Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
sábado, 31 de dezembro de 2011
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Um Poema de Lúcia Leão
culinária
cósmica
a
máquina de moer tempo
moeu
todos
os meus
retalhos
confesso
ter imaginado
ser
preciso, demorado
mas o
tempo foi muito rápido
pois já
tudo havia sido cortado
sem
molduras ou traçados, minhas vidas
emboladas
em pó se empilhavam
de onde
veio a máquina eu não sei
disseram
depois que era herança
mas eu
acho que foi um hacker
há
muitos deles por aí
surfando
por todos os lados
confesso
ter considerado
a
possibilidade de fraude
no selo
de validade
confesso
ter implorado
para
que tudo tivesse sido mentira,
um
truque, inventado
mas a
máquina de moer tempo
tinha
mais de uma velocidade
e por
mais que eu tentasse
ela
moeu também
até de
mim a saudade.
Pelo orgasmo a explicação do mundo: o erotismo político de Oswaldo Martins
Larissa Andrioli*
Um texto, independente de seu
conteúdo, é sempre um fato cultural. Portanto, depende da época, dos valores,
do escritor, dos grupos sociais, da cultura em que foi elaborado. Assim, era de
se esperar que uma sociedade que a cada dia tenta se mostrar mais liberal, que
leva ao ar programas de TV de cunho sensual em horário nobre e invade cada vez
mais a vida privada do ser humano recebesse um livro de poemas eróticos de
forma não necessariamente natural, mas no mínimo crítica. Era de se esperar que o público o recebesse
como recebe qualquer outro livro, e em torno dele girassem discussões como as
que giram em torno de Saramago, Tezza, Ruffato ou qualquer outro escritor, ou
seja, que problematizasse o texto publicado sem rebaixá-lo antes de se aprofundar
nele. Certo? Não. Em 2008, o Brasil se viu no meio de uma discussão sobre até
que ponto o moralismo e a hipocrisia ainda estariam inseridos na sociedade.
Após publicar Cosmologia do impreciso
(2008), seu quarto livro, e ser convidado pela própria diretoria da Escola Parque,
onde trabalhava, para falar na sala de aula sobre o trabalho de escritor, Oswaldo
Martins foi demitido. O motivo: escrevia poesias de conteúdo erótico
pornográfico.1
A representação erótica é muitas
vezes colocada no nível das coisas nãos érias, das manifestações imorais, uma
espécie de piada infame que se conta escondido, da qual todos riem
disfarçadamente e classificam de “humor negro” ou politicamente incorreto – o
que traduz os pensamentos de boa parte da sociedade.
[i]Da
mesma forma, o sexo é sempre negado: o prazer é sujo, é baixo, carnal (“Não me
arrependo do pecado triste / que sujou minha carne, suja toda carne”, já dizia Drummond)
– e, portanto, deve ser rechaçado e superado. Entretanto, um detalhe é
esquecido: o sexo é universal e indispensável. Extrapolando o discurso
religioso de que
o sexo é necessário para a
procriação, é possível dizer que, mais que instrumento de procriação e
preservação da espécie, ele é, antes de tudo, necessário para viver.
Para suprir essa necessidade, não
bastam as cenas eróticas que aparecem nas novelas: a orientação do prazer (a
representação erótica prevista pelo discurso de autoridade, ou seja, aquela
representação autorizada e legitimada que vai ao ar em filmes, novelas, etc.)
não só limita e anula o prazer, como também favorece a preservação de preconceitos
correntes na sociedade. A necessidade de controlar o sexo (e daí a orientação
do prazer) está ligada à sociedade do trabalho. Um corpo guiado pelo prazer
nunca se volta ao trabalho alienado e à produção, que embasam a sociedade em
que vivemos. O prazer guia, sim, a um trabalho – mas ao trabalho criativo, e
não ao produtivo:
A reativação da sexualidade
polimórfica e narcisista deixa de ser uma ameaça à cultura e pode levar, ela
própria, à criação cultural, se o organismo existir não como um instrumento de
trabalho alienado, mas como um sujeito de auto-realização – por outras
palavras, se o trabalho socialmente útil for, ao mesmo tempo, a transparente
satisfação de uma necessidade individual (Marcuse: 1975, 183).
Entretanto, à medida que a sexualidade
é organizada e controlada, a fantasia afirma-se, principalmente, contra a sexualidade
normal, ou seja, se manifesta no campo das perversões: As formas inumanas,
compulsivas, coercitivas e destrutivas dessas perversões parecem estar
associadas à perversão geral da existência humana em uma cultura repressiva,
mas as perversões têm uma substância instintiva distinta dessa formas; e essa substância pode perfeitamente
expressar-se em outras formas compatíveis com a moralidade na civilização de
elevado grau (Marcuse: 1975, 178).3
É possível que, numa organização
sexual menos repressiva, a libertação de Eros possa criar novas e duradouras
relações de trabalho. Tudo isso para dizer que Cosmologia do impreciso é uma leitura essencial: combate a separação
entre corpo e espírito para defender a liberdade e a afirmação da vida acima de
tudo. Apropria-se da tradição poética, faz diversos intertextos com artes
plásticas e música e atinge um objetivo importante: transgride. É sempre perpassado
pelo passo à frente, pela afirmação de algo fora de circulação. É o que acontece,
por exemplo, no poema “lições oswaldianas”. As ideias do poema “Erro de português”,
de Oswald de Andrade, que pode ser visto abaixo,
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português (Andrade: 2003).
reaparecem no poema de Oswaldo
Martins:
as professoras dariam nuas as de
história
por sua vez alunas e alunos também
nus
assimilariam o que a história nos
roubou
a celebração do corpo e do
espírito assim
recolocados permitiriam a nossos
jovens
a experiência dos ferozes
tupinambá (Martins: 2008, 34).
A partir da leitura do poema de
Oswald, Oswaldo Martins cria sua tese de liberdade através da nudez, e é nesse
poema que se encontra uma ideia essencial para a compreensão de Cosmologia do impreciso: “a celebração do
corpo e do espírito”. Pois é disto que trata a poesia de Oswaldo: celebração.
E, a partir da celebração de algo reprimido na sociedade, transgride e busca a
libertação. A epígrafe geral do livro fala desse par: “a boca é vinho tinto /
as mãos são de absinto / e a cintura dela é a estrela por nascer” – tais versos de Aldir Blanc misturam
elementos ligados ao prazer carnal (boca/vinho, mãos/absinto, cintura) com o
elemento sublime, puro (por nascer). Mais que mistura, unem no mesmo 4 corpo e
tornam, então, o corpo e o espírito inseparáveis e indistinguíveis: na medida
em que os elementos se confundem, é impossível dizer o que é ou não profano, e
a polaridade se dissolve: a carne, símbolo do profano, assume tom sagrado e o
espírito torna-se profano.
Se já é impossível ler um livro
de Oswaldo Martins sem ser sempre assaltado pela mesma palavra, escrever sobre
o poeta sem tê-la em mente é impensável. A ideia é sempre transgressão: o que
dizer da poesia que questiona abertamente os valores da sociedade e diz
“caralho”, “buceta” (sim, grafada com u), “foder”? Mais uma vez, o poeta retoma
a tradição: vai ao século XV e resgata a forma de poetar de Aretino, que não só
expressa o sexo em sua poesia como o coloca como questão existencial:
Fottiamci, vita mia, fottiamci
presto,
Poi che per fotter tutti nati
siamo,
E se il cazzo ami tu, la potta io
bramo,
Chè il mondo saria nullo senza
questo.
[Fodamos, meu amor, fodamos
presto,
Pois foi para foder que se
nasceu,
E se amas o caralho, a cona amo
eu;
Sem isto, fora o mundo bem
molesto] (Aretino: 2000, 68-69).
Oswaldo Martins tem seu
equivalente: em Cosmologia do impreciso, sexo e vida se confundem. “Bucetas”
pode dar lugar a “Eros” – e Eros não é menos que vida. Assim como o corpo
feminino, a arte é também vida e fonte de prazer – é possível sentir tanto
prazer com ela quanto se sente com a relação sexual. Volta, então, a ideia de
corpo e espírito com que Oswaldo trabalha: se a arte, segundo a visão
tradicional, é uma atividade sublime, ao ligá-la tão intimamente ao corpo o poeta
está mais uma vez afirmando que o espírito e o corpo não se separam: no sublime
da arte, há a criação erótica, carnal – há o prazer.
quando quadros e livros
bucetas são
não são bucetas que se levam
aos livros e quadros
senão que quadros e livros
buscam
o que de bucetas
são
(Martins: 2008, 93).
O caráter transgressor da poesia
de Oswaldo não está somente na utilização da linguagem sexual para abordar
outros assuntos, como o poema acima citado mostra. Na subdivisão “Estudo para
pinturas sacras”, do Cosmologia, o poeta voltase para a religião: começa por
desconstruir a imagem de “virgem” de Maria. A virgem, figura tão pura nas
escrituras, é aqui mulher real e faz intrigas, obtém favores, finge e, o mais importante, faz sexo. Fala de
sexo. Fala de Deus e de sexoao mesmo tempo. Reúne sagrado e profano.
A virgem de olhos doces tece
intrigas
para conquistar os favores
de deus
para isso usa de artifícios
finge no olhar vazio
ser a menina dos olhos
depois diz para isabel:
fodi com deus.
ah, isabel, isabel,
com ele
é como se fodesse com todos os
homens (Martins: 2008, 105).
Nesse poema, aparece uma questão
interessante: aqui o sexo com Deus é uma forma de entrar em contato com todos
os outros homens. É como a comunhão – mas feita a partir do corpo. Se, ao ingerir
o que representa o corpo de Deus, a pessoa entra em contato com este e ao mesmo
tempo com todos os seus irmãos, aqui a proposta é a mesma, mas a comunhão é feita
pelo corpo em si, e não por uma representação dele. É possível enxergar também
a questão da projeção divina no homem. Se o homem foi feito à imagem e semelhança
de Deus, por que seria o sexo uma característica nossa e exclusivamente nossa,
carnal? Não: aqui, o sexo atinge também a divindade.
Depois, retoma os “Ensaios sobre
a pintura”, de Diderot, em que o filósofo, escritor e crítico de arte faz uma
série de considerações sobre como seria a relação entre arte e sexualidade,
caso esta não fosse brutalmente reprimida pelo cristianismo:
Se nossa religião não fosse uma
sombria e insossa metafísica, [...] se esse abominável cristianismo não se tivesse
estabelecido mediante assassinato e o derramamento de sangue, [...] se todos os
nossos santos e santas não estivessem cobertos até a ponta do nariz [...] se a Virgem
Maria houvesse sido a mãe do prazer, [...] se, nas bodas de Canaã, Cristo,
tocado de vinho, um tanto desabusado, houvesse percorrido o colo de uma das
jovens das bodas e as nádegas de Santa Joana [...] veríeis o que fariam nossos
pintores, poetas e escultores; em que tom falaríamos desses encantos, que
exerceriam um papel tão sublime e tão admirável na história de nossa religião e
de nosso Deus; e com que olhos contemplaríamos a beleza à qual deveríamos o nascimento,
a encarnação do Salvador e a graça de nossa redenção
(Diderot: 1993, 94-95).
A transposição para a poesia é
feita a partir da tomada de pequenos trechos de Diderot (como “se Madalena
houvesse tido alguma aventura galante com Cristo” ou “se as alegrias de nosso
paraíso não se reduzissem a uma absurda visão beatífica”), que são em seguida
desenvolvidos por Oswaldo Martins:
4
cristo nas bodas de caná houvesse
percorrido o colo das moças
e com os olhos inebriados de
tesão
tocasse aqui uma teta
ali as curvas
as portentosas nádegas
da mulher que se oferecia
mais que a morte
seria a carne
nossa unção (Martins: 2008, 112).
A grande questão levantada nesse
poema é o erotismo, que ao mesmo tempo em que
se relaciona à vida, também é
vida. E mais: é unção, é algo sagrado. E este seria um valor universal, não fosse
a imagem criada e repassada até hoje pelas religiões, que têm em Jesus Cristo a
personalização de seus valores – e é sua imagem de ausência de sexualidade que
nos foi passada como exemplo de conduta.
A adoção do erotismo como postura
política é uma visão possível durante a leitura de Cosmologia do impreciso. Propor um mundo mais
livre dos entraves colocados pelos valores da sociedade ocidental faz parte da
proposta modernista, mas o erotismo não é um recurso criado pelos modernistas.
No século XV, houve o já citado Aretino, e no Brasil temos Gregório de Matos e
Bernardo Guimarães como representantes do uso desse recurso. Essa postura,
usada como forma de atacar diretamente a moral hipócrita, é defendida por
Aretino no início de seus Sonetos:
Diverti-me [...] escrevendo os
sonetos que podeis ver [...] sob cada pintura. A indecente memória deles, eu a
dedico a todos os hipócritas, pois não tenho mais paciência para as suas
mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem
ver o que mais os deleita (Aretino: 2000, 5).
Essa perspectiva é retomada no
Modernismo como uma dentre as tantas formas utilizadas para promover a
liberdade (os poemas-piada de Oswald de Andrade, os versos brancos e os versos
livres). Resgatar uma visão pré-cristã do corpo e dos atos que este pratica,
valorizar o sensual e desconstruir os valores consagrados da moral estabelecida
são preceitos de uma poesia erótica, já que a sociedade cristã destituiu o
erotismo dos seus valores primários de celebração da vida. A crença em Eros
contribuía para a livre transição do erótico na sociedade. Eros, para a
tradição filosófica, une sombra e luz, matéria e espírito, sexo e ideia –contribui
com a passagem do caos ao cosmo. É um dos deuses primordiais da cultura
pré-cristã e representa a vida e os prazeres vitais.
O ataque aos valores da sociedade
judaico-cristã que reprimiu Eros é uma forma de retomar os valores eróticos
primários e reafirmar a liberdade, que na sociedade capitalista é tão
precarizada em detrimento da ética, que se torna outra questão central de
Cosmologia.
a alice no país das baboseiras
é uma garota esperta
prefere foder com a coleguinha
usar batom
celular
cortas as cabeças
dos mendigos (Martins: 2008, 41).
Aqui, aparece a polissemia do
verbo “foder”: ele deixa de significar
sexo para expressar a falta de ética cada vez mais presente e tolerada nas
relações humanas. Diante da necessidade de cooperação, mas tendo de conviver
com os impulsos egoístas, a sociedade elaborou regras e leis morais que regulam
as ações humanas. Essas leis e regras baseiam-se numa espécie de “jogo de
interesses”.
Assim, necessitando da ajuda de
grandes massas, mostra-se ao outro as vantagens de participar desse sistema de
trocas. A ideia defendida pela ética capitalista é a de que, para construir o
bem-estar da coletividade, é melhor apelar não ao altruísmo da humanidade, mas
à defesa dos interesses desta em relações de mercado. Dessa forma, apresenta-se
o egoísmo como melhor solução para os problemas de determinado grupo social. Os
juízos morais passaram a ser pautados na eficácia econômica do sistema de mercado,
que se tornou o critério ético fundamental. No capitalismo, a ética se reduz a
uma questão de pura técnica. É um sistema em que, de algum modo, a ideia de
realização está sempre ligada à satisfação material – seja obtendo bens materiais, seja tendo
maiores oportunidades de lazer, seja ostentando aparência de poder.
Assim, é interessante notar que,
no poema de Oswaldo Martins, as atitudes de “foder com a coleguinha” e “usar
batom/ celular” são postos como sinônimo de esperteza. É um poema que se encaixa
na realidade do pensamento capitalista e, por isso, traduz – em tom de crítica – as características da sociedade moderna. Símbolo
da civilização moderna, o consumismo egocêntrico transforma as relações sociais
numa arena, onde a força e a esperteza fazem o vencedor. Num ambiente em que o
objetivo é o lucro a qualquer custo, as considerações éticas são as primeiras a
perder seu valor. É isto que Oswaldo Martins critica no poema: o detrimento da
ética de convivência solidária que, bem como o erotismo, foi se perdendo e
sendo reprimida durante a construção da sociedade capitalista.
O erotismo não é a sexualidade, e
sim sua metáfora, e o texto erótico é a representação do erotismo. Mais: creio
que o texto erótico possa ser também uma metáfora da liberdade. E cada poema de
Oswaldo Martins é sempre uma afirmação disso. Esse caráter pode ser melhor
entendido se pensarmos que Martins não parte de um ato sexual para criar sua
poesia – ele utiliza elementos do sexo
para problematizar outras questões, como é o caso de “antimetafísica das
apreciações”:
quadros
assim como livros
cheiram a buceta
há livros e quadros
bolorentos
dir-se-iam uma buceta
sem uso
como dizem das bucetas
bem usadas
há quadros e livros
que relampejam (Martins: 2008,
58).
A “buceta” do poema não é física.
É um elemento que remete à sexualidade em geral e pode, portanto, ser
relacionada à arte, já que é isso que Oswaldo propõe: a transformação da arte
em sexo, em fonte de prazer antes de qualquer coisa. Por isso, Cosmologia do impreciso é mais que um belo
livro: é um livro movido por uma tese que atinge a todos nós, na qual todos
deveríamos pensar e sobre a qual discutir: até que ponto falta tornar nossa
vida mais sexual, no sentido mais erótico da palavra, ou seja, vital.
Referências
ANDRADE, Oswald. Obras completas.
Pau Brasil. São Paulo: Editora Globo, 2006.
ARETINO, Pietro. Sonetos
luxuriosos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BATAILLE, Georges. O erotismo.
Porto Alegre: L&PM, 1987.
DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a
pintura. Campinas: Papirus, 1993.
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo
e literatura. São Paulo: Ática, 1985.
MARCUSE, Herbert. Eros e
civilização. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975
MARTINS, Oswaldo. Cosmologia do
impreciso. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor
e erotismo. São Paulo: Si
Publicado em Poesia e prosa: hoje, agora em setembro 2010
[i]
* Graduanda em Letras (Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF).
1
A Escola Parque não declarou
isto abertamente; alegou “diferenças ideológicas”.
Entretanto, foi a reclamação
de alguns pais de alunos que desencadeou a demissão.
Cf. entrevista com Oswaldo
Martins e matéria sobre o assunto disponível em:
http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2008/10/06/professor_demitido_da_escola
_parque_diz_que_nao_recorrera_justica-548591970.asp.
Acesso em 22 jun. 2010.
Cf. matéria também em:
http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2008/10/05/demissao_de_professor_da_es
cola_parque_que_escreveu_poemas_eroticos_alvo_de_criticas-548563161.asp.
Acesso em 22 jun. 2010.2
Os dez melhores livros de 2011
1 – Olho empírico – Dora Ribeiro
2 – Junco – Nuno Ramos
3 – 2666 – Roberto Bolaño
4 – Inferno – Strindberg
5 – O Terceiro Reich – Roberto Bolaño
6 – Enfermaria nº 6 -
Anton Tchekhov
7 – Ó – Nuno Ramos
8 – Imaginação, Erotismo, Visão Decorativa – Matisse
9 – Cuentos memorables – Borges
10 – Nos penhascos de Mármore – Ernst Jünger
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Memórias esotéricas 4
Fui moça do balacobaco. Os babacas
me seguiam na rua com os olhos, um chiste aqui outro acolá me fazia sorrir,
principalmente se acompanhada de alguém. Usava vestidos bem curtinhos, as
pernas à mostra, feliz de provocar e poder escolher. Muitas vezes andava sem calcinha,
fazia pose para que me vissem. Meu corpo dispunha de todas as artes liberais –
era uma enciclopédia do sexo e gostava disso.
Comprei um Karmanguia vermelho
conversível e deixava os cabelos – que os usava ondulados e soltos – ao vento.
Ao chegar em Copacabana, recostava-me em seu para-lama e fazia cara de quem não
quer nada e pode tudo, uma perna decaída para o chão a outra recolhida,
abraçada por minhas mãos de unhas longas e vermelhas. Era moda fazer-se de pin up. Muitas tinham vergonha o que era
uma vantagem a mais no combate feroz pela alegria.
A vida para mim sempre foi
conduzida por essa busca; ainda agora neste exílio do mundo, busco reavivar as
boas lembranças, afinal cri nelas e posso fazer com que as mocinhas de agora
saibam que o importante na vida não é correr feito loucas atrás da tão maldita
segurança – seja através do casamento ou do trabalho. Já dizia o Aretino,
escritor libertino do século XVI, que a profissão mais atraente para uma mulher
aceder ao poder é de cortesã.
(Jurema Silva)
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Memórias esotéricas 3
Estava sentada na cama, velha
pelancuda e nua em um quarto pequeno e pobre. Olhava para o nada, concentrada
na memória que não estava ali. Fazia frio e o aquecedor velho chiava. O calor
soltava pequenos fragmentos de brasa, mas meu peito estava ressequido, meu colo
depunha camadas de colares naturais, como cascatas de pérolas sujas.
A pensão, como um retrato deste
tempo que já não é o meu, estava vazia e silenciosa. Velhos como eu habitavam
seus quartos e pouco saíam de suas camas. Os estudantes estudavam, os
motoristas dirigiam seus carros, os condutores conduziam, trabalhadores
trabalhavam e os relógios marcavam o tempo zero e nunca repetiam as cinco horas
do chá nem deliquesciam as horas dúbias de dali.
Havia pressa e ninguém mais fazia
do sexo sua arma fatal contra a hipocrisia das famílias, todos trepam mulheres
homens gays em comunhão com o santo cristo e a família eclesiástica dos
inventores da morte e do casamento de que pretendem herdar com a segurança dos
que se pretendem eternos.
Estar sentada aqui nua, coma s
pelancas fazendo-me as vezes de colar pode ser considerado um ato de
resistência contra o mundo.
(jurema silva)
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
cartão de natal
veio Jesus ao mundo
a mando de seu Pai
veio punir os ímpios
e redimir os justos
era menino!
elesbão
(22/12/11)
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Estudo 2 para o Capoeira de Besouro
“Eu vim da Bahia”, ouve-se Pixinguinha
dizer na histórica gravação que Almirante fez da música que ele, o santo, Donga
e João da Baiana fizeram para a música Patrão, prenda
seu gado. Ouvir os berimbaus de mestre Camisa e Lobsomem é de alguma
forma reouvir o prato e faca de João da Baiana. 1917/2011 quase um século de
diferença e a inesperada confirmação da dobra mimética tanto lá quanto aqui.
Se o prato e faca remonta ás
dificuldades a à inventividade do brasileiro para dispor do que não havia para
a celebração do ritmo e da existência, para o andamento arrastado do miudinho,
o berimbau que se pratofaqueia em Idalina, por exemplo, tem essa dobra de que
se apoderaram os divinos compositores de 1917 e que – outra e após dobra –
Paulo Cesar Pinheiro reatualiza
Elo entre o samba baiano e o país
herdado dos capoeiristas também na voz prato e faca de Cristina Buarque. Elo
entre o samba carioca e os compositores que fundaram a forma de resistir às
nuances negativas da vida. Dobra atrás de dobra.
(Oswaldo Martins)
Estudo 1 para o Capoeira de Besouro
O episódio fundador da identidade
nacional, secundado pelo livro magistral de Euclides da Cunha, foi o de
canudos. Ali, apesar pelo massacre e extermínio do grupamento humano que se
reunia em torno do conselheiro, percebe-se uma unidade que determina o existir
e a resistência possível na Republica das elites que se firmava no europeísmo
distante e cruel, especializada na praticada escravidão e de todo tipo de
repressão econômica.
A guerra de Canudos foi
desenvolvida a partir de técnicas bastantes distintas; se os republicanos utilizavam
armamentos pesados e modernos, a técnica dos conselheiristas era feita de
esquivas – “de mão no chão, e pernas no vento – tesoura, banda, rapa, soco,
tapa e sola” [i] Em Canudos aprendeu-se o continuísmo da
republica recém inaugurada e da velha monarquia, mas, ao mesmo tempo,
reavivou-se a luta dos quilombolas, aluta dos ideias democráticos e igualitários.
A urbe do conselheiro se baseava neste princípio.
Os anos de 1896/1897 viram a derrocada
da pretensa força motriz da nação e o surgimento de outras derivas para a
reafirmação dos valores étnicos e culturais dos que não podiam, não puderam e
ainda não podem participar da construção das vozes que demarcam e formulam – no
revés do vento – uma ficção possível para a identidade múltipla dos Brasis.
Entre 1895 e 1897 nasceu Manoel
Henrique Pereira, o Besouro, que continuou nascendo como afonso Henriques, Luiz
Carlos, Graciliano, Carlos Marighela, Abdias e Paulo Cesar Pinheiro, para tocar
fogo nos paióis da pátria.
Ouçam, filhos de canudos, o toque
de cavalaria.
(Oswaldo Martins)
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Datas coincidentes:
Entre 1896 e 1897 aconteceu Canudos, em 1895 ou 1897 nasceu
Manoel Henrique Pereira, o Besouro Mangangá ou Besouro Cordão de Ouro.
sábado, 17 de dezembro de 2011
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
O CORDÃO PARTIDO
O cordão partido pode ser novamente atado
Ele segura novamente, mas
Está roto.
Talvez nos encontremos de novo, mas
ali onde você me deixou
Não me achará novamente.
(Berthold Brecht)
Tradução de Paulo Cesar de Souza
Ele segura novamente, mas
Está roto.
Talvez nos encontremos de novo, mas
ali onde você me deixou
Não me achará novamente.
(Berthold Brecht)
Tradução de Paulo Cesar de Souza
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
banhei / brisa
banhei
cama banhada
com perfume, no
frasco diz: sexo
cama banhada
com perfume, no
frasco diz: sexo
brisa
entrava pela noite
rasgando o lençol do tempo
e amanhecia prematuramente
(anelise freitas)
Caminho
nós duas dirigimos
(ainda sem chegar)
e mandamos postais
e escrevemos cartas
enquanto rasgamos livros
e arranhamos discos
e estilhaçamos copos
enquanto isso -
é melhor acreditar:
voltar pra casa não importa
nenhuma estrada supera
a extensão das memórias.
(Larissa Andrioli)
(ainda sem chegar)
e mandamos postais
e escrevemos cartas
enquanto rasgamos livros
e arranhamos discos
e estilhaçamos copos
enquanto isso -
é melhor acreditar:
voltar pra casa não importa
nenhuma estrada supera
a extensão das memórias.
(Larissa Andrioli)
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Poemas da solidão
1
pernas descabidas
alheias ao movimento
sustentam pilastras
um mundo estático
tiro fotos
que ninguém olhará
2
quando
uma vidraça
não faz barulho
o tempo se desfaz
resoluto
uma vidraça se quebra,
se quebra, sempre
no relativo exato
deste segundo
3
onã,
o fabuloso
me faz comer
todas as mulheres
do mundo
4
a coxa pediu-me carona
dei-lha
a coxa possuía belos seios
boca carnuda
sentou-se ao meu lado
no longo sofá do carro
jamais novamente a vi
e ela rodava pelas madrugadas
quando, manco,
corro atrás dos amores impuros
5
*
os zeros são números neutros
nada indicam
de positivo
ou negativo
quietos como quem morre
ou ainda não nasceu
os zeros apenas
rugem nos fictícios arranjos
da poesia
**
pensar na matemática
é como descobrir
universos
ou
teorizar micro células
invisíveis
ao olhar humano
ou
a raiz quadrada
da poesia
6
o dia brilha
para o cão
para o boi, no pasto
na buceta inchada
na mão de minha mãe
na mão de meus irmãos
na coxa que um dia
fodi
7
eram dois desesperos
zeros
por isso se bastavam
como se dois sexos
abertos do universo
fossem
(oswaldo martins)
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Poema do dia
o mundo terminou as suas funções
pedagógicas esta manhã
há horas encontrei
esta nova era
coisa já viciada nos seus
preconceitos regulares
nas deliciosas armas de
construir o pensamento
há horas vivo sem
poder responder ao desejo
esse clássico da errância humana
(Dora Robeiro - olho empírico)
pedagógicas esta manhã
há horas encontrei
esta nova era
coisa já viciada nos seus
preconceitos regulares
nas deliciosas armas de
construir o pensamento
há horas vivo sem
poder responder ao desejo
esse clássico da errância humana
(Dora Robeiro - olho empírico)
Prosa avulsa 1
Todos conheceis a pro0funda
melancolia que nos acerca, ao recordarmos tempos felizes. Eles são
irrevogáveis, e deles somos cruelmente separados por uma distância maior que
todas as distâncias juntas.
(Ernest Jüger – Nos penhascos de
mármore)
domingo, 4 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
O Haver
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem
hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da
treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
variações poéticas sobre o corpo matemático da mulher de Tales de Mileto
variações poéticas sobre
o corpo matemático da mulher de Tales de Mileto
I
a mulher de Tales
tinha pernas matemáticas.
II
eram poéticas
as pernas
da mulher de Tales.
III
foi nas pernas
de sua mulher
um pouco mais acima
que Tales
viu o triângulo.
IV
estando deitada
sua mulher
contemplando-lhe
dos pés
à cabeça
à beleza do corpo
Tales vislumbrou
o triângulo isósceles.
V
quando de bruços
viu
sua mulher deitada
Tales deduziu que o diâmetro
divide
um círculo em duas
partes.
elesbão
(26e27/11/2011)
I
a mulher de Tales
tinha pernas matemáticas.
II
eram poéticas
as pernas
da mulher de Tales.
III
foi nas pernas
de sua mulher
um pouco mais acima
que Tales
viu o triângulo.
IV
estando deitada
sua mulher
contemplando-lhe
dos pés
à cabeça
à beleza do corpo
Tales vislumbrou
o triângulo isósceles.
V
quando de bruços
viu
sua mulher deitada
Tales deduziu que o diâmetro
divide
um círculo em duas
partes.
elesbão
(26e27/11/2011)
sábado, 26 de novembro de 2011
A respeito dos zum-zuns
Cantiga de longe, de Edu Lobo,
lançado no ano de 1970, traz uma composição composta por seu pai, Fernando
Lobo, e Paulo Soledade. Zum Zum, feita a partir do acidente com o avião da Panair,
um constellation. Embora composta para homenagear o amigo, comandante da avião
Constellation, da Panair, a música ganhou ares carnavalescos em 1951, quando Dalva
de Oliveira a gravou.
A gravação de Edu Lobo é feita,
nos EUA, com vinte anos de diferença, adquire um andamento mais lento, lamentoso.
Há nesta gravação duas leituras possíveis, a de que Edu Lobo tenha
reinterpretado o andamento original da música, o que teria um valor
memorialístico bem específico de recuperar a origem da composição, o que certamente
é importante. Entretanto há outra possibilidade, que creio ser mais importante,
pois, além de englobar a perspectiva anterior, cria uma possibilidade de
leitura de sua época, em que a tortura, o exílio e a prisão se tronaram ações
constantes e causa de depressão social, com a qual convivemos até hoje, pelos
estragos que os governos militares fizeram na educação pública, nas
instituições democráticas e na participação popular.
Das diversas composições e
interpretações que se fizeram e se tornaram, com justiça, uma espécie de hino,
a partir do qual podíamos extravasar a frustação da participação social,
prefiro este protesto silencioso e pungente.
(Oswaldo Martins)
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Camonianas
dedicatória
ña senhora, tenho-vos mandado uma enxurrada de versos que
não são de minha autoria , são versos que me veem dos tantos versos que li, mas
o amor de que falam é meu – é o amor que tenho por si.
I
amo-te tanto
de um amor tão grande
para uma vida tão curta.
II
olhos
só os tenho
para ti.
III
estava assim tão cansado
de amores desenganados
quando Circe pôs sua mão
sobre minha mão.
IV
amo-te
de um amor tão grande
quem me dera
fosse amor pequenino.
V
estando de AMOR
desiludido e magoado
a sofrer danos por gestos
ousados
vi em Circe
bela e comedida
um mover de olhos, brando e piedoso,
um riso brando e honesto
um doce e humilde gesto.
VI
dizei-me senhora
por que me queres o corpo
se vos ofereço a alma?
VII
de todo o meu amor
não serás senhora
de todo o teu amor
não serei escravo.
VIII
não é a tua beleza
que me intimida
temo os deuses
que por desobediência minha
e inveja deles
me tolham as mãos
IX
que me dizes AMOR
agora que te venço
X
que me dizes agora AMOR
que tenho sobre teu peito
a ponta da minha espada.
XI
sei senhora
medir bem o amor
que vos dedico
sei por vossa recusa
e pelas penas e mágoas tristes
em que vivo.
XII
não devias senhora
recusar-me um sorriso bondoso
não devias senhora
recusar-me um olhar piedoso.
XIII
Nise
estar ao pé ti
é estar sentado
à
sombra
dum álamo copado.
XIV
esta impaciência
que me
impacienta
é a impaciência
do amor
elesbão
(14/05/2011-19/11/2011)
sábado, 19 de novembro de 2011
pilulinha
Dois novos livros de poesia
chegaram esta semana a minhas mãos. O olho empírico,
de Dora Ribeiro e o Junco, de Nuno Ramos. Aliás, dois grandes livros, em tudo
dessemelhantes, mas próximos pela alta qualidade que possuem e faz deles um dos
melhores lançamentos da poesia brasileira neste ano.
Olho
empírico – como é saboroso isto – não traz a mínima pista de quem é a autora.
Seco, não contém mais informações que as necessárias para o leitor – apenas os
poemas em sua nudez, nenhuma informação adicional. Basta ao leitor que leia os
poemas e com eles se conforte e frua a excessiva beleza que contêm.
Junco,
ao contrário, é prodigo em informações sobre o autor. Data de nascimento,
prêmios recebidos, livros publicados, uma bela orelha de Flora Sussekind e a
informação adicional de que o autor, cujas obras são belas, é também artista
plástico.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Poema do Olho Empírico de Dora Ribeiro
o meu rosto e o teu cinema
são matéria do mesmo
manifesto
da mesma hora precária
carregam dúvidas
e escrevem com
os mesmos sinais a
paisagem do erro
(dora ribeiro - olho empírico)
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Três poemas
desimitação de olavo bilac
para tom zé
bem no centro do olho
do crânio
lugar típico onde
se tomam decisões
há um buraco negro
que sem ora direis
reapaga as estrelas
da via-láctea
1
os articulados com por cento
fazem ginástica em apartamentos
fechados
leem em o globo
as novidades da hora
e
no econômico jornal
da moda
as sandices repetidas
ad nauseam
2
este
o pulso do poema
a sinistra capsula
a queda
a indução
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Olhar
estava a reparar no pombo pousado
no muro da minha casa com a outra casa
estava pousado numa perna só
(seria manco?)
pou, joguei-lhe uma onomatopéia
com calma elegante desceu a outra perna
e foi a voar
elesbão
(23/10/2011)
olhar
cá está o pombo outra vez sobre o muro
e agora é ele quem me olha
olha-me com um olho amarelo
e vira-me o bico
vira-me o olho e vira-me o bico
com que olhos me vê este pombo?
elesbão
(26/07/2011)
sábado, 29 de outubro de 2011
BLOOMSDAY TUPINIQUIM
Com toda essa brida provocada pela invenção tupiniquim do bloomsday, em homenagem ao nosso pretenso e poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, senti vontade de voltar a um texto fundamental para ler a obra do grande poeta, lido no curso de mestrado que fiz na UERJ, sob a orientação de Luiz Costa Lima.
Publicado em livro que então se produzia, “Drummond: As metamorfoses da corrosão” (1989) lançava novas perspectivas de leitura para sua poesia. No texto – exponho-o de maneira sucinta – procura-se verificar a existência de um princípio que ordenaria a poética drummondiana, desde seu primeiro livros e que aos poucos, à medida que as experiências vivenciais do poeta se colocam, vão se modificando e construindo outras identidades e possibilidades de leitura.
No texto de Costa Lima, lemos que o princípio da corrosão, “em sua primeira recolha, confia na técnica da fragmentação e no papel da ironia para formular o caráter problemático do mundo que lhe foi dado”. Embora permaneça em livro que abre nova perspectiva na obra de Drummond, “o privilégio da ótica irônica- fragmentadora” que se opõe “à grave dicção do sublime” formula em o Sentimento do Mundo num novo elemento: o sentimento de participação, que novamente se metamorfoseará quando a dicção mais elevada de Claro Enigma pressupuser outra deriva.
O texto de Costa Lima é fundamental para que se possam surpreender não só os caminhos trilhados por Drummond, mas para também perceber que esgotada as vertentes da corrosão, a poesia de Drummond se dirige à aclimatação do poeta às exigências do leitor, perdendo a elaboração formal e tornando-se “uma espécie de consciência pública média”.
O nosso bloomsday, ao entronizar o poeta na consciência do público, pode correr o risco de fazê-lo por um viés mais imediato e facilitador e daí celebrar não mais o poeta, mas o cronista. Portanto, tenhamos prudência, que o santo pode se revelar de barro.
(Oswaldo Martins)
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
terça-feira, 18 de outubro de 2011
antiode para uma certa senhora social-democrata
para ubiratan braga
se de lúcia preferes a senhora que por trás governa para ser governada
estou fora, histrião
se a dor no peito
se o aperto no peido
se preferes a higiene das bem nascidas o ai não me toques das moças donzelas
estou fora
das beldades de empréstimo que quando deixam cair a roupa deixam cair as máscaras das propagandas, do rímel, da falsa bunda ao siliconado peito ou da calça jeans apertadinha sobre os amplos beiços da boceta
vestes então do despudor a voz altiva que comandou escravos que comandou homens até a hora agá gagá senhora de vinte e poucos anos já automatizada em roubar as sibilas do tempo por isso pintas os cabelos pintas o contorno dos olhos a boca e botocuda de botox já não ris senão da desgraça das pobres moças que não têm de seu senão as flores gonocócicas da verdadeira impudicícia, as destroçadas moças as altissonantes moças que bebem que gritam que estridulam com os cabelos desgrenhados pelas esquinas que marcam de roxo o rosto que maceram de nada os sonhos e fazem guris em penca para cuidarem os outros ou para abandonarem os tristes bastardos da pátria ao relento do crack, da cracolândia ou da faca que o feitor de teu tempo constrói nos reformatórios da cidade
onde então tomam porrada
estou fora, senhora
pois que propões para a miséria o medo e suas prisões ou para as favelas o caveirão o caveirume da porrada de antanho, disfarçada, senhora disfarçada, de alento para quem não tem alento e escondes as escolas, fazem com que sonhem com bulevares e lhes dão falésias e felonia e um monte de roupa suja
estou fora, senhora
dos twitters que propõem discutir a segurança pública e reinventam a burla do pão e do circo que reinventam o funk como codinome do samba que tanto odeias
tua rebeldia – senhora sempre envilecida – é pouca teu sonho de liberdade pífio
ah, senhora,
queria te ver no asilo, de camisola queria te ver na esquina, pedindo esmola queria te ver na frente de uma pistola, toda frajola de longo e salto alto na padiola que boa bola
na lida queria te ver na linha de passe entre a cachaça e o rufião entre o tiro e a linha fronteiriça do bem e do mal te ver cagar nos vasos sujos dos botequins de terceira entre as moças
de calças largas e bocetas apertadas
(oswaldo martins)
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
sábado, 15 de outubro de 2011
Picasso
Quando alguém, visando a beleza de um produto, a ele dá um nome de um pintor, de um poeta, de um músico, falseia a relação do produto com o público e mostra a destruição que a obra do artista sofre pela exposição midiática. A emulação grosseira pressupõe a falta de leitura daqueles que os mestres da publicidade pensam ser o público alvo do produto oferecido.
Dirigimos um Picasso, bebemos a cerveja que Vinícius nunca bebeu, que vende a minha pátria para o Banco Bamerindus, Drummond, um bom ano novo ou uma calça, Bandeira, que nunca vendeu sabonetes, vira garoto propaganda. Ainda virão a penicilina Noel Rosa, a calcinha Leonardo, o motel Jorge Amado ou Gabriela.
Nos restaurantes antigos comemos o Oswaldo Aranha, nos modernos toda uma sorte de artistas, pintores e demais personalidades desomenageadas pelo prato preferido à doré. Moramos em mansardas ou mansões chopin, strauss ou villa-lobos e carlos gomes, e deseducamos as crianças em pretensas vanguardas – arautos do atraso e da arte da propaganda. Quantos sairão dali prontos para o mercado?
Quando Baudelaire disse que o poeta iria ao mercado vender a alma, como as putas vendem o corpo, não disse ou justificou a mixórdia do mercado – senão que dele fez lugar de preferência para passear a inaptidão do sujeito, sua radical redução à aberração denunciatória dos novos tempos recém-inaugurados.
Quando Caetano entra na justiça para proibir que um investimento qualquer roube-lhe a tropicália para nela fazer morar mal-pensantes que pensam comprar a modernidade e o paraíso, merece, novamente, nossa absoluta aprovação.
(oswaldo martins)
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
diário da queda
Há duas atitudes a tomar diante da inviabilidade da experiência humana em todos os tempos e lugares. A primeira é a do meu avô, e tudo o que penso a respeito eu acho que disse para meu pai aos treze anos, da forma como ei conseguia na época, e lembrando hoje da briga e da maneira como meu pai me olhou na briga e da conversa que tivemos no dia seguinte à briga e da forma como ele passou a agir depois eu percebo que ele secretamente me deu razão, e que já sabia disso desde sempre, e que seria capaz de dizer as mesmas palavras que usei na época, as que fui capaz de escolher, e até então ninguém havia sido tão direto ao lembrar o meu pai de que meu avô se agarrou a um pretexto, um álibi dele, a aura que o tornava uma espécie de mártir, um santo por haver estragado a vida de meu pai embora tenha seguido à risca as previsões das toneladas de páginas e milhares de filmes e infinitas horas de discussões sobre a inviabilidade da experiência humana em todos os tempos e lugares e como terminaram todos os que tiveram contato com ela, mesmo que ela tivesse um nome tão simbólico e acima de qualquer discussão como Auschwitz.
(LAUB, Michel. diário da queda. Pag135 -136 – Cia das Letras, 2011)
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