quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Excerto do MUIMBU

#
o gusa gosta de comer
o sacrifício do bode

se o inhame está cozido
o gusa também aprecia

#
arrojado

toma a coroa e não usa
sobe os córneos dos carneiros

se te amam ai gusa
fazem do cortejo dos cães

o apelo que salva os pescoços

(MUIMBU – ANDRÉ CAPILÉ)


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

peripatético

desde a visão perdida o manco paladar
impõem-se substratos para a viagem do nada
podem os aviões jungidos soltos no ar
a justeza inadequada, a ceifa que carda

aqueles, menipos vácuos, cujos atalhos
vedados irradiam nenhum sol alguma lâmina
que à messe se contraponha em refolhos falhos
 – o ecoo da perdida contraluz abomina

os do horizonte caçados se lobo o espécime
o ser estrangido na cabeça das nuvens
se bobo o ser sereno se a calma –  das forjas

advém da visão o abismo o mar votivo sublime
decair das alturas em terra firme e nua
cujo manto o último sentido escorja


(oswaldo martins)

moção

para meus pais

toda palavra é possível em nós,
toda marinha do desassossego
as tormentas todas do mar e após
a ânsia, o perigo, o céu espesso;

toda palavra é possível no cais
do desembarque, onde nossas rugas
se rasgam pelas ruas sem que jamais
os passos indiquem calor e fuga

por isso busco o que buscam os homens –
porto nenhum de chegada – partida
circular em torno de um mesmo cais,

de um mesmo assombro; sobre os armazéns
sombra sombras nossas sombras fatídicas
do que queríamos e não somos mais.

(do lucidez do oco - oswaldo martins)

Os livros de 2017

Livros de prosa que mais me agradaram no ano de 2017

1 – Machado – Silviano Santiago
2 – A aranha negra – Jeremias Gothelf
3 – Pulso – Julian Barnes
4 – Urubus em círculos cada vez mais próximos – César Cardoso
5 – Um chão de Presas fáceis – Fernando Fiorese
6 – Contos – O. Henry
7 – A noite da espera – Milton Hatoum
8 – Os contos de Kolimá 1, 2 e 3 – Varlam Chalámov
9 – A gata, um Homem e duas Mulheres – Jun’ichiro Tanizaki
10 – O fogo – Henri Barbuse
11 – No seu Pescoço – Chimamanda Ngozi Adichie

 Livros de poesia que mais me agradaram no ano de 2017

1 – Trapaça – Marcelo Labes
2 – Despreparação para a morte – Roberto Bozzetti
3 – Poemas – Wislawa Szymborska
4 – I – Alexandre Faria
5 – Égloga da maçã – Affonso Ávilla
6 – Muimbu – André Capilé


Livros de teoria e crítica que mais me agradaram no ano de 2017

1 – Melancolia. Literatura – Luiz Costa Lima
2 – Genealogia da ferocidade – Silviano Santiago
3 – Diante da Imagem – Georges Didi-Huberman
4 – Heidgger e seu século Tempo do ser Tempo de História – Jeffrey Andrew Barash
5 - Mímesis e arredores - Luiz Costa Lima

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Carta aberta a Aldir Blanc

Prezado Aldir Blanc,

Escrevemos-lhe essa carta pública como manifestação do mais profundo respeito e da maior admiração que nutrimos por sua criação. Uma admiração que nasceu desde a primeira vez que ouvimos a sua letra de “O bêbado e a equilibrista”, na interpretação da saudosa e insubstituível voz. Mas por esse motivo já podíamos ter nos manifestado, publicamente, há muitos anos. Se só o fazemos hoje, é por um torpe motivo que mobiliza e inquieta nosso espírito cidadão.
Escrevemos para esclarecer que hoje, 06 de dezembro de 2017, a equilibrista caiu da corda bamba. Quem somos nós para trazer a público a obviedade dos tempos tétricos em que vivemos? Quem somos nós para alertar-lhe sobre a sistemática usurpação de direitos a que estamos sendo submetidos? Como poderá essa canhestra missiva tocar o ourives do palavreado? Falar de usurpação de direitos com Aldir Blanc é chover no molhado. Antes dos direitos trabalhistas, já lá se tinham ido os direitos autorais no Brasil, não é mesmo?

Mas é que dizem por aí as más línguas, paranoicas da conspiração, que em breve perderemos o direito de ir e vir, de expressar o pensamento e de cantar. Dizem que os chupões das manchas torturadas estão voltando flores de carne viva. Imagino até que esse papo deve te encher o saco, pois pra quem sabe que, há uma porrada de tempo, as rubras cascatas jorram das costas dos santos, nada de novo no front. Chutes na santinha e atentados terroristas nos terreiros são a repetição da história e das mentalidades que tuas canções deixam bem mapeadas.

Não somos dessas Marias vão com as outras, fica frio. Sem lenha na fogueira. Mas queríamos te assegurar que nunca é na pele que a tortura começa. É na língua. No apagamento dos sentidos e na transformação dos significados também se embarca na judiaria. Fiquemos atentos, que logo logo “Pra não dizer que não falei das flores” vira jingle de campanha de alistamento militar (lengalenga do padre Zezinho já virou faz tempo). Mas hoje quem caiu foi a nossa equilibrista. Dizemos nossa, porque gostaríamos mesmo de acreditar que tuas letras – essa em especial – fossem patrimônio público do povo brasileiro. E se fossem domínio público, que a canalha as usasse para nomear qualquer tipo de sordidez, ou mesmo que polícia federal designasse com um brinco de esmeralda verbal da tua lavra uma operação que se esmera em apagar a memória da anistia política.

E é este o motivo dessa carta. Ela, a equilibrista, não é nossa. Nem acreditamos – faça-nos crer que estamos certos – que o senhor tenha cedido os direitos para o uso da letra. Trata-se de sua propriedade. E essa é uma palavra que a lei entende muito bem no jogo neoliberal da usura e da escravização de corpos e mentes. Exija seus direitos e quem sabe isso nos facilitará lutar pelos nossos.

Desculpe-nos apenas por um motivo. Não estamos bêbados o suficiente para fazer irreverências para essa nova noite. Se é na língua que começa a tortura, nossa carne já dói. Mas se você enfrenta essa parada e recoloca a mocinha na corda bamba, prometemos, tomaremos um porre e continuaremos o show.


Alexandre Faria e Oswaldo Martins
TextoTerritório
Lugar para criação de textos; textos para criação de lugares.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

baudelairiana

vestida de negro infausta e tenebrosa ela passa com a bunda de fora balançando a carne da miséria chamam-lhe vaca pelas ruas das putas apupam, arrastam, beliscam e sobretudo com os instrumentos da tortura arrancam-lhe as unhas dos dedos com dermite

como desculpa dizem apenas era uma maria elvira qualquer a pequena nordestina que a nós todos expunha como os republicanos de merda que somos


(oswaldo martins)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

como um soneto escuso

a câmera escura destrói sorrisos de gioconda com a pata direita rompe telas e os olhos que a viam tornam se pasmos o tempo escuso o papo é reto falta-lhe o jocoso pano de fundo por modificar os olhos vazados dos recegados vampiros do paraíso em atonia imagem inversa fotografia dos palácios domínio que ecoa na memória súdita das marinhas mercantes deste conde de olivares o cabeça d’alfinete a chamar de volta a velha rainha de copas e o jaguadarte



(oswaldo martins)

domingo, 15 de outubro de 2017

um, dois

para o felipe david rodrigues

1
a seguir, o bom caminho

estação de trem. plataforma vazia.
o trem passa. não para.
estação de trem. plataforma vazia.
câmara acompanha uma pessoa de costas. caminha em direção aos trilhos.
estação de trem. plataforma vazia.
trilhos. pessoa de costas deitada sobre os trilhos.
uma faixa canhestra cobre esta pessoa.
a câmara se aproxima da faixa. há palavras escritas, impossível lê-las.
o trem nunca vem.

2
prefere-se a imagem desalinhada de si mesmo

multidão. o trem não passa. estação abandonada.
ratos estão correndo nos trilhos
uma pessoa alinhada se desalinha. começa pelo cabelo.
multidão apressada olha para traz.
cada um inicia a arrumar os cabelos.
sobrepõem-se na tela pentelhos de homens e mulheres.

por fim pessoa desalinhada (a mesma) mostra o cabelo do sovaco.

(oswaldo martins)

no ralo

1

como ele não lhe pagava
os jantares do restaurante
fechou-lhe a porta e as coxas

ele foi pra rua
onde pelo corpo
e pelo o amor
pouco se paga


2

afeiçoara-se às putas
não lhe cobravam o amor
bastavam umas cervejas
que às vezes elas também traziam
  

3

tenta apagar da memória
os corpos em movimento
a fazer amor
como ela gostava de dizer
ou a foder como às vezes lhe pedia

elesbão pinto ribeiro

13/10/17

terça-feira, 3 de outubro de 2017

desimitação de aretino

abrandai-vos, dona, o coração funesto
que um valor mais alto
de caralho e cona feito
há de levantar-te a sisudez
além, é claro, que a saia


abrandai-vos, dona, os maus lençóis
e deitai na pérsia sibéria
em marte ou inglaterra
em convite franco e desabusado
gesto para a foda
que depois se vai

abrandai-vos, senhora, a pena
de um teso corpo
com a lânguida língua
de entortar caveiras
e expulsar a quem soeiro
a vossa cona inveja


(oswaldo martins)

Décimo primeiro do I MODI

Para provar tão célebre caralho,
Que me derruba as orlas já da cona,
Quisera transformar-me toda em cona,
Mas queria que fosses só caralho.

Se eu fosse toda cona e tu caralho,
Saciaria de vez a minha cona,
E tiraria tu também da cona
Todo prazer que ali busque o caralho.

Mas não podendo eu ser somente cona,
Nem inteiro fazeres-te caralho,
Recebe o bem querer da minha cona.

E vós tomai, do não assaz caralho,
O ânimo pronto; baixai a vossa cona,
Enquanto enfio fundo o meu caralho.

Depois, sobre o caralho
Abandonai-vos toda com a cona,
Que caralho eu serei, vós sereis cona.


(Pietro Aretino)

terça-feira, 12 de setembro de 2017

desimitação de roberto bozzetti

quando morto eu for
morta dor sem remédio
de estar vivo

não esqueçam vossas mercês
de rir um pouco mais
do que se vai corpo

não chamem pela alma
que não há

tomem o que fica apenas
pulsando entre o riso
franco das histórias
e o nada

quanto ao bolor anjosiano
o fedor indelével
incinerem

ou joguem por cima
a terra

que o morto mais –
não há


(oswaldo martins)

domingo, 3 de setembro de 2017

O velho novo Francisco

Caravanas é um disco de muitas entradas, mantém a qualidade poética das músicas, uma constante na obra do compositor, e ainda acrescenta uma raiva contida, medida, como no melhor da poesia contemporânea. Da belíssima Tua cantiga, que abre o álbum, a Caravanas, que o fecha, incluindo as duas regravações, a obra é um presente à sensibilidade embutida desses tempos bicudos.

O compositor convida a sorrir por dentro, chama atenção para aquele psiu, pontua que o poeta – a figura arquetípica do poeta – hoje tem outra beatriz a cantar que não a da literatura tradicional, reinventa a idade e duela com a juventude no que ela tem de mais belo ao mandar às favas astros, sinopses e o escambau, sugere o encanto de la casualidad e a altura dos vagabundos de picas enormes e sacos de granadas.

O vasto repertório bate na surdez que vitima os que, virtuosos e ordeiros, sentem o pejo da nudez agressiva dos torsos nus, os que não largam mulher e filhos – e, por óbvio, suas babás – para as passeatas copacabanas e jardins (de Alá).

Ao apontar para a necessidade de se manter fiel à canção, aponta para a percepção nítida de que são outros os tempos da canção, permitindo que o ouvido atento, por sua vez, por sua voz, perceba a síntese – ou o sincopado – da melhor obra publicada nesses últimos anos.

(oswaldo martins)

IN LIMINE



Folga se o vento sopra no pomar e o
faz tremer na ondulação da vida;
aqui se afunda um morto
urdume de memórias,
que horto já não é, mas relicário.

Não é um vôo este adejar ao sol
e sim a comoção do eterno seio;
vê como se transforma um pobre veio
de terra solitário num crisol.

Ímpeto desta parte do árduo muro.
Se avanças, tens contatos
(tu talvez) com o fantasma que te salva;
aqui vão-se compondo histórias, atos
riscados pelo jogo do futuro.

Procura a malha rota nesta rede
que nos estreita, e pula fora, escapa!
Vai, por ti faço votos — minha sede
será leve, a ferrugem menos áspera.

(Tradução: Ivo Barroso)



IN LIMINE

Godi se il vento ch'entra nel pomario
vi rimena l'ondata della vita:
qui dove affonda un morto
viluppo di memorie,
orto non era, ma reliquiario.

Il frullo che tu senti non è un volo,
ma il commuoversi dell'eterno grembo;
vedi che si trasforma questo lembo
di terra solitario in un crogiuolo.

Un rovello è di qua dall'erto muro.
Se procedi t'imbatti
tu forse nel fantasma che ti salva:
si compongono qui le storie, gli atti
scancellati pel giuoco del futuro.

Cerca una maglia rotta nella rete
che ci stringe, tu balza fuori, fuggi!
Va, per te l'ho pregato,— ora la sete
mi sarà lieve, meno acre la ruggine…

(Eugenio Montale)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

desimitação de duque estrada

no
hino à república dos bananas

a boca encaixa um suga suga
que mais lembra um uga uga

quem sabe até o funga funga
os velhos monos tunga tunga


(oswaldo martins)

desimitação de sêneca ou prolegômenos de hipócrates

gaia por nascer

breve espaço em longa e curta
duração põe de quatro a palavra
para um coito um sei lá não sei
da louca possessão que se fora

a zumbir no voejo do traçante
ao meia nove no entorno caos
e a batida funk


(oswaldo martins)

terça-feira, 22 de agosto de 2017

amor

te penduro um paletó de esterco, amor,
para que em ti possam brotar as pegas

a acidez das venturas que sabem a trago
e cigarros baratos o azedo do vômito

nas sarjetas a gritarem os orgasmos
das orgíacas mulheres mancas

para me arrastares perdido na rua
aos abismos indecifráveis da lama

longe dos colchões, dos pratos dos covardes,
um puto dos retalhos, de amor vestido


(oswaldo martins)

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A uma mulher amada

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,

um frêmito me abala... eu quase morro ... eu tremo.

(Safo)

terça-feira, 15 de agosto de 2017

escultura





Gloria

escultura


para glória

das modelações sempiternas
destes dedos sobre o barro
abrem-se gargantas
sob o seco som

os olhos cegos revelados
foi da mão o espanto
a tecer os dilemas
da utopia

o silvo solitário deste uivo
meio homem meio loba
crava no corpo
curvas exatas

da beleza

(oswaldo martins)


pilulnha

pilulinha sobre o poema o pacifista 4, de elesbão ribeiro

o pacifista 4

comprava marreta
para quebrar arcos de ferro
que prefeito mandara instalar
em bancos de praça
para não deitarem
não dormirem os sem teto

viu mais adiante aos fundos da loja
serra elétrica com bateria
sem vandalismo pensou
comprou a serra

elesbão pinto ribeiro

13/08/17

O poema de Elesbão se equilibra a partir do emprego dos verbos no passado, que criam a beleza dos versos substantivos. O pretérito imperfeito, com que o abre, coaduna-se ao império das ações provocadas pelos prefeitos destes nossos tristes trópicos, no verbo usado no mais que perfeito, motivador de um passado mais pretérito que o imperfeito da abertura e, por assim dizer, mais contínuo, que o perfeito dos dois últimos versos, propondo a ação final.
Perceba-se: provocado pela ordem cruenta dos nossos dirigentes que mandam instalar nos bancos das praças pequenas peças de ferro, para impedir que neles os despossuídos da civilização deitassem, a voz do poema – que se quer anônima – age pacificamente, indo comprar a uma loja um objeto que lhe permitisse a revolta da desobediência. Intencionava uma marreta. Acaba por decidir-se pela serra elétrica.
A cena banal transmuda-se em poema pelo uso dos verbos que, didaticamente, emprestam ao leitor a síntese do tempo protofacista no qual o país mergulha. Em troca do sopão dos pobres, a pacífica revolta das armas possíveis.


(oswaldo martins) 

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Memórias sentimentais de um leitor randômico 3

1

Um pouco da leitura de Heidegger, através de Barasch. O inautêntico como espanto aético. Hanna Arendt, a voz da minoria.

2

Fiorese e o impressionante documentário literário do chão de presas fáceis – um belo livro.

3

Irritações críticas de sempre: Quintana, Bilac, Carlito. Ódio profundo ao lugar comum disfarçado de novidade.

4

Paulo Henriques Britto – poeta de minha predileção atual.

5

Elesbão Ribeiro, na medida certa.

6

Pesar e mais pesar. Elvira Vigna – a triste tristeza de não sabê-la ao lado, com a feroz voz crítica de sempre.

7

Uma das besteiras maiores que li ultimamente: Simpatia pelo demônio. Aquém e muito do que pode o demônio. Frágil narrativa, triste contemporaneidade.

8

Machado. Silviano. Belezas múltiplas da narrativa.

9

Máxima do escrever: caso digam bonito, bonitinho o que se faz, jogue fora; nenhuma poesia, nenhum romance merece uma apreciação desta. Bonito, bonitinho é o caralho! Prefiro o silêncio. Todo escritor tem de resistir na linguagem a qualquer possibilidade de ser aceito. Recusa à mínima possibilidade de ser adotado pelo lugar comum. Há coisa mais triste que os valeu a pena se a alma não é pequena? Que os e agora, José? Ou o de tudo ao meu amor? O poeta – principalmente – tem de saber resistir para além de sua época. Leiam Oswald, leiam Trakl, leiam Celan ou Höerdelin, para entenderem o que digo. Se conseguirem reduzi-los a uma máxima – o que duvido – me avisem para defrenestá-los pela janela de meu ódio.

10

O eu não te amo de uma puta vale mais que o eu te amo de um poeta.



(oswaldo martins)

sábado, 15 de julho de 2017

astúcia do dizer

entre a porta e as escaras
poste de pequenos tálamos
se desequilibra

a arte enquanto soam acordes
se cumpre no afogamento
dos naufrágios

o intervalo de um barco
um lastro de copo
lacra o poema

no intento de querer
e jamais poder convir
como o barco

a astúcia do dizer


(oswaldo martins)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

poema pânico

1
risca sobre as vagas a linha
mal medida do que lavra
o desacerto

2
pulsa dança ainda corrói
a morte quando eros cria
travesso

3
estala o tubo da cervical
se escorre líquido bebê-lo
até o talo

4
ah, thanatos, velha puta,
entuba nênia do caralho
o riso farto

5
furta o raio franco da vida
e manda a que a pariu
à morte


(oswaldo martins)

domingo, 2 de julho de 2017

2

júlio pomar

descem em torno essas solidões
o quadro dos cegos em madrid
o almoço dos trolhas

debicam almofadas nas calçadas
os pobres que dormem a hora
o vulto dos polícias

dedica-se ao maltrato do assombro
os encapuzados de todo instante
cumprem ordens os sacanas

derivam da toga sutis dos magistrados
as ordens que despacham
nos bordéis em que atuam


(oswaldo martins)

terça-feira, 27 de junho de 2017

1

o aniquilamento

nas ações sobre o acaso dos dementes
resta a estultice dos nefastos
julgamentos

quando dispõem das vozes os astutos
se deuses fossem os que julgam
rompem-se naufrágios

a pimenta do reino curte nos amavios
que se faz água e insossa voz
dos arautos penosos

como patos bem vindos servem com ares
de grão-senhores o vestuário
sem freios da vendeta                             

(oswaldo martins)

terça-feira, 20 de junho de 2017

memórias sentimentais de um leitor randômico 2

1

Sempre gostei de ler autores que nunca li e alguns a que volto continuamente. Dentre estes últimos está o Sergio Sant’Anna, autor de grande capacidade crítica e percepção da vida, talvez seja hoje nosso principal autor vivo, o que não é pouco. Seu último livro, O Conto Zero, determina uma ordem de leitura que permite o leitor passear por pelo menos cinquenta anos de literatura.

2

A dura escrita de Cesar Cardoso disfarça-se de humor, mas é rascante e ferina, como o rasante de uma ave rapinante. Seus Urubus – procure, leitor desatento, saber deles – abrem voos sobre a fabricação da vida, abrem voos sobre as feridas expostas do nosso cotidiano. Assim como Sérgio, Cesar nos faz passear pelos milênios da boa literatura, sem conceder uma mínima brecha que seja ao sossego burguês de todos nós. Mas o que mais me delicia nos livros dele, e nesse, em particular, é a presença da prosa poética que atinge os limites da perfeição.

3

Não gosto da literatura umbigo. Não gosto da literatura como verdade – lembra-me o coitado do Alvarez de Azevedo que queria nos dizer a verdade, toda a verdade. Não gosto da poesia sentimental. Não gosto da literatura que põe a emoção antes da palavra, a palavra antes da sintaxe, da sintaxe como torneio para o nada dizer. Por isso não gosto de Bilac, nem de Quintana. E não tolero o tolo Casimiro e duvido muito, mas muito mesmo, de quase todo o século XIX brasileiro. Quem nos salva o século é Machado, é Souzandrade e talvez a putaria explícita do único Guimarães possível, o Bernardo.

4

Cruz e Souza tinha pretensão demais, acabou poeta católico.

5

Cuidado, Adélia!


(oswaldo martins)

CLASSIFICADOS 1 – CONTENTAMENTO

Para Gabriela Amaral

É um bom emprego. Trabalhar com água é muito agradável, melhor do que com gente.
Primeiro tampo a pia, depois abro a torneira e deixo encher. Quando a pia está cheia, pego o conta-gotas e faço a sucção. Daí é só sair da casa, atravessar a ruazinha de terra e já estou na praia. Vou até o mar e esvazio o conta-gotas. Depois volto e repito a operação até esvaziar a pia. Então é só encher de novo e recomeçar.
Tem alguma coisa a ver com as marés, mas eu ainda não entendi muito bem. O importante é que eles estão contentes com o meu trabalho.


(Cesar Cardoso – Urubus em círculos cada vez mais próximos – editora oito e meio)

domingo, 18 de junho de 2017

rescaldo

cigarros no cinzeiro fazem-se quimeras vãs
quietos falam de coisas sob nossas cabeças
murchos e amassados pendem e fingem-se
desapercebidos da vida que queima os rins

o fósforo brilhará nas lixeiras ou nas covas
a que é destinado o corpo dos desprezíveis
acessos de tosse daqueles que por ventura
estarão ali ao lado - prontos para o consolo

a mão na bunda das boas senhoras vetustas
que à sopa dos arranjos sociais se percebem
vivas e caminham solícitas à amizade proba
dos velhos que de esguelha olham de banda

para sentirem na medida a exatidão a oferta
do ombro amigo e o cálculo da lágrima caída
no prato sujo de cinzas que se deixou findar
à espera da mão dos dias para os porem fora


(oswaldo martins) 

quinta-feira, 15 de junho de 2017

de braços dados


a minha amiga anda a esquecer
nem sempre se  lembra
é compreensível estamos velhos
vamos esquecendo aos poucos

levei-a hoje à feira-livre
que há na rua em que mora
compramos jabuticabas e as uvas que ela gosta
recusei-lhe goiabas por não poder comer

quase se aborreceu comigo
por hesitar comprar uma posta do peixe que ela queria

amanhã
é mais certo depois de amanhã

hei de levar a minha amiga a passear
em lugares por onde andamos
e de que ainda possa se lembrar

elesbão ribeiro

14/06/17

quarta-feira, 14 de junho de 2017

El Sacrificio


Y estas ganas de matar
no a un ser vivo, oh no, no, no
jamás a un ser inocente…
Yo quiero matar,
sacrificar a un dios,
ese que no sabe nada de la vida ni del amor,
y volverme hacia mis criaturas
con las manos y la boca bañadas de sangre
para poderles decir:

“Amores míos, os he vengado”

Papá, mamá:


Qué solos estamos
sin nuestra Mili, sin nuestro Argán
tratando de armar con el cansancio,
con la rutina,
algo parecido a la felicidad,
como quien prepara un plato de comida
con las sobras de un festín.

(Malena de Mili)

segunda-feira, 12 de junho de 2017

fora da margem do naufrágio

1

o silêncio queda  
na espessura da borda

os acessos de tosse
dos moradores de rua

tangem gados
de cabeça alta

2

nos colchões rasos
um piolho canta

o mundo incômodo
em vigília

guarda objetos
próximos ao cosmo

3

verruma um pedaço
de pau um dente de
alho podre um prego
de metatarsos pegos
o espeto das garrafas
bebidas o para além
do corte da sedação


4

depois faz as trouxas das salivas
e se põe fora como um engolidor
de lua



(oswaldo martins)

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Memórias sentimentais de um leitor randômico

1

Jorge Amado, no A descoberta da América pelos turcos, vai, nas primeiras páginas da novela, classificar as bocetas. A classificação que mais chamou minha atenção – até porque a personagem principal é detentora de uma – foi a boceta de chupeta. O desgraçado me fez até hoje buscar por essa boceta – néctar dos deuses.

2

Foi no Emissário do Diabo, de Gilvan Lemos, que li pela primeira vez a proximidade de Deus com o sexo. Não com o sexo etéreo dos anjos, mas o sexo carnal, lambuzado e sofrido, como uma consciência pesada. Desde então tenho procurado desafiar as alturas do divino.

3

Li – não sei mais onde – uma entrevista, decerto – um autor alemão dissertar sobre a questão da leitura, ou melhor, do gosto pela leitura. Dizia o tedesco que fez seus filhos se apaixonarem por livros, deixando no banheiro alguma obra libertina, como se fosse um esquecimento. Apliquei o método com meus filhos. Acho que deu certo. Por isto, agradeço ao Decamerão, ao grande poeta português Bocage e ao velho Aretino. Entretanto, agradeço à boa literatura que Henry Miller nos deixou, certo gosto por obras ousadas e pelas nomeações claras dos desejos.

4

Mais que por Bukowski, encantei pela nudez de Ornella Mutti que contracena com Bem Gazarra, no filme de Marco Ferreri, Crônica de um amor louco. Depois que li o americano, continuo preferindo o filme.

5

José de Alencar é bom para fazer chorar, de raiva.

6

O livro de contos do Carlos Drummond. Como contista, o poeta mineiro é tão ruim como o Machado poeta, com aquelas baboseiras sobre a Carolina. Romântico e babão.

7

Junikiro Tanizaki tem um livro que me encanta mais que os outros escritos por ele. Elogio da sombra. Entre as diversas narrativas e descrições preciosas que nos dá, diverte-me imaginar que os haicais tenham sido escritos enquanto os poetas, fazendo uso dos belos banheiros da tradição japonesa, se demoravam a ouvir o barulho do riacho que lhes levava as fezes e permitia a permanência das sensações. Depois disso achei os do Leminski, poeta curitibano meio bobos.

8

Agrada-me menos a voz possante do velho deus da Bíblia. Mais a voz mansa de Safo e dos amores ilícitos. Salvo os cânticos de sacanagem de Salomão.

(oswaldo martins)

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Píndaro

A sorte dos mortais
cresce num só momento;
e um só momento basta
para lançar por terra,
quando o cruel destino
a venha sacudir.

Efêmeros! Que somos?
Que não somos? O homem
é o sonho de uma sombra.
Mas quando os deuses lançam
sobe ele a sua luz,
claro esplendor o envolve
e doce é então a vida.  

sábado, 3 de junho de 2017

seu domingos


1

o santo toca
pelos baixos

na voz pausada
como um doce

de cosme e damião

2

se de oitiva
são os baixos

perpétuos agudos
grudados

na alma brasileira

3

que de gritos
baixos

ressoam sobre
os homens

a terra nua

4

em garanhuns
gadanha

a cintura baixa
e fina

das moças italianas

5

os baixos
da sanfona nordestina

na voz rouca
da pinga, de paraty

na voz rouca
da farinha, de suruí

na voz rouca
do fumo, de baependi

um que os pariu
pros conde d’eu

de agora


(oswaldo martins)

mais-valia


1

na esquina de uma rua vizinha aquela em que moro
há um rapaz a assar frangos inteiros
e aos pedaços
numa churrasqueira
ela deve ter um metro e vinte
está na calçada
exposta à poeira que os carros e ônibus levantam
perguntei-me ao ver o rapaz sobrecarregado de peças ainda cruas
se ele chegaria em casa com a féria inteira
do dia
ou se apenas com uma pequena parte(salário) que lhe dará o patrão
que há de estar à espera dos lucros
que lhe darão outros rapazes
de outras esquinas


2

num bairro mais distante
mais perto do centro da cidade
dos dois lados da linha férrea
em vias de muito movimento há muitos lava-jatos
por cinco reais
grupos de pessoas a acenar ao modo das meretrizes
são adultos e jovens e adolescentes-meninas e crianças

também ali me pergunto se o grupo leva pra casa
ao final do dia
os cento e cinquenta reais dos trinta carros lavados
ou se terão direito só a trinta moedas

uma moeda
por cada carro lavado


elesbão ribeiro

28/05/2017

quarta-feira, 24 de maio de 2017

república

destroços de madeira flutuam no copo
de vinho dos recém-paridos burgueses

pedaços de plástico decompõem luzes
na alabastrina violência de um escopo

cães farejam os fundilhos dos ai jesus
ai madames colhidas em travesseiros

pomadas e parábolas tomates frescos
a fita laçarote da cena por onde o pus

jorra uma rainha da inglaterra por dia


(oswaldo martins) 

desimitação de caetano veloso

a borboleta fora

o chiang-li
de um pato
ou um vaso
de olho xadrez

a borboleta, eita!

seria a luz
a boceta que pentelha


(oswaldo marttins)

sexta-feira, 12 de maio de 2017

desimitação do senhor poeta alberto de oliveira

para o cláudio leitão

um vasinho chinês
um vasinho grego

ora, ora

um mimo
uma copa

ou não seria antes
uma bosta?


(oswaldo martins)

terça-feira, 9 de maio de 2017

SE VOCÊ LIMPA SUA CASA TODOS OS DIAS

Sabe o que é sobreviver ao oblíquo.

O que cabe numa pá,
o que num trapo não escapa
não se pode considerar lixo
nas interações trituradas com cantos
de madeira, história mal contada
nos nós em que você passa óleo
de móveis, flanela, a insistência
em proteger do ruído.

A diagonal dessa escada, você
conhece bem. E seus amigos,
quando visitam, não veem um pingo
de cola respingada que ficou sem raspar
ali onde o sol mistura sua narrativa
de desapontamento.

Você conhece bem o ritualismo
quase ingrato em que reside
sua casa, aonde cada objeto se esvai,
e é por isso, é por isso.

(Lúcia Leão)

sábado, 6 de maio de 2017

aula

o resto sobra perseverante
como um estalo da memória

o dendrobata é uma lição
de cultura mais ágil

que o desenho de um sapo
na verossímil imagem de sapaim

a soprar o caldo verde
do naturalista


(oswaldo martins)

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Sobre JULIETA, de Almodóvar (2016)

Protagonista de nome shakespeareano, professora de literatura clássica, a Julieta de Almodóvar vive fado vertente de viagem de trem e mortes - de um viajante suicida e do pescador e amante. Mortes trágicas, sem mais. Provém, se mais houver, alguma coisa de relatos de língua inglesa da autoria de Alice Munro, contista canadense e Nobel de Literatura em 2013.

Disse o diretor a Elsa Fernández-Santos (El País, Brasil, 19mar2016) que restou dos relato de Munro aquilo que se dá no trem.

O que há de mais é a própria fatalidade de defrontar-se num trem com um suicida desconhecido e de se ligar no mesmo trem a um pescador que morrerá numa tormenta marinha, assim que sua infidelidade é desnudada por Julieta. 

O desencontro da filha, a trama da governanta e a existência de Ava, amante do pescador, são dados sobre as mulheres que compõem a rede. A governanta e Ava afastam Julieta da filha, direta e indiretamente. 

Julieta madura, que escreve uma carta a sua única filha cujo endereço desconhece, permite a nós, plateia, sabermos de toda a estória filmada.

Julieta madura recusa-se a ir viver em Portugal com o namorado escritor que, ao fim, ao contrário do drama com Romeu, salva-a da morte e da solidão.

Julieta jovem é abatida pela morte do pescador e pelo distanciamento da filha. Ava perde o amante pescador e aparece abatida pelo desfecho trágico.
A governanta arquiteta a trama que separa, como um fado, mãe de filha, mas é abatida pela morte do pescador a quem se dedicava.

Morrem dois homens - um na viagem de trem, outro em viagem de barco em tempestade. Abatem-se a dedicada governanta, a pesquisadora clássica e a escultora Ava, que morre dessa tristeza. Ninguém chora, porque não há condições para lágrimas, restando o abatimento das personagens femininas restantes como pretendia Almodóvar no mais seco de seus dramas, segundo Elsa Fernández-Santos na fonte citada.

Uma estrada e um horizonte na cordilheira dos Pireneus suavizam toda a aridez.

Cláudio Correia Leitão

quarta-feira, 3 de maio de 2017

uma breve explicação do poema

Lúcia,

O desimitação histórica pra boi dormir faz parte do novo livro que estou escrevendo, que vai se chamar desimitações. Portanto faz parte de um projeto mais amplo. O livro se projeta como um movimento de releitura poética da tradição literária não só nacional. A seleção de poetas/poemas se estende desde Gregório a Carlito. De uns, gosto; de outros, nem um pouco. Esse é da série que é em parte homenagem em parte crítica malévola.

Tento com este poema traçar um perfil de poetas de que gosto seja pela escolha temática seja pelas opções formais. O p é poesia, portanto, p 1 poesia 1; p 2 poesia 2, p 3 poesia 3 e assim por diante.

Em p 1 as referências são os poetas de 22 ou que movem a sua tradição (bandeira explícito, nélson cavaquinho (ver a indiferenciação entre o compositor e o poeta). cabral (tecendo a manhã) e gullar (entre o ser e não ser da poesia) as referências se ligam ao não jorrar das emoções, que se ligam controversamente à matéria bruta. Deixo o bem amado oswald para as piadas, que se abrem no movimento dois para descontruir o algo meio contraverso do p 1.

Em p 2 a mirada foi a descontrução de oswald. A piada do carro e sua ligação com são paulo-dória o apagador dos traços memorialísticos das vanguardas paulistas (grafite e pichação), que fazem link com o nelson cavaquinho do poema 1. A piada como valor crítico.

Em p 3 murilo e drummond são os poetas citados (bandeira passa de leve no decúbito dorsal do tragédia brasileira) murilo na idade do serrote fala de uma paixão por uma mar de espanhola que transforma na prostituta drummondiana nos versos seguintes (o link com bandeira entra aqui) e desvia para a modernidade das luas e conhaques que botam a gente comovido como o diabo, invertendo o sentido de que são os conhaques que se comovem. Matéria bruta e o não jorrar de emoções.

Em p 4 a crítica malévola com os do mimeógrafo e sua curadora heloisa. Crítica que é pertinente se dela salvamos o paradoxo inicial não jorrar/matéria bruta, porque, após a venda dos carros bebedores, cai-se no extremo oposto da má poesia praticada pelos yuppies dos anos 90/2000, que é tema do último poema e a quem sinceramente penso em mandar à puta que os pariu.

Não sei se o leitor vai penetrar em todas as referências, mas a construção malévola pode dar o tom de que necessito no grupo de poemas do desimitação e por si só criar a impressão de que há alguma coisa da poética da resistência ao midiático, lugar específico no qual o poético deve se dar.


(oswaldo martins)

desimitação histórica pra boi dormir

para o andré capilé

p 1

do rudimentar trabalho
noitadas no belvedere da matéria bruta
uma pinga pernada a vagar
como bandeira do verso exato
simples como um cavaquinho tecendo
as manhãs onde explode um galo
ou o gato que não há onde havia
um não jorrar de emoções
controversas

p 2

se juntar um s ao p antes do 2
não seria um carro
esquecido na memória
da cidade escarnecida
pelo cruento e sem traços
apagar de sua história

p 3

te guiaram para fora da cidade
dançavam
as bailarinas mar-de-espanholas
dubitavam em decúbito dorsal
mancavam as coxas
e as marcas da varicela
comoviam até os conhaques
mais vagabundos

p 4

o poema como piada
uma piada que nos bastou
para encher o tanque
em 1970 e tal
quando a gasolina
se racionou
e os papais venderam
marvericks e landaus

p 5

depois mandaram a puta que o pariu
a piada e se tornaram poetas
do neoparnaso brasileiro


(oswaldo martins)

quinta-feira, 20 de abril de 2017

a arte em movimento

para ronald iskin

calder

os móbiles
colhem exercícios leves
desde o teto

decaem sobre nós
jacentes buganvilas
a não explicarem

para onde vai o grito
a secura na garganta
e essa dor de espasmos

que vivenciam o peito
dos amigos jogados
ao golpe do destino


miró

a curva solta no espaço
retesa o arco e se move
intacta no desmovimento

as palavras-trava ganem
arcabouços bem estudados
ali uma ave (que não é)

alhures o bico a pata
todos os retalhos
colhidos de nosso desastre


palatnik

se antes as caldeiras
a mirada mímesis

tudo explode cinética
e pur si muove

mesmo que exijam
a lenta barbárie

o artista age
nesta arte

(oswaldo martins)

sábado, 15 de abril de 2017

poema didático em dois movimentos

1

em anticanto
e proibido aos ouvidos
da dileta freguesia

todo poema teria voz
e resistência aos salões

como o samba
de nélson cavaquinho

2

porque balança o rabo
a maviosa freguesia

tem o poema
que decepar a cabeça

chupar o sangue
e nunca deixar

o mínimo traço
para a recitação
do distinto público


(oswaldo martins)