segunda-feira, 12 de maio de 2008

Konstantinos Kaváfis

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Sinto em mim uma extraordinária capacidade. Tenho a certeza de que, se quisesse, poderia tornar-me um grande médico, advogado, economista ou engenheiro. Bastariam apenas duas coisas: tempo para estudar e vontade de abandonar a literatura. Será uma ilusão do espírito? Estarei sobrestimenando minha capacidade? Ou é algo natural em todo littérateur - isto é, uma aptidão de que todo littérateur é dotado? Parecem-me fáceis todas as atividades práticas. A despeito de toda a minha certeza, reconheço porém que se não dispusesse de tempo, de tempo sufuciente, eu não seria verdadeiramente capaz de ter sucesso na vida prática. Mas nesse caso eu cairia na categoria geral: com tempo bastante ao seu dispor, qualquer homem de dotes intelectuais medianos sair-se-ia bem. Não: o que me torna superior é o sentimento de que eu precisaria de muito menos tempo. Isso não me impede de reconhecer que eu nunca poderia ter êxito na vida prática, porque acho impossível - salvo por um esforço que aquase me dilaceraria a alma, - arrancar de mim o hamkering pela literatura. E eis que me vem outro pensamento. Talvez essa mesma capacidade que me fez ver como fáceis as profissões práticas, resulte de literatura, do contínuo pensar, do sharpening da imaginação, Se me fosse dado renegar a imaginação sem sofrimento, talvez então eu perdesse as energias e profissões práticas se me afigurassem tão difíceis como para o comum das pessoas. Mas não creio nisto. A capacidade existe. Minha fraqueza - ou minha força, na suposição de que o trabalho artístico tenha valor, - está em eu não poder abdicar da literatura, ou melhor, da voluptuosa agitation da imaginação.

( Kaváfis - Reflexões sobre poesia e ética - trad. José Paulo Paes)

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