Globo cala jornalista
Por Eliakim Araújo
Vou usar este espaço hoje, para solidarizar-me com Luiz
Carlos Azenha, um correto e honesto jornalista,
que edita um dos mais respeitados blogs da mídia alternativa brasileira,
o Viomundo.
Azenha, que deixou a Globo em 2006, “enojado” com a
parcialidade da emissora na cobertura da campanha eleitoral daquele ano, vinha
incomodando os poderosos da antiga emissora, porque sabia demais.
Foi testemunha ocular e auditiva de um sem número de manobras
praticadas no submundo do jornalismo global, cujo feitor era (e continua sendo)
Ali Kamel, o homem encarregado pela família Marinho de reescrever a história
recente do Brasil a partir da ótica do Jardim Botânico, numa operação destinada
a limpar o passado comprometido da emissora com a ditadura militar.
Azenha - que não recebe um tostão dos anunciantes que fazem
a fortuna da grande mídia - foi penalizado pela Justiça que o condenou a pagar
R$ 30 mil ao subserviente Ali Kamel. Na
última sexta-feira, Azenha anunciou o fechamento de seu blog, por falta de
condições financeiras de brigar contra o poder da Globo.
Azenha jogou a toalha, mas estou certo de que seu exemplo de
determinação e coragem vai germinar e fortalecer a luta pela democratização dos
meios de comunicação no Brasil. Leia
aqui a nota em que Azenha explica as razões que o levam a desistir do Viomundo.
Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar
imprensa alternativa
por Luiz Carlos Azenha
Meu advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir
especificidades sobre a sentença da Justiça carioca que me condenou a pagar 30
mil reais ao diretor de Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente
por mover contra ele uma “campanha difamatória” em 28 posts do Viomundo, todos
ligados a críticas políticas que fiz a Kamel em circunstâncias diretamente
relacionadas à campanha presidencial de 2006, quando eu era repórter da Globo.
Lembro: eu não era um qualquer, na Globo, então. Era
recém-chegado de ser correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter
destacado para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de
2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor de economia do
Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido determinado desde o Rio que
as reportagens de economia deveriam ser “esquecidas”– tirar o pé, foi a frase —
porque supostamente poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão,
reclamando que a cobertura da emissora nas eleições presidenciais não era
imparcial.
Um importante repórter da emissora ligava para o então
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia
entregar a eleição para o tucano Geraldo Alckmin. Ouvi o telefonema. Mais
tarde, instado pelo próprio ministro, confirmei o que era também minha
impressão.
Pessoalmente, tive uma reportagem potencialmente danosa para
o então candidato a governador de São Paulo, José Serra, censurada. A
reportagem dava conta de que Serra, enquanto ministro, tinha autorizado a maior
parte das doações irregulares de ambulâncias a prefeituras.
Quando uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o
ex-assessor do ministro da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia
esclarecer aspectos obscuros sobre a gestão do ministro no governo FHC, ela foi
desencorajada a perseguí-lo, enquanto todos os recursos da emissora foram
destinados a denunciar o contador do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Saúde
Humberto Costa, este posteriormente absolvido de todas as acusações.
Tive reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde
revelado como fonte da revista Veja para escândalos do governo Lula —
‘deslocada’ de telejornal mais nobre da emissora para o Bom Dia Brasil, como
pode atestar o então editor Marco Aurélio Mello.
Num episódio específico, fui perseguido na redação por um
feitor munido de um rádio de comunicação com o qual falava diretamente com o
Rio de Janeiro: tratava-se de obter minha assinatura para um abaixo-assinado em
apoio a Ali Kamel sobre a cobertura das eleições de 2006.
Considero que isso caracteriza assédio moral, já que o
beneficiado pelo abaixo-assinado era chefe e poderia promover ou prejudicar
subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei, então, que o comentarista de política da Globo,
Arnaldo Jabor, havia dito em plena campanha eleitoral que Lula era comparável
ao ditador da Coréia do Norte, Kim Il-Sung, e que não acreditava ser essa
postura compatível com a suposta imparcialidade da emissora. Resposta do
editor, que hoje ocupa importante cargo na hierarquia da Globo: Jabor era o
“palhaço” da casa, não deveria ser levado a sério.
No dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega,
ouvi uma gravação entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um grupo
de jornalistas, na qual eles combinavam como deveria ser feito o vazamento das
fotos do dinheiro que teria sido usado pelo PT para comprar um dossiê contra o
candidato Serra.
Achei o assunto relevante e reproduzi uma transcrição —
confesso, defeituosa pela pressa – no Viomundo.
Fui advertido por telefone pelo atual chefão da Globo,
Carlos Henrique Schroeder, de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal,
hospedado na Globo.com, informações levantadas durante meu trabalho como
repórter da emissora.
Contestei: a gravação, em minha opinião, era
jornalisticamente relevante para o entendimento de todo o contexto do
vazamento, que se deu exatamente na véspera do primeiro turno.
Enojado com o que havia testemunhado ao longo de 2006,
inclusive com a represália exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo
Vianna, Marco Aurélio Mello e Carlos Dornelles — e interessado especialmente em
conhecer o mundo da blogosfera — pedi antecipadamente a rescisão de meu
contrato com a emissora, na qual ganhava salário de alto executivo, com mais de
um ano de antecedência, assumindo o compromisso de não trabalhar para outra
emissora antes do vencimento do contrato pelo qual já não recebia salário.
Ou seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha
carreira profissional e meu sustento pessoal.
Apesar das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de
caráter, perpretradas pelo jornal O Globo* e colunistas associados de Veja,
friso: sempre vivi de meu salário. Este site sempre foi mantido graças a meu
próprio salário de jornalista-trabalhador.
O objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse
público e os movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa.
Declaramos oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou empresas
públicas ou estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou do Estadão. Nem do
governo federal, nem de governos estaduais ou municipais.
Porém, para tudo existe um limite. A ação que me foi movida
pela TV Globo (nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em
honorários advocatícios.
Fora o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la.
Agora, pensem comigo: qual é o limite das Organizações Globo para gastar com
advogados?
O objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro:
intimidar e calar aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos
bastidores dela, justamente por terem fontes e conhecimento das engrenagens
globais.
Sou arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã,
filhas e mantenho este site graças a dinheiro de meu próprio bolso e da valiosa
colaboração gratuita de milhares de leitores.
Cheguei ao extremo de meu limite financeiro, o que
obviamente não é o caso das Organizações Globo, que concentram pelo menos 50%
de todas as verbas publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político,
midiático e lobístico.
Durante a ditadura militar, implantada com o apoio das
Organizações Globo, da Folha e do Estadão— entre outros que teriam se
beneficiado do regime de força — houve uma forte tentativa de sufocar os meios
alternativos de informação, dentre os quais destaco os jornais Movimento e Pasquim.
Hoje, através da judicialização de debate político, de um
confronto que leva para a Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados
ao sufoco lento e gradual.
E, por mais que isso me doa profundamente no coração e na
alma, devo admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro.
Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou certo de que meus queridíssimos leitores e apoiadores
encontrarão alternativas à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma das
maiores empresas de jornalismo do mundo, nominalmente representadas aqui por
Ali Kamel, mais uma vez impuseram seu monopólio informativo ao Brasil.
Eu os vejo por aí.
PS do Viomundo: Vem aí um livro escrito por mim com Rodrigo
Vianna, Marco Aurelio Mello e outras testemunhas — identificadas ou não —
narrando os bastidores da cobertura da eleição presidencial de 2006 na Globo,
além de retratar tudo o que vocês testemunharam pessoalmente em 2010 e 2012.
PS do Viomundo 2: *Descreverei detalhadamente, em breve,
como O Globo e associados tentaram praticar comigo o tradicional assassinato de
caráter da mídia corporativa brasileira.