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quinta-feira, 14 de maio de 2020

as sintaxes


fecharam-se nas sintaxes das paredes
os cavos os ecos sabem ao nascer do
lodo a gosmas-gozo a noites-sêmen

um paralelepípedo em si mesmo crosta
antes da pedra o desafio das linhas nega
o talvez anverso com que se faz língua

de dioniso os perplexos deuses dançam
nas setas das hetairas do balacobaco
enquanto perfuram-na mantras-manha

cria um mundo-nada cujas palavras
e o deslocamento dos sentidos grifa
um pé de serra dançados emblemas

e velhas paredes


(oswaldo martins)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Dois inéditos


murilo mendes

o ponto em suspensão
desavém do ponto sequer
toca voz inalcançável

o que se diz de um ponto
se espraia no horizonte
com que cada um

cervantes
guillén
machado

desborda no ato mesmo
da sintática opção

o bico deste pássaro
quase a não ser

este piano a tocar
as madeixas no caos

*

beatriz



um gosto de azaleia nas casas fechadas
descarrega as alças de nossas camisas
soltos os peitinhos balançam o tempo

indagam para o céu dos apartamentos
onde o sol o cosmético lunar se põe
e com pelicas e delicadeza o dia findo

desce até o carpe diem do térreo
e espreita desde a hora inerte
a vida o sopro as pedras o pó

o caminhante se vai porta afora
com o absinto das saudades tange
um aboio de abajures a meia-luz

(oswaldo martins)

quarta-feira, 27 de março de 2019

FALAM, CONVERSAM O MUNDO



Para Arnaldo Santos e José Luandino Vieira,
Meninos Mais-Velhos dos Pássaros e dos Rios,
na celebração dos seus 80 anos de Vida e Poesia
         

Falam,
conversam o mundo.
E do segredo mínimo
das águas – correndo,
ascende o brilho
do ouro submerso.

Estão sentados no fogo antigo
da Terra – escavam,
retiram as palavras
do seu estado larvar,
atam seus cordões umbilicais a ventres
inaugurais e púberes:
− A palavra,
dizem: procura-a
na concha do ouvido.
Que ela cante – expedita e natural.

Estão sentados no fogo antigo
da Terra – a voz é o seu poder
e bordão:
caligrafia aérea e cantante
insculpida no sangue e sua dança
− batendo, fluindo, sustentando
a escultural melodia da Terra:
de geração em geração: o mundo,
nosso – canto,
poema.

E que a palavra seja –
modelando-se por águas noctívagas,
iluminadas,
ao rés do vento: epopeia breve
− que o tempo alonga,
acrescenta,
rememora – a voz.
E estas mãos:
sua inumerável herança.

                                                8.9.2012-29.7.2013

ZETHO CUNHA GONÇALVES
In: Noite Vertical. Lisboa: Língua Morta, 2017.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

os assassinos


para leon


1

à socapa esperam as ordens do espanto
olho álgido no cão a boca da insolução
oram num gesto o despacho da vítima
o escárnio da cerva e o colarinho
de um bar qualquer

2

neles se completa o homem
no que possui de vômito
no que mais intrínseco age
a intempestiva obediência

3

fosse escolher um quadro seria aquele
a que obedece velázques sob o olhar
dos reis escondidos que comandam
a execução

4

fosse uma cena
o fuzilamento de goya
e seu silêncio da morte

(oswaldo martins)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O pote molda as mãos


O pote molda as mãos
Que o tocam à beira do lago
no poema ou à beira do rio
de lama e desaparecimento.

O pote é marrom, cão, filho, mãe
e vaca amalgamando uivos sensoriais,
a grama oculta, o verde abraçando máscaras
por um segundo, não mais.

Os bombeiros carregam bebidas no bolso
quem os condenaria. As crianças cancelam
aulas e ornamentos em feriados sem fio,
os calendários doem.

Se não fosse o pote, as mãos
não saberiam como rezar. Em volta dele
se aproximam, o meio um espaço querido
de vazio e parceria.

Pássaros foram vistos
depois que a represa rompeu,

ao redor do silêncio.

(Lúcia Leão)

sábado, 15 de dezembro de 2018

estudo para êxodo de lasar segall


minha última palavra
abeira lagos

um cadáver boia
aos abraços

quando deveriam ser vários
os ali mergulhados

em amor aberto
ante os ritos sumários


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

os fragmentários


1
pratos servem para que se
cuspa em solidões enormes

2
o ano ruim deve ser espargido
com arruda e sal grosso

3
se houve mulheres
num barco no meio do mar
quem as houve em tempestade
tocou o abismo das fossas sublimes

de kant

4
sendo o tempo uno
o tempo que para mim é
constrói um tempo que nega
do próprio tempo o tempo não-é

5
viver o impacto da consciência
é não sucumbir ante a cicuta e a cruz
negar-se ao exílio e à mentira

é antes saber-se cego e
justo como o rei antigo
não abandonar tebas


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

desimitação de christian morgenstern


para eliane brum

no universo do homem a palavra
se esquiva irruptiva

um soldado passa ao largo
com sua baioneta

cutuca o ventre de quem dorme
e diz tal qual um papagaio

algumas besteiras para apaziguar
de incertezas o mundo

e lhe oferta no coco uma bala
como se lhe varassem laranjas

(oswaldo martins)

terça-feira, 30 de outubro de 2018

fantasia sobre um poema de rilke


se grades nos aferram os olhos
se a lâmina seca seu punhal
se os cacos de vidro nos ossos
compõem melodias de atonal

ódio recai sob o horizonte a fera
sinuosa das palavras-ardil
quando longas as primaveras
fecham os olhos em flexível

circunvolução os corpos agem
ante o travo do vinagre e o ácido
do sol despencado na salsugem
se das facas os dentes afincam

oswaldo martins