sábado, 22 de março de 2025

quarta-feira, 19 de março de 2025

teoria 2 do poema


se deus criou o mundo

e cronos retirou-o do caos

o poema acenderá

todas as dúvidas

em sua similitude


terça-feira, 18 de março de 2025

Íbico

 ... na primavera cidôneos

marmeleiros – banhando-se das correntes 

dos rios, onde há das Virgens

jardim inviolável – e os brotinhos de vinhas –

crescendo sob sombreados ramos de 

parreiras – florescem. Mas para mim a paixão 

não repousa em nenhuma estação. 

E, com raios marcando o caminho 

 o trácio Bóreas, 

voando veloz da casa de Cípris, com crestantes

loucuras, sombrio, descarado,

com mão firme, desde o fundo,

vigia meus sensos...


(Frag 286  Íbico)

quinta-feira, 13 de março de 2025

teoria 1 do poema

 

o conceito em sua inutilidade

arredonda o corpo do poema

 

no espaço erode os objetos

as ações e – relâmpago vivo –

 

por serem móveis as palavras

que o secretam se derretem

 

as possíveis tramas fazem rasas

as passagens que se mostram

 

e desaparecem

terça-feira, 11 de março de 2025

tríptico


hetaira


afronta desde as águas

o himeneu a cantora

de fados e fodas

*

farmácia


circense margarida

dos homens canta

a pobre ilusão

*

tauromaquia


enquanto hera vigia

o tapete borda helena

símile divino


terça-feira, 4 de março de 2025

Poesia da Guatemala -Otto-Raúl González

 OS PEDREIROS CANTAM


Os pedreiros cantam nos andaimes

de cimento,

ferro,

cal;

seus assistentes assobiam.


Os pedreiros suam muito,

camisas ficam sujas

e trabalham com sapatos puídos.

Mas no domingo eles usam camisas brancas

e os sapatos novos, que rangem um pouco,

e eles abordam suas namoradas religiosamente

como alguém se aproximando de uma toalha de mesa ou olhando um adesivo.


Os pedreiros trabalham cantando

uma música, qualquer música,

e do andaime

eles se parecem um pouco com anjos

com suas asas de cal e entre nuvens de areia.


Eles guardam dentro de seus corações

pequenas ilusões como frutas maduras

assim como as avós entre roupas brancas

os marmelos perfumados.


Os pedreiros cantam,

seus assistentes assobiam.


Às vezes, no alto do andaime,

eles entram em colapso.

segunda-feira, 3 de março de 2025

mitologia


atabaliba é um nada

um menos que nada

ou ainda a partícula

deste nada


o resto do nada

mais que o nada

o absoluto-nada


um lugar ainda e não

um não em seu nada

o atabaliba-nada


cercaram-no por isso

com um muro

atrabiliário


Dois poemas inéditos de Lúcio Autran

 Um sol frio 

e branco

azulazulejado sol 


silencioso sol

licencioso nasce

necrosado


*


Desista Juan,

suas pernas impedem a fuga

e o paralisam


duas ilhas

cruciantes de areias estéreis

cristalizadas


nas margens

atrozes da miserável artrose

nos joelhos

sábado, 1 de março de 2025

os versos da puta

 

__ na boca! na boca!

umas davam-lhe as costas com repugnância

outras porém faziam-lhe a vontade

(manuel bandeira – na boca)

 

 

a elas, as de mãos dúcteis, o verso compra

o carinho efêmero o silêncio o desbordar

no íntimo de si

 

iguais na malícia saem ao mercado feiram

e impõem se mutuamente o alegre preço

do acordo tácito

 

assustam o mundo do espetáculo ele e elas

proibidos se ferem ao celebrarem a hecatombe

das entranhas-fim

 

ao alegrarem os deuses com a sordidez dos atos

usam escusas tão dúbias quanto o seriam as vozes

do indizível

 

ele e elas revelam o mundo do de diversos nomes –

possuidores se tornam, oxalá, a cara manifesta

do consumo

 

oswaldo martins

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

cacos

 

os vasos sabem a miúdas enfibraturas

quase imperceptíveis apenas ao toque

deixam-se ver e lestos no esconderem

quem os cunhou secam em sepulturas

 

as imagens no sobre conceito afixadas

desmedida a sua dimensão de nuncas

a gerir a vida e a sentenciar os numes

em palavras reles calam e reprimem

 

com toda avidez o dia até o amanhã

quando uma mão sediciosa os exuma

e mostra à caveira dos olhares o oco

imenso das tecituras: os vasos-caco

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

morte

 


nunca sob o manto da dor alheia

os tapetes de etiqueta, os valores

da distinção sirvam sorrisos

em vasos de flores

 

a festa não cabe

onde rastejam os desesperados

que voltam para a cidade destruída

 

cada janela expõe um morto

um corpo sem mãos

no ventre carcomido

 

as moscas rondam a cena

de sangue num escombro

das ruas vazias de rafah

 

oswaldo martins

 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

esparsos 2

 

****

Às vezes, a linguagem pode surpreender quem a usa. Só muito mais tarde é que o deslize linguístico se faz compreendido, provocado que foi pelo espanto ou pela incapacidade de expressão. Certa feita, viajando com meus pais e meus irmãos, exclamei cheio de maravilha sobre um grupo de vacas, que pastava na encosta de um morro, olha, uma plantação de vaca!

 

Teria sido uma das minhas premonições poéticas? Transformar uma coisa em outra ou simples erro e desdomínio da língua? Quando escrevo algum poema, de repente aparece uma palavra, gritada não sei de onde, que transtorna todo o dizer que buscava e me leva à exata inexatidão do que gostaria de mostrar.

 

Meus poemas são minhas plantações de vaca?

 

*****

Gostaria de ter visto o dia nascer numa praia deserta, mas o medo das aparições me impediam. Sonhava com seres de outros planetas me observando da janela do quarto. Quando li no Augusto dos Anjos, o soneto dos morcegos, compreendi quem eram aqueles pequenos seres noturnos.

 

Depois vieram os sonhos com os escorpiões. Narrativas bem-acabadas com finais abruptos ao despertar. Vivia imerso nessas fantasias. Como a da sístole e diástole de pequenas bolinhas que se condensavam e se diluíam durante uma noite inteira, meu pequeno exemplo do big-bang.

 

******

Gostava de, no carnaval, catar pedaços de serpentina e enrolá-los, um colado ao outro, até ter no fim dos dias de folia uma peça multicor que girasse em minhas mãos com o intuito de hipnotizar alguém. Infelizmente não guardei estes objetos rosarianos; fariam uma bela coleção para a minha biografia de objetos inventados.

 

Quem sabe os seres pudessem ser sugeridos por esses objetos sem precisão, em uma absoluta cosmologia do impreciso. Outro dia respondendo a uma demanda sobre o emprego de vírgulas em um poema que escrevi para uma revista, anotei: não emprego vírgulas na escrita dos poemas, pois busco neles uma possibilidade de não fixação dos sentidos, os versos devem se mostrar em mobilidade constante.

 

Seria uma forma de ressignificar minhas plantações de vaca, meu manto?

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

esparsos

 

*

A poesia tem feito parte da minha vida desde muito cedo. Conta um papel que tenho guardado e me foi dado pelas minhas irmãs que os primeiros versos escritos são de quando tinha seis anos de idade. Aos seis anos eu não sabia de nada, nada. Apenas algumas impressões imprecisas restam na minha memória. Destes versos havia me esquecido completamente.

 

**

Lembro-me de estar escrevendo regularmente já fazia um tempo, mas a única memória de eu empunhando um lápis, nesta época, foi a de duas palavras – dragão partido – que está no Resíduos do Drummond – de tudo fica um pouco – que escrevi na mesa da casa de meus pais, uns dias após a morte de meus avós, em acidente de automóvel.

O poema está perdido em alguma gaveta. Tudo o que se escreve com 15/16 anos está na medida do outro; a medida que tomamos como nossa, talvez até as palavras, surgem depois, muito depois, quando inventamos um ritmo próprio.

Entretanto era já leitor. A poesia que inicialmente me seduziu foi a de Bandeira, Drummond e Vinícius, que li levada por meu primo, em edições da Aguilar, aquela de capa verde e papel bíblia.

 

***

A aventura da leitura sempre me acompanhou, desde sempre. O hábito foi sendo adquirido aos poucos. Uma curiosidade enorme pela voz alheia, pelo ambiente alheio, pelos sentimentos alheios talvez tenha sido o que as primeiras leituras me provocaram. Ao longo do tempo foram sendo incorporadas às atividades de aprendizado várias outras leituras. Houve uma época em que peguei todas as obras de Dostoievski e as li, uma após outra. Foram quase oito meses em que fiquei mergulhado nesse escritor. Fiz isso com alguns autores. Pedro Nava, Jorge Amado, Junichiro Tanizaki, José Lins, Sandor Marai, Coetzee, Yasunari Kawabata, Eça de Queiros, Autran Dourado, Machado de Assis e muitos outros.

Esse tipo de leitura me proporcionou saber do ritmo de cada um, além da forma com o pensamento se mostra. É valioso para quem, quando se mete a escrever, tendo ouvido pouco musical, aprender.

Daí que minha poesia foi aqui e ali descobrindo ritmo e se descortina com assinatura própria a partir da leitura de João Cabral, buscando aproximar-se na disciplina da construção e ao mesmo tempo se distanciar da dicção do para mim poeta maior.

deslumbramento

 

a mulher sem forma

chama o ardor

afunda em desejo

 

seus aéreos matizes

fixam o olhar firme

por sobre a desconexão

 

a medida se impõe

e desde sempre

os livros a expõem

 

negativa primeira

da perna ausente

e suas inflexões