martins)


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Leitura de romances 2



O objetivo dos encontros busca colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura Universal. Serão quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo do autor, da época, do significado literário e filosófico em que se insere o livro e dois romances lidos.

Programação

Livro 1 – Pedro Páramo – Juan Rulfo
Encontro 1 – dia 02/10 – Apresentação sobre Juan Rulfo
Encontro 2 – dia 19/10 – Debate sobre o livro
Livro 2 – Em louvor da sombra – Jun’Ichiro Tanizaki
Encontro 3 – dia 16/10 – Apresentação sobre Jun’Ichiro Tanizaki
Encontro 4 – dia 23/10 – Debate sobre o livro

Local: Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Horário: das 20:00 às 21:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro encontros
Mediador de leitura: Oswaldo Martins
Contato pelo tel (021) 981439622

Oswaldo Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira), pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000 -  7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório);  lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório) cosmologia do impreciso (2008 – 7 Letras); língua nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto (2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de 2018.

Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não, (com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da TextoTerritório.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

repto


o rosto no sinal impotente
pede aos transeuntes bala

das bexigas que lhe enfeitam
plange lhe na cara o riso torto

os beijos que voam perdidos
em torno de sua perna coxa

(oswaldo martins)

duas desimitações


desimitação de mario de andrade

nos livros encomendados
pelos ancestrais da fiesp
caem – de boca – no amor
das fodidas fräuleins

desimitação de jorge amado

aquela teta a mutreta da treta
não se assume como a boceta
de tieta

(oswaldo martins)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

aforismos circulares


1
a arte é banana de dinamite, explodindo sobre o nada.
2
o nada, um campo aberto sobre o qual há centelhas aleatórias.
3
a junção das fagulhas cria uma explosão que alarga o nada em outra nada mais amplo.
4
nadificada pelo nada a vida se recoloca trágica e anônima.
5
trágica e anônima a vida tende às fagulhas e ao campo aberto da aleatoriedade da arte.

(oswaldo martins)

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Grupo de Leitura


Grupo de Leitura

O objetivo dos encontros está em colocar em circulação ideias e discussões sobre romances seminais da Literatura Universal. Serão quatro encontros mensais. Com duas aulas dedicadas ao estudo do autor, da época, da série literária em que se insere o livro e dois romances lidos.

Programação

Livro 1 – Dom Casmurro
Encontro 1 – dia 04/09 – Apresentação sobre Machado de Assis
Encontro 2 – dia 11/09 – Debate sobre o livro
Livro 2 – Sonata a Kreutzer – Lev Tolstói
Encontro 3 – dia 18/09 – Apresentação sobre Lev Tolstói
Encontro 4 – dia 25/09 – Debate sobre o livro

Local: Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração dos encontros 1:30 h.
Custo: 400,00 reais os quatro encontros
Horário: das 20:00 h às 21:30 h
Mediador de leitura: Oswaldo Martins

Inscrições pelo tel 981438622

Obs: O grupo se formará com o mínimo de 4 pessoas e o máximo de 6 pessoas.

Oswaldo Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde 1979. Fez graduação em Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado (Literatura Brasileira), pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000 -  7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas do alheio (2002 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório);  lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório) cosmologia do impreciso (2008 – 7 Letras); língua nua (com ilustrações de Elvira Vigna 2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório); manto (2015 – TextoTerritório). Tem no prelo o livro paixão (sobre imagens de Roberto Vieira da Cruz), a sair no ano de 2018.

Fez os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David Rodigues – 2009); Venta-não, (com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria – 2013). É editor da TextoTerritório.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

desimitação de safo


as moças acorriam aos jardins de safo
asseguravam-se dos movimentos
dos passos leves
da vinha

nas academias aprendiam
a ardentia de suas rosas loucas

em seus peitinhos safo arranjava
flores de mirto e o sabor da hortelã

eros então dispunha
águas e temperos aéreos

as moças observavam a lua as constelações
quase nuas e deitadas a terra indagavam
da construção de espantos

cedo abandonavam seus pais

por eros
por safo

por lesbos – ilha de amores

(oswaldo martins)