sábado, 17 de novembro de 2007

Bicicleta

Mariinha bicicleta foi uma prostituta famosa na década de 30. Nos anos 50, era a mais famosa cafetina da cidade. Sábia, brindava os freqüentadores de sua Casa, com ensinamentos, retirados da experiência adquirida nos muitos anos em que – como dizia – servia às famílias e à manutenção das boas relações maritais, além das excelentes histórias que contava, com a graça e a leveza dos narradores ligeiros. A conheci como um dos próceres da cidade, sua fama, importância e honradez disputavam com os políticos, com os padres, com os doutores a primazia da orientação moral da população. Quando a idade não lhe permitiu nem mais a posição de cafetina, abandonou o ofício, que engrandecera, e tornou-se habituê dos cafés da tarde das senhoras da cidade. Certa vez, tomada pela idade e receando alguma doença grave, foi ao consultório de meu pai para tratar-se. Ele reservou para ela algumas horas da tarde.

Entre uma e outra orientação dada, algumas histórias foram sendo contadas. Da reprodução que delas fazia o pai, à mesa do jantar, algumas se destacavam e eram contadas e recontadas. Não sei se intencionalmente ou não, as histórias tinham sabor, cheiro e tato. Podíamos sentir seu cheiro, tocá-las, comê-las. Despertavam nossos apetites, o meu e o de irmãos e irmãs.
Tendo recebido uma noviça em sua casa, por volta dos anos 50, no início de seu pontificado, Mariinha, que tinha seus clientes prediletos, guardara a menina para um deles, que sempre lhe pedia primazia em relação às putas novas que ali viessem aprender o ofício. Pois bem, chamou seu moleque de recados e o enviou à casa do Doutor.

__ Vai e diga o Doutor que eu espero, sem falta, no horário de sempre em minha casa.
Enquanto o moleque ia à casa do Doutor, Mariinha chamou sua nova protegida e com ela iniciou um curto monólogo:

__ Ocê, venha cá. Hoje recebo a visita do Doutor, deixa ele satisfeito. Nunca negue o que for. Você veio até aqui para isto. Tá qui as roupas que vai usar. Toma um banho, põe cheiro e espera no quarto.

O Doutor chega à hora marcada e Mariinha o acompanha até a porta do quarto. Depois se recolhe à sala na espera do veredicto, satisfeita - a menina era bonita. Servia-o há alguns anos, ninguém como ele para tirar as ilusões das putas. Aprendera que o pecado maior, mortal, para a mulher da vida eram dois: filho e paixão – um decorrência do outro. Por isso, quando uma putinha nova, sem saber ainda da vida, vinha até sua Casa, mandava chamar o Doutor. Descansada, esperava. Pouparia seu tempo e não ouviria as lamúrias de sempre. Dormitava, feliz.

Foi despertada de seu sono por gritaria vinda da direção do quarto. Esperou. Arrematando as roupas, com um seio à mostra, as coxas aparecendo sob a roupa rasgada, a noviça veio em sua direção. Gritava, histérica. Doutor apreciava a cena na porta do quarto, sorria.

__ Menina!

__ Ele queria coisas comigo que não faço - conseguiu falar entre choro e gritos que cada vez ficavam mais alto.

Mariinha encheu a mão e a plantou no rosto da puta que estancou choro e grito.

__ Ói, volta pru quarto, mas antes escuta um conseio: você é mulhé de zona, num é? Antão, mulhé de zona que não chupa e não dá o cu, não veve. E não veve, pru quê? Pruque quem sustenta mulhé de zona é home casado e home casado, de buceta, tá cheio até aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário